2009 foi um grande ano para a música pop. Alguns meses depois de estreias como Katy Perry e Lady Gaga, foi o ano que Kelly Clarkson lançou o “All I Ever Wanted” e que o Black Eyed Peas nos enfiou goela abaixo a sonoridade eletrônica de seu “The E.N.D.”. Também foi nesse ano que Gaga lançou o EP “The Fame Monster” e Rihanna nos apresentou o que viria a ser o disco mais marcante de sua carreira, “Rated R”, e ainda rolaram grandes chegadas, como o disco “For Your Entertainment” do Adam Lambert e “I Dreamed A Dream” da Susan Boyle, mas o Reino Unido só tinha olhos e ouvidos para uma artista em especial: Lily Allen.
Três anos desde sua estreia com o álbum “Alright, Still”, Allen foi uma artista que, naquela época, era dada como superestimada, herança que perpetua em sua carreira até hoje, e todo esse endeusamento, tanto do público quanto da crítica, deixou o seu ego lá em cima, fazendo com que a própria, prestes a lançar seu segundo CD, já falasse numa “reinvenção” de seu estilo, amadurecimento lírico e tudo mais. “Calma aí, moça, você está só começando!”, podiam pensar os mais ingênuos, mas mal sabiam o que os esperavam.
Neste tempo, também era comum que comparassem muitas artistas com a cantora britânica e uma delas foi, inclusive, a californiana Katy Perry, que muito deve ter bebido da ironia de Lily Allen para compor seu “One Of The Boys”, mas essa discussão é bem 2008, de forma que vamos focar no que realmente importa e, num período que todas queriam ser Lily Allen — ou pelo menos assim eram acusadas —, a própria parecia bem despreocupada com essa questão, se reinventando e brincando de ser várias personagens.
“It’s Not Me, It’s You” pode não ser o ápice criativo de Allen, liricamente falando, mas realmente amadurece em sua proposta, com a cantora disposta a botar em discussão assuntos bem sérios, em tempo que faz isso de uma maneira divertida, totalmente despretensiosa e, por que não?, dançante. Lily Allen foi a crítica social mais pop da década passada.
“Everyone’s At It” abre o disco com uma baderna eletrônica que denuncia muito do que está por vir. Para uma artista descoberta no MySpace, pouco deveria surpreender ouvir tantas batidas e sintetizadores numa sequência tão curta de segundos, mas era uma novidade para a carreira de Allen, que no disco anterior explorou muito do ska. Na letra, ela já chega falando sobre drogas e a maneira que as pessoas encontram desculpas para não admitir que usam, quando, na realidade, “todos estão nessa”. Na sequência, “The Fear”, lançada como primeiro single do CD, soa mais limpa. O arranjo, que hoje é bem característico à cantora, dá vida a uma personagem fútil, que só quer saber de bens materiais. “Eu quero ser rica e ter muito dinheiro. Não me interesso em ser inteligente e muito menos divertida. Quero ter muitas roupas e diamantes pra caralho. Eu ouvi dizer que pessoas morreram enquanto tentavam encontrá-los”.
A versatilidade de seu trabalho é comprovada quando ela consegue soar confortável o suficiente no country barato de “Not Fair”, mas a grande atração aqui não é o arranjo diferenciado e sim sua letra, aonde ela vai de versos amáveis sobre o que parece ser o amor de sua vida à insatisfação do que o cara pode (ou melhor, não pode) fazer na cama. “Oh, ele me trata com respeito e diz que me ama o tempo todo. Ele me liga umas quinze vezes por dia e gosta de garantir que eu estou bem. Sabe, eu nunca encontrei um cara que fizesse eu me sentir tão segura, ele não é como os outros caras, burros e imaturos. Só tem um problema, quando vamos pra cama, ele não é tão bom. É uma puta vergonha! Eu olho nos seus olhos e quero que saiba e então você faz aquele barulho e, aparentemente, acabou”. O refrão ainda é composto por um “isso não é justo e eu acho que você é realmente muito maldoso. Oh, você supostamente se importa, mas nunca me faz gritar”.
Mas enquanto a Allen de “Not Fair” não está satisfeita com que tem na cama, a persona encarnada em “22” é um pouco menos exigente. Mantendo o mesmo tom amigável de “The Fear”, a letra escancara o fato de ela estar insatisfeita com o que conquistou até aqui, em meio aos olhares que não veem nela qualquer chance de ter um futuro próspero. Nós estamos certos de que Taylor Swift tem um plano mais otimista para os vinte e dois anos. E ainda nos relacionamentos, “I Could Say” é uma dura conversa com aquele ex-relacionamento que, bem, foi uma boa coisa quando teve um fim. A baladinha mantém os synths em alta aos fundos, fazendo dessa doce decepção algo tão dançante quanto “Dancing On My Own”, da cantora sueca Robyn. “Eu deveria dizer que estarei para sempre aqui por você, mas seria uma mentira e uma coisa bem sem sentido para se fazer. Eu deveria dizer que para sempre terei esses sentimentos por você, mas ainda tenho toda uma vida pela frente e estou apenas nos 22”.
Robyn é nossa primeira lembrança na música seguinte também. Com um eletropop mais afiado e que destoa não só da sonoridade de Lily, mas também do próprio disco, “Back To The Start” é uma das poucas vezes em que a cantora baixa a guarda, assumindo ser a errada da história e pedindo perdão. A música, entretanto, não é pra um cara e sim para a sua irmã. “As pessoas pareciam te amar e o mundo girava a sua volta, foi por isso que comecei a te odiar e passei a apenas te ignorar (...) e se não for tarde demais, você pode pensar do fundo do seu coração em tentar começar do zero?”. O momento de arrependimento, por sua vez, não dura mais do que essa faixa e lá temos a doce amargura da cantora outra vez com “Never Gonna Happen”.
“Acredite em mim quando digo que não quero te ver nunca mais e, por favor, pare de me ligar, porque isso realmente está ficando chato”, entoa a cantora, antecedendo versos em que assume se aproveitar da situação quando está precisando da companhia de alguém. A música começa com um banjo engraçadinho, seguido de palmas, e termina com uma mensagem mais que sincera, “mas isso não é nenhum pedido de desculpas, eu não te amo. Eu não te amo”. A gente entendeu, Lily, e esperamos que ele também.
Outra mensagem muito clara neste disco é o hino anti-homofobia direcionado ao ex-presidente dos EUA, George W. Bush. Na música, a cantora levanta a bandeira a favor dos gays de uma maneira tão explícita, que dificilmente veremos outra fazer igual, enquanto deixa claro sua insatisfação com os pensamentos e declarações de Bush, “Vá se foder, mas vá se foder muito, muito mesmo. Porque nós odiamos o que você faz e todo o seu pessoal, então, por favor, não fique por perto”. Tudo isso sob um arranjo que empresta um pouco da música-tema de “Vila Sésamo”, o que dá um tom ainda mais sarcástico aos seus versos, que são tudo, menos inocentes.
Nesta altura do disco, já tivemos de tudo um pouco, mas é interessante pensar que estamos à algumas faixas de seu fim e, meu Deus, toda a narrativa foi tão divertida e despretensiosa que sequer sentimos o tempo passar e ainda temos algumas coisas a explorar. “Who’d Have Known” é uma romântica história que, até sua última estrofe, nos faz ansiar pelo momento em que o jogo vira e tudo passa a ficar entediante para Allen, só que isso não acontece. Na balada, a cantora fala sobre um relacionamento em seus momentos iniciais e parece realmente satisfeita com aquele que a fez se sentir ao lado de alguém, dentro da primeira música em que, mesmo após assumir o sentimento, ela continua otimista quanto ao lugar que poderá chegar. “Você contou aos seus amigos e todos eles sabem que existimos, mas estamos levando devagar. Vamos ver até aonde isso vai!”.
“Chinese” é uma grata surpresa que bem poderia encerrar o disco, Despedidas nunca são interessantes, principalmente quando sabemos que sentiremos falta do que estamos deixando pra trás e, por mais que ela saiba que talvez tenha a pessoa de volta, sofre com a ideia de ficar longe de casa e do que gosta. Quando sabe que vai voltar, conta as mil e uma coisas que fará e até faz disso algo positivamente previsível, em meio a um arranjo que cresce aos poucos, alcançando seu ápice num grandioso refrão.
Pra quem já cantou sobre drogas, sexo, amor e comida chinesa, qualquer outro assunto passa a se tornar fichinha e em “Him” Lily Allen discute sobre Deus, indo desde sua existência aos atos que ele aprovaria ou não. É um bom ponto para se discutir, só perdendo pelo fato da música pouco nos atrair, sonoramente falando. E então o disco chega ao fim com “He Wasn’t Here”, um irônico perdão ao seu pai, que não estava lá quando ela mais precisava, mas aqui é chamado como seu “herói disfarçado”.
Quando questionada sobre a mudança em sua sonoridade, aqui mais eletrônica e até mesmo dançante, Lily Allen explicou que sua intenção era tornar os shows mais agitados e interessantes, tanto pra ela quanto para o público. Infelizmente, sequer tivemos a oportunidade de ver como o disco funcionou em palco, mas se baseando na experiência dele em estúdio, é de se esperar que sua missão tenha sido cumprida, principalmente se nos atentarmos às muitas performances televisionadas dela nesta fase. “It’s Not Me, It’s You” pode ser o grito de amadurecimento de Lily Allen, ainda que ela fale até hoje com um público bem jovem, e a mostra bem mais disposta a discutir assuntos sérios por perspectivas nem tão sérias assim, o que é justamente a razão de suas narrativas serem tão bem vindas, de forma que, no fim das contas, tudo o que conseguimos pensar é que é você sim, Lily. E só temos a agradecer.