O "ARTPOP", terceiro álbum de inéditas de Lady Gaga é, como acabamos de afirmar, um álbum, mas ele parece uma prateleira de supermercado graças aos inúmeros rótulos dados a ele. De "flop" até "fracasso que acabou com a carreira da cantora", os adjetivos ruins para esse cd são inúmeros e na grande maioria das vezes falsos. Um ano após seu lançamento, conseguimos olhar para trás e saber o que de fato houve de errado (e certo) com a era pop mais turbulenta dos últimos tempos. É agora o comeback?
Gaga não poupou auto-elogios com o "Born This Way": chamou-o de revolucionário, épico e "álbum da geração". Pois bem, para alguns isso é verdade, para outros não, o que é normalíssimo, afinal, agradar gregos e troianos é algo impossível, porém, tamanhas promessas acabaram pesando na imagem da cantora. O que ela fez com o "ARTPOP"? Prometeu nada. Falou apenas que era um álbum bem dance com a falta de responsabilidade vista no "Born This Way". Ela se desprendeu tanto desse jogo de promessas que fez só uma: chamou o "ARTPOP", ironicamente, de "álbum do milênio". Claro, só o que teve foram detratores acreditando nessa promessa estapafúrdia e jogando pedras na cantora - ou eles nem acreditaram mesmo, apenas usaram um argumento - vazio - contra ela.
Mas vamos entrar na era "ARTPOP". Ela começou oficialmente em 12 de agosto de 2013, com o lançamento de "Applause". Aí houve o primeiro baque, mas não foi culpa da cantora, e sim da mídia. No dia 10 de agosto, "Roar", lead single do novo álbum de Katy Perry, "Prism", foi lançada. "Applause" inicialmente era planejada para o dia 19, porém no dia 10 vazaram dois trechos da canção, incluindo sua bridge. Gaga e sua gravadora então anteciparam o lançamento do single antes que vazassem a faixa toda, o que fez "Applause" entrar no ringue contra "Roar".
Essa história todo mundo sabe, certo? "Roar" foi smash hit. Uma das músicas mais vendidas do ano, conseguiu o famigerado #1 na Hot 100, enquanto "Applause" conseguiu """apenas""" um #4, mesmo estando no meio de três smashes da época: "Roar", "Blurred Lines" e "Royals". "Applause" foi um dos maiores hits de Gaga, sucesso comercial absoluto, mas, para a mídia e para os haters, a """vitória""" de "Roar" desqualificou todas as conquistas do single, o que é um absurdo.
Agora aparece o segundo - e um dos maiores - baques da era: a apresentação do iTunes Festival. Lady Gaga foi a atração de abertura do evento, em 1º de setembro. Toda a mídia tava de olho no que ela faria, afinal, ela estava afastada dos palcos há tempos para uma grande apresentação - ela havia performado "Applause" no VMA dias antes - graças sua cirurgia no quadril, aquela que a fez cancelar as últimas dadas da "Born This Way Ball".
Pois bem, no festival Gaga cantou só músicas do "ARTPOP" (oito delas, para ser mais exato). Na época aquilo foi incrível, afinal estávamos sedentos por músicas novas, todavia, foi um erro gigante. Ao apresentar mais da metade do álbum ali, mais de dois meses antes do seu lançamento, a surpresa da tracklist foi evaporada - quando o álbum saiu, TODAS as músicas já haviam sido liberadas na rede, seja completa, trecho e vazada, então não restou tanta coisa para explorarmos, além de deixar aquele gostinho de "essa eu já abusei" no ar, afinal foram dois meses com aquelas faixas no repeat.
Mas tudo bem, nada disso abalou a era no momento. O álbum estreou em primeiro lugar na Billboard 200, "Applause" estava morando no top 10 da Hot 100 e tudo estava bem encaminhado. Antes do lançamento do álbum a cantora anunciou que "Venus" seria o segundo single do "ARTPOP". "Do What U Want" então foi lançada como single promocional, mas conseguiu sucesso absoluto no lançamento, atingindo #1 em diversos iTunes no mundo, incluindo no US, o que fez a gravadora mudar os planos e promovê-la para single oficial - algo que Gaga já havia feito antes: "The Edge of Glory" foi promocional antes de se tornar oficial.
A faixa era tudo o que Gaga precisava no momento: "Do What U Want" era algo que ela nunca havia feito antes, uma união de R&B com pop sensacional. A crítica estava gostando, o público comprou o single e só faltava o clipe para coroá-lo, mas... o clipe dirigido por Terry Richardson foi cancelado sem maiores explicações. Em 26 de novembro a própria Interscope confirmou o lançamento do clipe através do BitTorrent em dezembro. Houve fotos do clipe, depoimentos e várias coisas, mas ele até presente data está no limbo.
A justificativa mais plausível é o fato de R. Kelly, parceiro de Gaga no single, estar envolvido com acusações de pedofilia, enquanto que o clipe abusava de referências sexuais, o que, de fato, seria algo negativo para os dois - quem já viu o trecho vazado pelo TMZ sabe. Qual deveria ser a solução dos problemas aqui: a parceria ser com a Christina Aguilera em vez do R. Kelly - desde o começo vários críticos apontavam a voz de Gaga no single compatível com a voz de Xtina. O impacto cultural desse featuring seria gigantesco, não haveria esse problema que provavelmente cancelou o clipe e ainda teríamos duas das maiores divas pop do mundo juntas num clipe. Pra que melhor?
Chegamos então no problema chave da era: com o cancelamento do clipe, que, naquelas alturas ainda não sabíamos que ele tinha sido realmente cancelado, abriu-se um buraco enorme na divulgação do álbum. Gaga parou de divulgar o "ARTPOP" e ele esfriou. Saiu das posições mais altas dos charts, suas vendas foram estacionando e ela sumiu. Pelo menos até seu próximo single.
"G.U.Y." então foi escolhida como terceiro single e nós não poderíamos ter ficado mais satisfeitos. Uma das melhores faixas do álbum, "G.U.Y." teve a duríssima tarefa de tentar alavancar a moral do álbum depois de quatro meses num vácuo absoluto - "Do What U Want" foi cancelada em dezembro enquanto "G.U.Y." foi lançada só no fim de março. Aqui temos o maior acerto da era. Lady Gaga estava nem um pouco preocupada com o desempenho do single, queria mais era se desculpar pela burrada que fez - prova disso é o clipe da canção, que uniu três faixas ("ARTPOP", "Venus" e "G.U.Y.") em um só. E não estamos falando de qualquer clipe. "G.U.Y." é um dos melhores vídeos do ano, onde Gaga reascendeu sua supremacia videográfica, lembrando "Vocês sabem do que sou capaz". Nem o claríssimo - e absurdo - boicote no VMA 2014 é capaz de menosprezar a grandeza de "G.U.Y.", afinal, estamos falando dum clipe onde Gaga ressuscita Jesus, Gandhi, Lennon e Michael Jackson para criar o homem perfeito (!).
Então a era acabou. "G.U.Y." foi o single com menor desempenho da cantora nos EUA - conseguiu apenas um #76 na Hot 100 -, o que nem é algo tão terrível para um single que não foi posto à venda digital: "G.U.Y." foi lançada apenas nas rádios americanas. Mesmo com um clipe sensacional, o "flop" do single fez com que todos apontassem o dedo para o fracasso da cantora. No fim das contas, para estas pessoas, "ARTPOP" foi flop, "Applause" foi flop, "Do What U Want" foi flop, "G.U.Y." foi flop e Lady Gaga é flop.
Nós não costumamos trabalhar com números pois eles não dizem muita coisa, mas agora eles serão necessários. Certo, "G.U.Y." foi flop. Okay. Mas foi só isso. "Do What U Want" é um single que não teve clipe, mas nem isso o impediu de atingir o topo de 74 países, nem de chegar até #13 na Hot 100, nem de vender mais de um milhão de cópias só nos EUA, o que não é, nem de perto, um flop. "Applause" então nem se fala. Hitaço. "ARTPOP" já vendeu mundialmente 2,5 milhões de cópias, um número enorme, mas, nas mãos dos mal intencionados, é "pouco", é "ruim", é "fracasso". A lógica deles: Gaga já vendeu mais antes (o "The Fame" passou da marca absurda de 15 milhões de cópias). Como agora ela vende menos, mesmo ainda um número expressivo (estamos falando de MILHÕES, algo que pouquíssimos artistas conseguem), ela fracassou. O parâmetro não é o que ela vende agora, é o que ela já vendeu. Cade a lógica disso?
Mesmo tendo vendido muito bem pra quem deixou de ser divulgado por meses, conseguido quebrar recordes de pré-venda, ser eleito um dos melhores álbuns do ano por vários sites e revistas - incluindo a Billboard - e gerado uma turnê de sucesso, "ARTPOP" é um álbum que deve ser esnobado no próximo Grammy pela onda terrorista que o abateu (o VMA tá aí de prova). Essa onda foi tão forte que até hoje tem gente que diz que o álbum NÃO estreou no topo da Billboard 200 e que NÃO pegou #1 no iTunes. Mas nada disso importa. Vivemos numa era onde são os números que ditam a qualidade das coisas, que as comparações fazem alguém "ser" em vez de "estar", afinal, a fulana "está" vendendo mais, então a outra "é" ruim. Enquanto vivermos nessa cultura do hit/flop, estaremos diminuindo (e aumentando) indevidamente vários artistas.
Sem os erros citados talvez até hoje estivéssemos vivendo a era "ARTPOP". Talvez "Gypsy" fosse single. E a continuação de "Telephone" finalmente estaria entre nós. Nada disso saberemos. O que sabemos é que o material bruto do álbum está lá, intacto. As músicas continuam as mesmas, rotuladas da maneira que forem. O grande desafio do nosso tempo é não se deixar levar pela embalagem, porque debaixo de todos aqueles rótulos pode estar algo que a propaganda não quer que você veja.
Tá bom, It Pop, o que vocês querem dizer com isso? Rasgue os rótulos. Pro bem ou pro mal.
Tá bom, It Pop, o que vocês querem dizer com isso? Rasgue os rótulos. Pro bem ou pro mal.