A cantora Valesca Popozuda vestindo uma camiseta da banda Red Hot Chili Peppers |
A história é simples. Passei em frente a uma loja, vi uma camiseta preta
com um símbolo bacana escrito alguma coisa com uma ou duas palavras em inglês e
gostei. Cabia no meu bolso, eu comprei e, pouco depois de me certificar que
passara a ser algo meu, vesti. Eu não entendo de bandas de rock, mesmo sabendo
que todas as citadas anteriormente são grandes expoentes do gênero, mas tenho a
leve impressão de que nunca escutei nada em toda minha vida de algum grupo
chamado Jack Daniels. Também não bebo, então me sinto no direito de não
ser obrigado a vistoriar o corredor de bebidas alcoólicas do supermercado periodicamente,
pela certeza de que amanhã não estarei vestindo a camiseta de uma bebida que
nem ao menos sei o que é, mas achei o logo com as palavras "Jack
Daniels" em destaque bem legal e topei usar. Em meio a toda essa era
de comunicação e com tanta informação cada vez mais acessível, até que seria
viável, caso eu realmente me preocupasse a este ponto, que eu pesquisasse o tal
nome no Google, só pra garantir que não estava apoiando nenhuma organização sem
fins lucrativos em prol da extinção dos golfinhos ou outros desses lances bizarros que algumas pessoas gostam de apoiar, mas tenha em mente que eu
simplesmente não me preocupei. E a estampa realmente era bem legal.
Toda essa tendência de pessoas usando camisetas de coisas que não fazem
ideia do que são tem se tornado bem comum e, sabe-se lá a razão, incomodado
muita gente. Na realidade, sei a razão sim. É chato pra caramba ver o nome do
seu ídolo (ou, no caso do Jack Daniels,
que não é uma banda, sua bebida favorita) na frente do peito de um fulano que
mal faz ideia do quão sua música (ou seu efeito antes da ressaca) significa pra
você, sendo assim, o ideal seria que todos só vestissem o que tivessem certeza
de que, por alguma razão, os representam. Mas em contrapartida, toda a ideia é,
antes de ignorantemente ridícula, total e extremamente desnecessária.
O sentimento de propriedade dos fãs com seus ídolos é sim bem curioso.
Indo além das camisetas, existem pessoas que gostam tanto, mas tanto de um
artista, que se vêem no direito de definir onde ele deve ou não se apresentar,
que tipo de pessoas deve ou não escutá-lo e até mesmo como ele deve ou não se
portar em locais que deveria ou não estar, mas não adianta tentar parecer
superior com meio no que você escuta ou defende, tudo isso é bem próximo
daquela mesma paixão platônica que deixa meninas de 13 anos um pouco mais que
suadas enquanto assistem aos clipes do One Direction e os imaginam em situações
que seus pais nem devem sonhar. Entretanto, o erro aqui não está em ser fã,
isso é um ato lindo e pra lá de sincero, mas adquirir uma obsessão ao ponto de
acreditar ser o único merecedor de consumir algo, querer aquilo só pra
você e sua outra meia dúzia de muitos amigos. Mas e então, onde entram as
camisetas? Ah, claro, todos os citados, com exceção dos caras do One Direction
na imaginação fértil de suas fãs, estavam devidamente vestidos.
Estamos então falamos no fator consumo. Nós estamos
o tempo todo consumindo algo. Músicas, filmes, alimentos, peças de roupa e
até a cultura em si. E camisetas de bandas são, antes mesmo de serem camisetas
de bandas, apenas camisetas, podendo, quando expostas em vitrines de lojas e
etc., serem chamadas por produtos e neste caso oferecidas a consumidores. Para
o vendedor, dono da loja e marca responsável pelo lançamento da tal peça, não
interessa se eu sei que o Axl Rose nunca foi do AC/DC ou já teve uma banda chamada Jack Daniels, só interessa que eu pague antes de sair com sua
camiseta e feito isso, só me interessa que ela dure e, na melhor das hipóteses,
que outras pessoas também a achem bonita.
É óbvio que, tratando de mercado e consumo, também falamos, mesmo que
indiretamente, do capitalismo, das classes sociais e, por último, mas não menos
importante, dos influenciados pela moda que, depois de verem eu e outras não
sei quantas pessoas usando uma camiseta escrita "Jack Daniels", vão querer uma para parecer legais
também, mas aí alcançamos vertentes bem mais complexas que o simples sentimento
de fã ofendido ao ver sua bebida favorita tão superexposta no corpo de alguém
que enche a cara tomando Coca-Cola. Isso nos lembra daquelas pessoas que
viraram santistas depois do Neymar se tornar "o Ronaldinho" do
momento, daquelas que mudam seu artista musical favorito com base no primeiro
lugar da Billboard Hot 100 ou até mesmo os que se declaravam amantes do UFC até
o momento em que o lutador Anderson Silva teve aquele acidente bizarro no meio
de uma luta.
Miley Cyrus e sua língua vestem Iron Maiden |
Só que no geral, como vimos acima, toda a preocupação quanto a isso é
mais que desnecessária. Aos meus 14-16 anos, enquanto ainda formava meu gosto
musical e descobria que bandas de rock nunca seriam meu forte, conheci por meio
de um amigo a história de pessoas que, em lugares como a Galeria do Rock,
abordavam outras que vestiam roupas de banda pra se certificarem de que esses
eram fãs, sabiam o nome do vocalista delas ou outras curiosidades do gênero. Por mais bizarro
que isso fosse, mais tarde descobri, em filas de shows e afins, que esse
pessoal existe mesmo e, queira você ou não, é mais ou menos desta forma que
você é visto sempre que arma alguma confusão só porque pegou aquela fã de Justin Bieber vestindo algo com o logo,
nome ou trecho de música do, sei lá, Arctic
Monkeys. O que não a torna mais culta, a rendendo talvez algumas curtidas a
mais caso ela publique uma foto com a tal camiseta no Instagram, Tumblr ou
outras dessas redes-sociais em que as pessoas curtem coisas relacionadas ao Arctic Monkeys, e também, pasme, não te
torna menos fã, só porque você escolheu aquele mesmo dia pra sair para rua com
uma camiseta de banda nenhuma, simplesmente neutra neste mundo lotado de fãs de
Jack Daniels.
Edição "Katy Perry" para a camiseta da Jack Daniels, retirada da loja virtual Ops! Camisetas |
Em suma, a ignorância talvez parta dos dois lados. Do meu, por vestir
algo que não faço ideia do que seja, assim como aquela sua tia que não fala
inglês e tem uma blusa com a estampa "I
♥ LOVE", e do seu, por julgar necessário sentir-se superior a mim
por ter tomado um Jack Daniels ontem
e se lembrar de não ter ouvido nenhuma banda com o mesmo nome no mesmo dia, mas
ainda assim eu saio na vantagem, visto que tenho ao meu favor outra centena ou
milhares de pessoas que também comprariam a camiseta pelo simples fato de sua
estampa induzir a isso — sério, ela é muito legal — mesmo que, num desses
momentos em que eu achar uma camiseta legal e não pensar em compreendê-la,
possa estar contribuindo para extinção definitiva dos golfinhos. A solução para
o problema, porém, é ainda mais simples e se resume em você apenas não repetir
o meu "erro", vestindo a camiseta de algo que goste e conheça, além
de deixar de ser chato, cuidando da sua vida e não se preocupando sobre eu
deixar ou não de saber que Ramones não
é nada que vendem em garrafas.