A cantora Charli XCX quase passou despercebida quando lançou seu disco de estreia, “True Romance”, em meio a enxurrada de nomes que surgem a todo momento pela internet, mas seu quase não se deu por conta de seu próprio trabalho e sim por trabalhos que fez para outros artistas, como “I Love It”, smash hit que colocou em exposição a dupla sueca Icona Pop, e “Fancy”, o primeiro grande sucesso da rapper australiana Iggy Azalea.
Daí em diante, XCX também esteve em estúdio com nomes como Britney Spears e Gwen Stefani, além de trabalhar com outras amigas do pop underground, como Sky Ferreira e Marina and The Diamonds, e com isso deixou mais que comprovado o seu talento para ótimos refrãos propriamente pop.
A questão é que, por mais pop que fossem as suas colaborações, tudo ainda soava radiofônico demais para o que a britânica nos apresentou em seu disco de estreia, que vinha com um indie-pop manchado por sintetizadores, e foi aí que Charli sentiu a necessidade de corresponder ao público que estava de olho em seu nome, mas não conseguia dançar com suas músicas antigas, lançando o CD “Sucker”.
Falando sobre sua discografia até aqui, XCX descreveu sua fase “True Romance” como um típico momento adolescente onde tudo o que queremos é parecer legal para os outros, afirmando então que a proposta, direcionada para o público hipster, estava mais associada a uma valorização da sua imagem do que algo que a deixasse confortável em estúdio. Em contrapartida, ela também falou que seu novo disco é algo mais próximo do que ela gosta de cantar e escrever, o que pode ser extremamente negativo para os fãs do seu primeiro disco, em tempo que catapulta o seu nome entre o público de nomes como Katy Perry, Avril Lavigne, entre outros, com um disco radiofonicamente redondo e, assim como seu material de estreia, cheio de atitude.
O que Charli XCX quer fazer com sua música nos lembra muito do que vimos com a Icona Pop no disco “This is...”. A sonoridade é totalmente pop, os refrãos dificilmente sairão da sua cabeça e não damos dois plays até que você já esteja cantarolando alguma das canções, enquanto seu visual e atitude passam longe de qualquer ícone do pop atual, apresentando algo mais rock and roll, punk mesmo, mas com uma rebeldia que, em meio a tantas referências pop, termina um tanto calculada, o que não é necessariamente ruim.
“Sucker” é aberto por sua faixa-título e não revela muito do que está por vir, apenas nos introduzindo com um nada convidativo “vá se foder, seu idiota!”. Aqui, já temos uma diferença e tanto se pensarmos no “True Romance” e sua intro, bem mais profunda e complexa, repleta de sintetizadores e prestes a explodir com o lirismo de “Nuclear Seasons”, mas no fim das contas, todo o material é incomparável com seu antecessor e até o fim desta resenha, te mostraremos como ver isso de uma maneira positiva.
“Break The Rules” carrega uma imaturidade absurda em sua letra, mas não deixa de soar genial. Os primeiros segundos da canção já trazem algo mais levado para o rock, com tímidas cordas que crescem ao decorrer da canção, e quando chegamos ao refrão somos então surpreendidos por um break que flerta e muito com a tradicional música eletrônica. Não querer ir pra escola para quebrar as regras é algo irrelevante para uma mulher de 22 anos, mas temos para nós que ela decidiu assumir um personagem e é assim que mastigamos todo o resto da obra, garantindo uma boa digestão.
Com o sucesso ao lado de Iggy Azalea em “Fancy” e seu próprio hit na trilha-sonora do sucesso adolescente “A Culpa É das Estrelas”, “Boom Clap”, não ficaríamos surpresos se Charli XCX ficasse vislumbrada com o que descobriu nos EUA e é sobre isso que ela fala na canção seguinte, “London Queen”, dizendo que nunca se imaginou vivendo aos moldes americanos e com um tom de ironia, em meio a uma sonoridade que pouco se distancia do rock anterior, mas pendendo para o new wave.
Numa sonoridade ainda mais suja, Charli XCX canta sobre uma separação fácil de lidar em “Breaking Up”. O cara dizia que a amava, mas tinha tantos pontos negativos que simplesmente não teve como lamentar para tirá-lo de sua vida. “Tudo estava errado com você, então terminar foi fácil de fazer. Odeio seus amigos e sua família também, então terminar foi fácil de fazer”.
Beirando algo mais pop, “Gold Coins” nos remete às músicas do disco de estreia da neozelandesa Lorde, mas ao contrário da dona de “Royals”, XCX não só ostenta o que vê ao seu redor, como também se inclui nesta turma consumista, ainda vislumbrada com a grandiosidade materialista do que a rodeia. “Moedas de ouro em todo lugar, dólares voando no ar. É um caso de amor bilionário. Moedas de ouro do lado de fora da janela, dinheiro caindo que nem chuva e eu gastando como se não me importasse”.
Essa transição do indie ao pop de Charli XCX entre seus dois primeiros discos nos lembra bastante do que acompanhamos com Marina and The Diamonds e seus dois últimos discos, “The Family Jewels” e “Electra Heart”, e uma coisa que ambas utilizaram como tática nesta tentativa de conquistar a grande massa foi a adaptação de suas letras para as rádios. Quem escutou o disco de estreia de XCX, por exemplo, jamais a imaginaria cantando coisas como “boom clap é o som do meu coração e batida se repete de novo e de novo”. Seja como for, a produção propriamente pop foi a grande responsável pela estabilidade que a britânica está prestes a conquistar no mercado americano, então ninguém deve realmente reclamar. O single também é uma das coisas mais legais que ouvimos neste ano.
Deixando de lado as guitarras para abraçar outra vez os sintetizadores, Charli XCX mescla Robyn e Katy Perry em “Doing It” e o resultado é pegajoso, radiofônico e extremamente satisfatório. A letra, até então sem muito destaque dentro do disco, também nos prende como nenhuma canção fez tão bem, enquanto ela entoa “nós passamos a noite inteira e não diminuímos o ritmo, eu acho melhor a gente continuar fazendo isso como estamos fazendo agora”.
Na fase de divulgação deste álbum, Charli XCX deu muitas declarações e das mais variadas origens, seja sobre a indústria atual, sua ascensão, próximos passos ou proposta adotada na era “Sucker” e uma delas é que o disco, que derivou a turnê “Girl Power”, traz também uma proposta feminista. Isso é realmente uma ótima coisa para lidar quando discussões sobre o assunto estão em alta e o público busca pelo posicionamento de grandes nomes, mas não encontramos elementos que reforçasse esta teoria dentro do disco, até chegarmos em “Body Of My Own” que, na prática, fala sobre a cantora não precisar de homem nenhum para se satisfazer, uma vez que tem o prazer que precisa em suas mãos.
Com uma sonoridade que volta a se conectar com o pop punk de suas faixas iniciais, mas também casa perfeitamente com a sonoridade pop das últimas duas, “Body Of My Own” é tão naturalmente descompromissada, que a pauta conservadoramente tratada como um tabu se torna apenas mais um refrão dançante. É preciso ser uma ótima compositora para atingir um nível tão especificamente inteligente e ninguém melhor que Charli para fazer isso.
Quando escutamos “Famous” pela primeira vez, tivemos aquela necessidade de pararmos qualquer outra coisa que estivéssemos fazendo para saber qual era o nome da canção e sabemos que, quando isso acontece, significa que essa é uma daquelas canções que dificilmente passarão em branco dentro da divulgação do disco. Sendo assim, também não foi nenhuma surpresa saber que um dos produtores da canção era o hitmaker Greg Kurstin que, entre tantos nomes, possui em seu histórico Katy Perry, Lily Allen, P!nk e até a melhor música do “Ultraviolence” da Lana Del Rey, “Money, Power, Glory”. A música resgata o sentimento materialista e superficial do disco, enquanto tudo o que a cantora quer é se divertir em um programa não planejado.
Outro grande nome que também marca presença no “Sucker” é o Rivers Cuomo, da banda Weezer, e as guitarras de “Hanging Around” não nos deixam mentir. Por mais que a canção mantenha em alta a proposta apresentada por XCX durante todo o material e, nesta altura do campeonato, até bastante característica, a faixa também é uma inegável composição de Cuomo, podendo facilmente se perder em algum disco da própria Weezer. “Nós somos muito mais do que nada, sim, e todos estamos tentando ser o que sentimos”. Segura esse rock.
Perto do seu fim, “Sucker” tem então a sua primeira baladinha e “Die Tonight”, por mais lenta que seja, não deixa o clima cair. A sonoridade aqui abordada é mais próxima do que ouvimos em discos como o “Four”, do One Direction, e sim, lá estamos com mais uma produção que passeia facilmente entre o pop e o rock. Ela tem algo mágico correndo em suas veias e está tão satisfeita com esse sentimento de estar viva que não se importaria em morrer nesta noite. A Lana Del Rey com certeza a entende, nós sabemos que entende.
“Caught In The Middle” tem uma das melhores letras do disco e o vocal de Charli nos encanta do seu início ao fim, enquanto o arranjo simplista cumpre a missão de nos manter presos à faixa até seu último segundo. “Porque nós tentamos ignorar isso, mas não podemos parar agora. Nossos corações foram pegos no meio, pegos no meio do amor. Você está preso em minha mente. Aperte para recomeçar e então retroceder. Nossos corações foram pegos no meio, pegos no meio do amor”.
E tem mais amor na faixa seguinte, que é a deliciosamente fofa “Need Ur Luv”. Com um refrão que consegue sair na frente das outras canções do disco no quesito “pra ficar na cabeça”, a faixa traz bem ao fundo uma tímida guitarra, mas tem como destaque a forte presença dos sintetizadores e teclado, além de uma percussão ora romântica, ora dançante, que capta por completo a necessidade desse amor por ela cantado. “Eu preciso do seu amor. Preciso dele mesmo quando isso me machuca”.
Antecedendo um remix de “Break The Rules”, a última música do “Sucker” em sua edição da loja Target é “Money (That’s What I Want)” que, mesclando guitarras e sintetizador, soa como um ponto de encontro entre as propostas da cantora em seu primeiro e segundo álbum. A voz da britânica, tão singular durante todo o disco, fica em segundo plano em meio a tantos elementos e, pensando em alguma associação positiva, nos lembra de remixes como do DJ A-Track para “Heads Will Roll” da banda Yeah Yeah Yeahs.
Por fim, nós sentimos como se “Sucker” fosse a grande estreia de Charli XCX. Ao contrário do seu primeiro material, perdido entre tantos nomes alternativos que surgiam a todo o momento pela internet, o novo álbum resgata uma veia pop cheia de rebeldia que, da última vez que tocou nas rádios, foi com algum single de Avril Lavigne que passou despercebido pelo grande público, fazendo com que tudo soe realmente novo, ainda que não seja. A novidade aqui é a cantora em si, tão cheia de atitude e disposta a quebrar padrões, ainda que para isso precise assumir o papel de uma adolescente perdida entre madrugadas acordadas e ótimos refrãos.
Outro grande fator ao lado de XCX é a identidade “pop punk” assumida desde “Break The Rules”, o que deposita uma dose de autenticidade em seu trabalho e, mais uma vez, a distancia do que temos visto e ouvido nos últimos anos. Ainda assim, não é em “Sucker” que Charli se firma como coisa alguma e a prova disso é o fato das melhores produções do disco serem justamente as músicas menos levadas para o rock, este é só o começo do que esperamos ser uma longa e bem-sucedida carreira.