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Oscar Review: a esperada virtude da ironia em 'Birdman', o grande favorito ao prêmio máximo da noite

Filme: “Birdman Ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)” (Birdman or The Unexpected Virtue of Ignorance)
Direção: Alejandro González Iñárritu
País: Estados Unidos
Indicações ao Oscar:
- Melhor Filme
- Melhor Direção
- Melhor Ator (Michael Keaton)
- Melhor Ator Coadjuvante (Edward Norton)
- Melhor Atriz Coadjuvante (Emma Stone)
- Melhor Roteiro Original
- Melhor Fotografia
- Melhor Edição de Som
- Melhor Mixagem de Som

No final da década de 80 e início de 90, Tim Burton deu uma reviravolta em sua carreira quando aceitou dirigir “Batman”, um dos super-heróis mais icônicos da história. Trazendo a veia sombria de sua filmografia, o filme foi um sucesso enorme, com alta bilheteria e até Oscar (de “Melhor Direção de Arte”). Michael Keaton era o Homem-Morcego, ganhando grande visibilidade no mundo e voltando a estrelar como o protagonista em “Batman – O Retorno” (Batman Returns). O convite foi feito novamente para “Batman Eternamente” (Batman Forever), mas o ator recusou, com o papel indo parar com Val Kilmer. Logo após, sua carreira deu uma esfriada, sem conseguir que seu nome voltasse a ser falado como antes.

Riggan Thomson é um ator famoso por interpretar o Homem-Pássaro nos filmes do herói, todos sucessos de bilheteria. Ao recusar o papel no último filme da franquia, sua carreira congela, fazendo com que ele, décadas depois, adapte o roteiro da história “O Que Nós Falamos Quando Falamos de Amor” numa peça em busca do prestígio de outrora.

Teve um déjà vu? Semelhanças não são meras coincidências. “Birdman Ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)” é uma comédia de humor negro que utiliza da metalinguagem da carreira de Keaton para criar o mundo da película, mundo esse contado pelas lentes do megalomaníaco Alejandro González Iñárritu, diretor famoso por “Babel” e “Biutiful”.

Uma das primeiras jogadas do filme que já nos surpreende é a forma que ele foi costurado. “Birdman” foi montado como se tivesse sido filmado inteiro de uma vez, sem cortes. Há cortes, evidentemente, mas eles são feitos discretamente e unidos de forma invisível. Em alguns momentos a transição fica clara, mas na maior parte do tempo não percebemos onde a câmera parou e começou. Essa técnica não é nova: Alfred Hitchcock utilizou o falso plano sequência em 1948 no filme “Festim Diabólico” (Rope).


“Birdman” começa com Riggan flutuando (sim) em seu camarim enquanto conversa com o Homem-Pássaro que existe em sua cabeça (sim também), criticando-o e julgando-o a todo o momento (sim de novo). Em momento algum o filme dá pistas se aquilo acontece de verdade ou se é algo da cabeça de Riggan (você pode escolher como preferir). Então vamos conhecer o resto do grupo da peça, com uma câmera incansável que flutua por todo o teatro de forma extraordinária, numa mise-en-scène esplendorosa. Mise-en-scène é uma expressão francesa que está relacionada com encenação ou o posicionamento de uma cena, criando profundidade de campo no enquadramento e enriquecendo a tomada. Mesmo sem o uso do 3D, conseguimos ter níveis de profundidade e distanciamento do quadro, como se o retângulo do filme fosse “fundo”.

Mas voltemos para o enredo do filme. Riggan gasta todas as suas economias para fazer a peça ir para frente, porém precisa de um ator de renome para conseguir mais bilheteria. É então que Lesley (uma incrível Naomi Watts) consegue Mike (Edward Norton), um brilhante – e desequilibrado – ator, que pode por tudo a perder. No elenco principal também temos Sam (Emma Stone), filha de Riggan e sua assistente.

Um dos principais trunfos do filme é a forma como o elenco se conecta. Estão todos em perfeita sintonia, desde o tresloucado Mike até a doce e confusa Sam, e cada um está lá para dar suporte ao brilho do outro, garantindo uma harmonia sem igual para o filme. O ritmo é acelerado e intenso, e tudo conduzido dentro do teatro, moldando um clima claustrofóbico e agonizante que reflete a loucura do momento daqueles personagens, à beira de um colapso nervoso que só se acentua com a chegada de Mike.


Recheado com muita ironia (as cenas com o baterista quebrando a diegese são sensacionais), o roteiro de “Birdman” é uma grande sátira da fama e do sucesso. Riggan está tão desesperado e alucinado por um reconhecimento passado que comete loucuras e se transforma numa Norma Desmond da era do Twitter – Norma é a protagonista da obra-prima absoluta “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard), uma atriz da era muda que fica psicótica quando é abandonada na chegada dos filmes falados. Enquanto Norma tem sua própria loucura como julgadora, Riggan tem o Homem-Pássaro, que em alguns momentos larga o convencionalismo de ficar só como uma voz na cabeça de Riggan para aparecer de carne, osso e fantasia, perseguindo o ator aonde for. 

Iñárritu sempre gostou de dirigir filmes enormes e faraônicos, cheios de camadas, personagens e locações, o que nos deixava preocupado se ele conseguiria fazer tudo isso num cenário tão restrito, e, para nossa surpresa, “Birdman” talvez seja sua melhor direção. Todo seu exagero caiu como uma luva aqui, condensando ainda mais a condução de tudo, o que garantiu a segunda indicação do diretor ao Oscar de “Melhor Direção” (a primeira foi por “Babel”), além de “Melhor Roteiro Original” e “Melhor Filme”, todos com grandes chances de vitória.

O resultado deu tão certo que até o momento o filme já ganhou mais de 100 prêmios mundo afora, incluindo “Melhor Elenco” no SAG Awards e “Melhor Ator – Comédia” para Keaton e “Melhor Roteiro” no último Globo de Ouro. Também foi eleito um dos melhores filmes do ano por inúmeras listas e é o líder de indicações ao Oscar empatado com “O Grande Hotel Budapeste”, ambos com nove.

Talvez a maior ironia de “Birdman” seja o paralelo quase que perfeito entre a vida de Michael Keaton, o criador, e Riggan Thomson, a criatura. Ambos foram heróis no passado, ambos perderam fama e sucesso, ambos buscam por holofotes ao fim do filme, e é divertidíssimo assistir a essa corrida alucinante dos dois. Riggan, assim como Norma e assim como Keaton, está à espera do seu close-up.

Última Oscar Review: "Selma: Uma Luta Pela Igualdade" (Selma), sexta, 20 de fevereiro. Para ler todas as resenhas publicadas é só clicar na tag "ESPECIAL OSCAR" abaixo.
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