Em 2011 ocorreu um dos mais emblemáticos casos de decepção envolvendo um videoclipe pop. Videoclipes são artimanhas de divulgação em massa de um single, a atual música de trabalho de um artista, todavia, mais que uma simples arma de venda, o videoclipe é uma obra artística, e por isso é sempre envolto de muita expectativa que nem sempre é suprida. Voltando ao caso de 2011, não deve ser muito difícil imaginar que estamos falando do clipe de "The Edge of Glory", terceiro single de Lady Gaga com o álbum "Born This Way".
A música, um dos grandes hits da novaiorquina, é talvez o clipe mais simples da sua carreira. Não acontece exatamente nada de mais durante toda a sua projeção, tendo um conceito quase nulo. Mas será que a falta de conceito não seria um conceito? E mais, para Gaga o clipe é mega conceitual por retratar seu amor pela cidade natal, como a música, seu hino da libertação, sendo o tema perfeito para aquele amor. Isso para a cantora. Para nós é só mais um clipe chato.
Vindo para 2014 temos Kylie Minogue com o clipe de "I Was Gonna Cancel", segundo single do "Kiss Me Once", seu novo álbum. O clipe sofre do mesmo mal de "The Edge of Glory" (mas de forma acentuada): não acontece nada durante sua duração. Nada. N-a-d-a. Durando quase quatro minutos vemos Kylie no meio de vários pedestres que vêm e vão de forma monótona e quase robótica. E é isso. Assistindo ao clipe só conseguimos pensar "Sim, e daí?", só que para a cantora o clipe tem sim um conceito, como ela afirma na própria descrição do vídeo:
Este vídeo é um olhar abstrato para a vida de pedestres e como todos nós estamos apenas tentando passar e superar os desafios do cotidiano. Embora a canção fale sobre um acontecimento da vida real que aconteceu no dia em que gravei a música com Pharrell [a cantora realmente iria cancelar a canção], o vídeo tem uma abordagem mais conceitual e eu adoro a forma como ele parece surreal. Eu me encontrei quase orientando o trânsito e isso me fez pensar em como todos nós estamos apenas tentando negociar o nosso caminho através dia-a-dia.
Pois é, assim como Lady Gaga e sua tediosa declaração de amor no clipe de "The Edge of Glory", o clipe de "I Was Gonna Cancel" tem um conceito que funciona só na cabeça de Kylie. Isso é ruim? Sim e não. Sim porque o clipe realmente é MUITO chato (aguentar quase quatro minutos vendo pessoas caminhando não é nada divertido), o que terminou sendo um absurdo desperdício para a canção, que é maravilhosa, e desperdício de dinheiro também, de certa forma. E não porque um artista que se sacrifica em prol dos seus conceitos e das suas verdades, sem esperar retornos po$itivo$ da ma$$a, é, como diz Lily Allen em "Sheezus", um mártir.
Essa dualidade, o não funcionamento do clipe com o conceito íntimo da cantora, é algo que vai dividir opiniões. Cada um ao assistir vai achar bom ou ruim; aqueles que acharam ruim poderão absorver o tal conceito e ver se funciona ou não, pra depois decidir se o clipe é de fato bom ou ruim, porque basear sua opinião no superficial não é bom nem para você, nem para a obra, nem para o artista, nem para o mundo.
Porém nós devemos formar uma opinião, afinal isso é uma resenha. Okay, o conceito de Kylie, apesar de fraco, é válido sim, e até se encaixa com a música ("Apenas pule da cama, vá em frente, enfrente o dia. Abandone toda a dúvida, levante e siga em frente. O que há do outro lado? Você nunca saberá se não sair") mas não justifica o marasmo do clipe. Se fosse para manter a ideia como está, era só ter colocado uma cenografia beeeeem colorida (esses tons pastéis, apesar de retrô e vintage, soaram enjoativos e sem graça, o que pioram a impressão) e, por que não?, uma coreografia com os pedestres em movimento. O clipe ganharia ritmo e um atrativo, coisas que não tem. Por fim, não é um trabalho medonho como a nota pode sugerir, é apenas um grande "nada" que não influi nem contribui, ou seja, é inofensivo. Vamos re-assistir ao maravilhoso, épico, antológico e sexy clipe de "Sexercize" que tudo fica bem.