Há alguns dias eu vi uma
enquete perguntando quem era o Oscar na fila do SUS, ou seja, “qual a
relevância do Oscar para você?”. A alternativa que estava esmagadoramente na
frente era “Pouca, apenas entretenimento”. Okay, sem problemas, mas a opção que
eu marquei foi “É meu manual do que assistir”. Assim como filmes terríveis
concorrem às categorias principais do prêmio todos os anos (nessa 85ª edição há
um exemplo – ganhará resenha nos próximos dias), outros desconhecidos e
belíssimos ficam debaixo dos poderosos holofotes do Oscar, e isso é de extrema
importância. É o caso de Indomável
Sonhadora (Beasts of the Southern Wild, 2012) de Benh Zeitlin.
A sonhadora do título é Hushpuppy
(Quvenzhané Wallis), uma menininha com cabelos indomáveis (tai o título do
filme, N) que vive no delta de um rio na Louisiana com seu pai Wink (Dwight
Henry). Numa comunidade extremamente afastada, Hushpuppy conhece bem a pobreza.
De bens materiais, não de espírito (pausa para explicar que não se trata de um
filme de “superação” como vários que existem por aí). Num dia, uma tempestade
causa a inundação do vilarejo e repentinamente o pai fica doente. Hushpuppy fica
revoltada e sem querer quebra a harmonia do seu universo, acordando criaturas
pré-históricas chamadas “aurochs”, uma espécie de javali gigante. Enquanto
tenta colar as peças do seu mundo em caos, ela vai à procura de sua mãe
desaparecida.
Viagem, hein? Mas não é
tão fantasioso assim. A sinopse pode assustar, porém o filme é bastante singelo.
É só ver a forma independente que foi conduzida, e magistralmente conduzida pelo
estreante Zeiltlin, até os atores desconhecidos, só que o brilho todo fica
claramente em cima de Quvenzhané Wallis (jamais saberei pronunciar esse novo,
vou esperar o Zé Wilker falar no dia da premiação, risos). A menina, que tem
apenas nove, eu repito, NOVE anos é a mais jovem atriz a concorrer ao Oscar de
Melhor Atriz, e disputa ao lado de nomes fortíssimos como Emmanuelle Riva,
Naomi Watts e a preferida (mas não merecedora) Jessica Chastain. Sua
interpretação que oscila entre taciturna e cheia de vida é fenomenal. Ela não
ganhará ao Oscar, concorre por ser mais uma “criança com atuação de cair o
queixo”, todavia deixo aqui registrado que ela merece o prêmio mais que
Chastain e até Jennifer Lawrence, que não sei o que faz entre as concorrentes.
Quanto ao título brasileiro, muitos acharam piegas, só que, convenhamos, é bem
melhor que “Bestas Selvagens do Sul”, né?
Indomável
Sonhadora é um filme
visualmente impecável, desde a fotografia até a direção de arte. A atmosfera
surrealista, etérea, sobrenatural criada no mundo de Hushpuppy é sublime. Os
aurochs, as tais criaturas acordadas depois da quebra da harmonia mundial, e
que correm o filme inteiro devastando tudo que encontram pela frente, nada mais
são que a personificação da coragem da menina, que estavam congelados em algum
lugar nela e, ao dar de cara com o caos, precisaram ser brutalmente acordados,
e seja lá de onde eles se escondiam, vir correndo, sem se importar com os
obstáculos que tentam pará-los, já que a sobrevivência dela, do pai e da
comunidade é mais importante que meros medos. É uma visão metafórica parecida
com a do mais que premiado A Árvore da
Vida (The Tree of Life, 2011) de Terrence Malick, só que bem melhor, já que
não é tão chato como o do Malick, nem tão pedante quanto o do Malick, e não é
um Malick. O filme concorre em quatro categorias no Oscar: Melhor Filme, Melhor
Diretor, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz - Quvenzhané Wallis.
Podendo não cair no gosto
do grande público pela abordagem nada tradicional, Indomável Sonhadora é um filme que merece ser visto, apreciado,
comentado e revisado. Transmite sensações que só o cinema é capaz de fazer,
pura magia. Ganhador do Caméra d’Or no Festival de Cannes, que premia o melhor "debutante" do ano (primeiro filme de um diretor), Indomável Sonhadora é pura riqueza.
Últimas reviews:
- A Hora Mais Escura, de Kathryn Bigelow.
- As Aventuras de Pi, de Ang Lee.
- Amor, de Michael Haneke.
- Argo, de Ben Affleck.
- Django Livre, de Quentin Tarantino
- Próxima Oscar Review: Lincoln, de Steven Spielberg, segunda, 18/02.
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