Kelly Rowland sempre foi vista como uma cantora talentosa, mas que vivia às sombras da líder das Destiny's Child, Beyoncé. Agora, vamos a uma confissão: me desculpem os fãs de Beyoncé (a quem prezo e respeito demais), mas Kelly Rowland sempre foi minha Destiny's Child favorita e sempre a achei mais talentosa dentro do grupo, seja por sua voz única, seu belo rosto ou pela atitude. Porém, com a divisão e a constante evolução de Beyoncé em carreira solo, isso meio que se perdeu. O que ficou comprovado mais ainda quando seu primeiro álbum solo foi lançado. Embora "Simple Deep" (2002) fosse um álbum com conceito bem interessante (mesclando R&B e rock), na prática, não funcionou tão bem assim. Muitos irão confrontar essa opinião afirmando que "Ah, mas o álbum vendeu muito bem, conseguindo impulsionar a carreira de Rowland". Ok, conseguiu isso, mas sabem por quê? Muito em virtude do reaproveitamento de "Dilemma", smash hit mundial, tocado até hoje e para quem não sabe, foi uma faixa do Nelly para seu "Nellyville" (2002), onde ela foi feat. e acabou utilizando a estratégia de pegar a faixa, inverter a ordem e jogar no seu álbum, aproveitando todo o hype em torno dela — o que não condeno, que fique claro —. O problema é que, isso tudo acabou mascarando um pouco, assim como era na época das DC, todo o talento de Rowland como vocalista e ofuscando assim a boa proposta do álbum.
O tempo passou e pesou bastante, uma vez que Kelly Rowland veio com seu segundo álbum, "Ms. Kelly", apenas em 2007, o qual, sem o hype de um smash hit e com constantes mudanças de data de lançamento, fez muito menos buzz que o de estreia. Quando todos pensaram que ela daria uma outra grande pausa para o processo de composição de um novo álbum, eis que surge em 2009 um tal DJ francês (aka David Guetta), que a recruta para os vocais daquele que viria a ser um dos maiores hits do verão daquele ano, "When Love Takes Over".
Tendo em vista de novo um hype por conta de um single de outro artista, Rowland lança "Here I Am" (2010), seu terceiro álbum em estúdio, que lhe rendeu uma nova parceria com Guetta, agora em "Commander" e a faixa "Motivation" parceria com Lil Wayne. Após a divulgação do álbum, Kelly aproveitou para se dedicar a outros projetos, tanto no cinema, quanto na tv, no caso, sendo jurada da versão britânica do X Factor.
Agora, em 2013, K-Row está de volta com "Talk a Good Game" para ao menos tentar provar que, mesmo que não tenha alcançado o sucesso da colega Beyoncé, ela não é dependente de um outro artista para conseguir sucesso e muito menos ser feliz, entregando seu melhor e mais coerente álbum solo até agora e que, sim, continua mais talentosa do que nunca (mesmo com produtores errando com ela em alguns momentos), e tirando uma lição poderosa: que às vezes, enfrentar seus próprios medos faz muito bem à alma.
Contando com o mais que hypado produtor Mike Will Made It, temos o primeiro single do álbum, "Kisses Down Low". A faixa pode ser considerada como uma "continuação" para "Motivation" (2011). Não morro de amores por ela e mais impressiona o fato do quanto não lembra nem de longe os trabalhos mais inspirados do produtor. O maior erro pra mim, é que diferente de "Motivation", aqui, a voz maravilhosa da Kelly acaba sendo abafada por todos os elementos empregados na sua produção, como o uso abundante de sintetizadores e tambores, por exemplo.
Caminhando para a sequência, temos a melhor e mais sincera canção de todo álbum (talvez a melhor da vida de Kelly Rowland). "Dirty Laundry" é extremamente comovente, o que já foi comprovado várias vezes na indústria que funciona, né Adele? Encarando os próprios problemas e despindo-se de qualquer máscara que algum dia existiu, Kelly canta sobre o fato de sempre ter sido abusada dentro de um de seus relacionamentos e todos seus sentimentos conflitantes, porém, é um tanto quanto irônico saber que um fato tão terrível quanto esse, era ofuscado por conta de todo o nome Beyoncé e a falsidade que a indústria fonográfica representava à sua volta. Não estamos culpando a Mrs. Carter aqui, nem Kelly faz isso. É apenas um desabafo sincero e corajoso por parte dela. A música funciona e muito bem como parte de uma explicação sobre a última década de sua carreira, num caminho de autoanálise e catarse, afastando-se um ciclo de mentiras, omissões e meias-verdades. Para vocês terem uma ideia de quanto essa canção é muito forte, Kelly sempre chora quando a canta em seus shows.
Grande parte do álbum trabalha em torno de temas semelhantes. Como "You Changed", onde ela recrutou sua antigas amigas de Destiny's Child para a produção de uma faixa R&B soul, bem anos 90, captando o caráter da mulher forte, independente, e que ela pode se unir a Beyoncé, sem problemas. Afinal, o que passou, passou. Agora, juntas, podem enfrentar através da autoanálise, um mal causado por qualquer cara: "desde que você me deixou / Eu não chorei desde então". O grande problema aqui e que fica ainda mais evidente em "Street Life", com o Pusha T, é que a impressão passada é que esses feats. foram colocados ali apenas para dar um pouco mais de crédito ao álbum, parecendo que sempre falta algo, sem conseguirem juntos a Kelly aumentar as músicas. Uma pena.
Enquanto Pusha T pode não ter reforçado a canção, ela seria nada se não fosse uma produção de Pharrell Williams. Ele também produziu a última música da versão não-deluxe, "Stand in Front of Me", que faz Rowland realmente se encaixar num nicho em que seria soberana caso quisesse: o R&B clássico, indo de encontro ao mainstream que ela ainda tenta. Lógico, isso é uma aposta arriscada, pois teoricamente muito menos exposição mundial teria. Por outro lado, restringindo seu público, poderia se destacar num mercado que parece ter sido feito para ela.
Um ponto alto do álbum pode ser ouvido em "Gone", parceria com o rapper Wiz Khalifa, que conta com samplers de "Big Yellow Taxi", do Joni Mitchell. Nela, Rowland afirma seu próprio poder, se soltando de um amante que a trata mal. Já a faixa-título adverte os homens que as palavras por si só não são mais suficientes, e que ela irá "cortá-lo fora de sua vida enquanto é tempo".
No geral, "Talk a Good Game" não é brilhante e possui erros questionáveis. Porém, ainda assim é o melhor e mais honesto trabalho solo já lançado por Kelly Rowland até hoje. Ok, ela pode não ter tido nenhum single tão bem nas paradas até agora, mas num contexto geral, é um álbum bem sólido, tendo um bom time de produtores (que às vezes "cagam" na cabeça dela, ofuscando-a, sabe-se lá o motivo). Em seu novo álbum, Kelly busca reinventar-se, mesmo que isso possa causar-lhe dores ao ter que remexer em seu doloroso passado, confrontando maus relacionamentos, crises sexuais, ciúme, inveja e várias outras polêmicas. Isso é um fato louvável, pois finalmente, depois de um longo tempo, é perceptível uma tentativa de sair da sombra da rainha do R&B, Beyoncé. Esta, por sua vez, é uma das figuras femininas mais fortes do nicho em que Kelly insiste em competir. Porém, dessa vez, ela canta sobre o que tem de melhor: sua verdade. Sabendo que o poder de se afastar das coisas, ou quem sabe, proteger-se delas, depende única e exclusivamente do seu talento e que, por mais que se concentre em muitas vezes abdicar do prazer, em "Talk a Good Game", Kelly Rowland concentra-se na conversa, principalmente, e não parece temer quando um confronto for necessário, mesmo se do outro lado estiver um cara babaca ou a Beyoncé.
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