Antes de tudo, avisamos que o
texto a seguir possui pequenos spoilers que referem-se ao primeiro livro da
saga "The Hunger Games". Caso você não tenha lido ou assistido à
algum volume, tome cuidado com a leitura.
Desde o primeiro contato que tive
com as obras de Suzanne Collins, tive a
sensação de estar lendo algo que estava prestes a tornar-se um grande sucesso.
Os livros já chamavam a atenção do público, porém foi graças à adaptação aos
cinemas que a história de Katniss Everdeen tomou conta da imaginação de milhões
de pessoas.
No primeiro livro, "Jogos Vorazes", somos fisgados pelo enredo
com facilidade. Uma premissa interessante que consegue facilmente alcançar o público
de forma abrangente: depois da destruição da civilização moderna, nas ruínas
onde outrora fora situada a América do Norte, conhecemos Panem, uma nação
dividida em 13 distritos governados pela ditadura da Capital. Após uma grande
rebelião, o 13º distrito, responsável pela iniciativa de caráter
revolucionário, é destruído e surgem, então, os Jogos Vorazes. A Capital,
adepta do regime absolutista e ditatorial, vive luxuosamente graças às
responsabilidades divididas entre os distritos; cada um é responsável por uma
atividade que garanta o padrão de vida dos privilegiados. E para que uma nova rebelião
seja evitada, foi criada uma competição anual, na qual 24 jovens, entre 12 e 18
anos, dois de cada distrito, mais conhecidos como tributos, são postos em uma
arena para lutar até que sobre apenas um vencedor. A competição, conhecida como
"Jogos Vorazes", é um alerta à todos sobre a soberania da Capital e o
que acontece quando a desafiam.
Logo de cara, notamos a ousadia de Collins: ela criou um universo caótico
enraizado no realismo das relações sociais e políticas da própria sociedade
moderna, evidenciando situações e contextos que pintam, de forma clara, os
problemas advindos do capitalismo exacerbado e da crise mundial
pós-globalização. Essa perspectiva fica sob holofotes quando é retratada a
pobreza de Panem e a vida de seus trabalhadores. E para construir seu cenário,
o enredo também apóia-se em questões
antropológicas, o que discutiremos nos próximos posts da saga. Não, a história
não é sobre um jogo homicida, mas Collins conseguiu utilizar-se desta parte
específica para atrair a atenção para temas ricos e mais complexos.
No primeiro volume da coleção, já percebemos que Collins nos apresenta
uma heroína diferente e que foge do estereótipo que o leitor está acostumado.
Ela não é delicada e indefesa, é uma chefe da família que batalha diariamente pelo sustento de sua mãe e irmã. E não é motivada pelo amor de um mocinho e nem luta por um homem - na realidade,
Katniss aceita participar dos jogos para poupar a vida de sua irmã mais nova, e
não calcula seus atos friamente ou com segundas intenções para estimular uma revolução, ela, inclusive, chega a questionar seu papel de heroína.
E seria Katniss o verdadeiro ícone da revolução? Sua história com Rue é legítima e realça sua bravura contra a Capital, mas quando sugeriu a Peeta comer as amoras, ela realmente tinha conhecimento do simbolismo de sua atitude? Esta premissa permite a compreensão de que todas as personagens estão, de certo modo, à mercê do sistema e das situações que direcionam o comportamento humano. Cato e os outros tributos são realmente vilões? Ou apenas vítimas do sistema? Afinal, todos estão ali para sobreviver, e a única garantia que isto venha a acontecer é matar todos os outros, e neste contexto, os instintos prevalecem.
E seria Katniss o verdadeiro ícone da revolução? Sua história com Rue é legítima e realça sua bravura contra a Capital, mas quando sugeriu a Peeta comer as amoras, ela realmente tinha conhecimento do simbolismo de sua atitude? Esta premissa permite a compreensão de que todas as personagens estão, de certo modo, à mercê do sistema e das situações que direcionam o comportamento humano. Cato e os outros tributos são realmente vilões? Ou apenas vítimas do sistema? Afinal, todos estão ali para sobreviver, e a única garantia que isto venha a acontecer é matar todos os outros, e neste contexto, os instintos prevalecem.
Apesar de Katniss protagonizar a história, devo declarar que meu
personagem favorito é, sem dúvidas, Peeta. Talvez porque ele seja o verdadeiro
herói que Panem merecesse, ideia que é desenvolvida ao longo dos outros livros.
Lembrei-me de imediato da trilogia "Batman" de Christopher Nolan - no
desenrolar do enredo, o homem-morcego torna-se o héroi que Gotan precisava e
não o que a cidade merecia. O mesmo ocorre em "Jogos Vorazes" - de
imediato, o povo de Panem precisa de uma faísca, e Katniss é quem começa o
incêndio revolucionário contra a Capital. Mas seria ela a pessoal ideal para
combater os instintos humanos? Peeta também funciona como parte de um triângulo
amoroso entre a protagonista e Gale, o grande amigo de Katniss, que desperta um
sentimento confuso em seu coração. Conhecemos também Cinna, o fabuloso
estilista responsável por colocar os tributos do distrito 12 em evidêrncia com uma entrada triunfal nas cerimônias de abertura dos jogos - aliás, Cinna é o porto-seguro da
personagem principal durante os preparativos para o grande massacre.
E se você assistiu ao filme e acha que tudo é igual, por favor, recomendo
a leitura, principalmente pela riqueza dos detalhes e a forma como a autora
direciona os debates construídos de uma maneira bem didática. Muitas dúvidas
pairam no ar logo após a leitura deste primeiro livro: Katniss sofrerá alguma
punição por enfrentar a Capital no desfecho da 74ª Edição dos Jogos Vorazes?
Qual foi o efeito deste ato nos 12 distritos? Qual será a reação de Peeta
quando descobrir a estratégia de Katniss para ganhar a simpatia do público e
patrocínios? Qual o significado do Tordo?
Nos vemos na resenha de "Em Chamas"! And may the odds be
ever in your favor!