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Crítica: "O Nome da Morte" mergulha fundo nos comos e porquês de um matador de aluguel

As complexidades de "O Nome da Morte" o colocam no hall dos grandes filmes nacionais modernos
Atenção: a crítica contém detalhes da trama.

Em 2018, não sei bem o motivo, entrei numa fase que anseia por filmes nacionais. Talvez seja pela incrível leva de nomes a surgirem nos últimos anos, resumida de maneira singela na minha lista com 10 produções do cinema moderno tupiniquim para provar que somos maravilhosos; ou por uma auto-demanda de valorização do que é nosso, atividade rara dentro da nossa gente.

E, felizmente, 2018 não tem me decepcionado no parâmetro "filmes brasileiros para entrarem na história". Dois grandes expoentes já despontaram, "Aos Teus Olhos" e "As Boas Maneiras" - e, consequentemente, figuram como protagonistas na corrida para descobrirmos quem será o escolhido para representar o país no Oscar 2019. Não esperava, confesso, que "O Nome da Morte" teria força para figurar ao lado dos dois citados, porém graciosamente me enganei.

De Henrique Goldman, diretor de "Jean Charles" (2009), cinebiografia do brasileiro baleado no metrô de Londres em 2005, "O Nome da Morte" segue a tendência do diretor ao trazer outra cinebiografia, dessa vez de Júlio Santana (interpretado por Marco Pigossi), matador de aluguel que possui no currículo quase 500 mortes. Como formato já padrão, o longa segue a vida do protagonista e mostra sua trajetória até se transformar no mito que é.

A primeira expectativa que tive ao saber da premissa foi: o filme mostraria a complexidade de um psicopata, quase um "Onde os Fracos Não têm Vez" (2007), ou, por ser baseado num livrorreportagem de Klester Cavalcanti, um "Zodíaco" (2007). Rapidamente essa expectativa foi desfeita, dando lugar a outro tipo de indagação: se Júlio não é um psicopata sanguinário, como ele se tornou?


Júlio morava com a família num pobre interior desse país e é levado pelo tio, Cícero (André Mattos), para a cidade grande com a promessa de transformar o garoto em um policial militar. Só que, para o espanto do protagonista, ele é inserido sem escolha na rede de mortes por aluguel, com Cícero sendo um dos "cabeças" das operações. Júlio, o pobre e ingênuo interiorano, sedento pelo trabalho na capital, era peça perfeitamente maleável para seguir os negócios do tio, querendo ou não.

Acho importante deixar claro: ainda não li o livrorreportagem sobre a vida de Júlio, então não sei até onde a ficção engole os fatos. Por se tratar de uma história real, tendemos a levar o que está na tela como "verdade" - ou como uma dramatização do que realmente aconteceu -; por isso é primordial pontuar que: a obra não tem obrigação de se prender aos ocorridos verdadeiros e, devido a isso, o Júlio da tela não é o Júlio real, e sim uma versão cinematográfica baseada. Continuemos.

Talvez por ter construído a expectativa já citada, a primeira parte do filme serviu para mim como a humanização absoluta de seu protagonista: ele não mata por prazer, ele mata por ter sido coagido. Claro, é inegável que Júlio não se trata de um inocente, ou alguém que é obrigado a fazer o que faz; a culpa está sobre seus ombros, todavia, há um elemento diferencial aqui: enquanto o tio leva o trabalho de forma até banal, rindo sobre o que faz, há um peso esmagador diante de Júlio.


Ele se desespera ao lidar com a crua verdade de que assassinou uma pessoa, algo piorado ao saber dos motivos, geralmente irrisórios, como brigas ou desentendimentos. A incisiva pontuação do roteiro que escancara a dor sentida pelo protagonista é elemento fundamental da sua humanização, aproximando o público da situação. Entre as dúvidas de Júlio perante seus atos, o texto também indaga: afinal, há algum motivo sólido para justificar minimamente o que ele faz? Esse dilema moral é atirado na cara do público quando, após matar um homem, Cícero "consola" o sobrinho, informando que o morto era um estuprador. Isso então é razão irretocável para o assassinato?

Esse cuidado narrativo impacta diretamente todo o andar da carruagem. Gostando ou não, o número de trabalhos executados (trocadilho proposital) vai aumentando drasticamente, mostrados de maneira criativa por cartões não-diegéticos, informando quantas pessoas Júlio matou até o momento. Por não ser um sociopata que mata sem uma gota de remorso, o destino do protagonista é assimilado de maneira natural por quem está do lado de cá da tela, efeito potencializado pelo contrapeso de personalidade: Cícero, o que mata por esporte.

Outra inserção de humanização é Maria (Fabiula Nascimento, uma das minhas atrizes nacionais favoritas, inclusive), que se tornará esposa de Júlio. Toda a situação da mulher imediatamente me remeteu à Skyler White (Anna Gunn), da melhor-série-já-feita-na-história, "Breaking Bad". Assim como Skyler, Maria não tinha ciência da real fonte de renda do marido - Júlio finge ser policial militar, tática que tanto esconde seus atos como é fachada incrível para despistar o que faz. Tanto Júlio quanto Walter (Bryan Cranston) burlavam a lei em nome de um "bem maior": suas famílias.


Mesmo Maria não sendo o estopim para Júlio cair no crime - como é o caso de Walter -, a esposa vira prioridade para o protagonista, que usará sua profissão para dar uma vida melhor a ela. Há sincera paixão entre os dois, com o protagonista demonstrando ainda mais humanidade ao se revelar devoto da mulher e do futuro filho. Entretanto, o castelo de cartas está a um sopro da ruína, e ela é inevitável.

Maria descobre como Júlio põe comida na mesa, pondo em cheque todo o seu casamento. Após a separação, ela se vê encurralada numa vida de grande miséria, tendo que sustentar o filho vendendo pastéis. Todo o mínimo conforto que possuía, assim como a segurança e estabilidade, vai por água abaixo, o que a faz tomar a decisão mais complexa de todo o filme a meu ver: ela aceita Júlio de volta.

O filme, até o momento, andava sem grandes dificuldades, contudo, a partir da cena em que Maria decide reatar com o marido, os níveis de complexidade psicológicas vão às alturas. A mulher não abraça apenas o homem, o esposo, o provedor, mas também todos os seus crimes. E, sabendo disso, ela se torna cúmplice do que Júlio faz. O roteiro deixa no campo da especulação as motivações de Maria: seria em nome da qualidade de vida do filho? Seria por vantagem própria?

A persona da esposa é costurada de maneira que a faça ser uma "mocinha" - ela é vítima da situação ao não saber o que o marido faz quando sai de casa. Ao saber, e ainda assim continuar ali, há uma carga negativa depositada sobre ela. No entanto, podemos realmente condená-la? Maria chegou próxima do fundo do poço do sistema, então é um crime ela abrir mão de certos valores pessoais para possuir uma vida melhor dentro do nosso severo mundo capitalista?


A montagem não perde tempo e dá um longo corte temporal até o momento em que a feliz família vive no luxo. O apartamento ultra-decorado e as comprinhas de fim de tarde são todas bancadas com dinheiro à base de sangue. Maria se torna uma dondoca, adquirindo até mesmo uma postura física diferente, a corrupção pessoal máxima de sua personagem, que sucumbe em prol do dinheiro. E melhor ainda: a esposa se torna evangélica fervorosa, cantando bênçãos em plenos pulmões no culto.

A religião em si não é o alvo da crítica - poderia ser qualquer uma -, e sim os placebos que escolhemos para contrabalancearmos nossas escolhas. A devoção à fé "paga" o que Maria aceitou em sua vida, e quanto mais forte ela louvar, mais paga está a dívida mortal. Júlio está ali do lado, desconcertado com a situação, sabendo que nada do que fizer vai poder diminuir sua culpa.

"O Nome da Morte" dribla expectativas, indo além das barreiras da cinebiografia e do estudo psicológico de um matador de aluguel ao saber onde se encontram suas forças cinematográficas, sejam elas de narrativa ou condução. Um retrato surpreendente de uma faceta brasileira, dando tarefa de casa para a plateia ao chamá-la para discutir sobre os complexos dilemas, sem os binarismos da luta do bem contra o mal. Somos criaturas dúbias e complicadas demais para sermos resumidas assim, encapsuladas pela moral final do filme: as mentiras e hipocrisias que contamos a nós mesmos para justificarmos nossos atos e deitarmos nossas cabeças tranquilamente no travesseiro.

Agradecimentos à Imagem Filmes e à Ana Carolina Laurindo 💗

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