Na semana passada, foram nomeados os indicados ao Emmy 2017, premiação importantíssima da TV americana. "The Handmaid’s Tale" foi uma das selecionadas, sendo responsável pela primeira nomeação do serviço de streaming Hulu na categoria “Melhor Série Dramática”. Não só isso, o show baseado no clássico de Margaret Atwood é um dos favoritos ao prêmio.
O enredo é sobre um mundo distópico onde os Estados Unidos, após um golpe promovido por um grupo fundamentalista cristão, passa a viver sob uma ditadura, a República Gileade. As mudanças climáticas provocaram uma espécie de epidemia de infertilidade, e homens e mulheres no mundo todo pararam de ter filhos, o que provocou uma crise global. É nesse clima de medo que o discurso religioso ganha força e acontece o golpe. Nessa teocracia a palavra de Deus é livremente interpretada segundo os interesses dos fundadores, e as mulheres vivem sob constante dominação – para os homens, o objetivo final do ser feminino é a procriação e somente isso.
Nesse mundo existem as Handmaids, ou Aias, que são as poucas mulheres que ainda são férteis. Elas foram capturadas antes que pudessem sair dos Estados Unidos (a ditadura chega aos poucos e quando acontece é tarde demais para fugir). As Aias são servas das famílias que comandam a República de Gileade e sua obrigação é dar à luz a bebês para essas famílias, o que passa por um processo doloroso de estupro por parte dos chefes da casa, chamado de “cerimônia”.
Ao longo dos 10 episódios da primeira temporada, acompanhamos os pensamentos de June (Elizabeth Moss - "Mad Men"), Aia inconformada com seu cárcere privado e o mundo de terror e dominação em que vive. June está sozinha e o roteiro usa de seus devaneios para nos dar uma dose forte do medo, insegurança e raiva que passam por sua mente. Não nos esquecendo que ela é uma prisioneira, é possível notar que as diretoras da série se esforçaram para que sentíssemos incomodo com aquela mulher à mercê de pessoas poderosas, e não naturalizássemos seu sofrimento. Ela não faz tudo o que pedem porque Deus mandou, mas sim porque não tem escolha.
Falando em direção, outro ponto incrível da série são as diretoras – são 4 mulheres que dirigem 8 dos 10 episódios. Reed Morano e Kate Dennis foram inclusive indicadas ao Emmy de melhor direção em série dramática, dando peso às indicações femininas na categoria junto à Lesli Linka Glatter, de "Homeland", a única mulher entre as nomeações há dois anos.
As diretoras fizeram por merecer, porque os episódios são extremamente bem dirigidos, com uma atmosfera bem construída. Somos apresentados à três linhas do tempo: o presente, o passado próximo ao golpe e o passado depois do golpe. Em vídeo, cada um possui cores e jogos de câmera que constroem uma identidade única. É um prazer acompanhar os closes em movimento nos personagens e o ambiente sombrio da mansão iluminado por feixes de luz da janela.
Poderia uma ditadura assim acontecer? Poderíamos voltar um dia ao passado e oprimir novamente mulheres de maneira implacável? A distopia de Margaret, lançada em 1985, é mais atual do que nunca. Temos visto no mundo todo discursos de ódio ganhando espaço e fundamentalistas religiosos sendo aplaudidos mundo afora.
“Ah, mas se algo assim acontecer, a mídia não deixará. Todos no mundo saberão das atrocidades, a ONU...”. Será mesmo? Tomem como exemplo a Rússia com a lei “anti propaganda gay”, na verdade um passe livre para o genocídio LGBT, e o Brasil e o mundo continuam com relações comerciais naturais com o país. Relativizamos a dor de outros povos, e a mídia contribui ao divulgar da forma como bem entende o que acontece em outros países, isso se quiser divulgar.
Ao ver "The Handmaid’s Tale" nos perguntamos se seria possível tal distopia, mas a narrativa também pode ser vista por outro viés – o da sororidade. As Aias, devidamente uniformizadas de vermelho, não são seres passivos como pensam. Essas mulheres chamam o que acontecem em seus lares, sim, de estupro, violência e humilhação, e muitas querem fazer algo para mudar. É emocionante quando June percebe que, de alguma forma, não está completamente sozinha.
Alexis Bledel (“Gilmore Girls”) e Samira Wiley (“Orange Is The New Black”), indicadas por seus papéis na série, transmitem através de suas interpretações toda a dor de suas personagens. Outros destaques também ficam para as outras mulheres, com personagens minuciosamente complexos, como são os casos de Ann Downd (“The Leftlovers”) como Tia Lydia, também indicada ao Emmy, e Yvonne Strahovski (“Chuck”).
Por essas e outras, o mais esperado é que o Hulu leve o grande prêmio da noite de 17 de setembro - e, com isso, sinalizar uma alerta para a Netflix e HBO também. E a gente vai ficar, com certeza, bastante atentos às próximas produções originais do serviço.