“O que aconteceu em New Orleans?”, disse Messy Mya, um rapper negro e gay, num vídeo em que ele questionava a violência policial, ainda em 2010, e que volta a ser assunto ao som de “Formation”, da Beyoncé. No viral, Messy, aos seus 22 anos, afirmava: “Em breve, eu serei o próximo.” E foi. No dia seguinte. O caso, até hoje, sequer foi solucionado, havendo grandes suspeitas de que ele foi apenas mais uma vítima do racismo das autoridades americanas.
Já faz quase uma semana que acompanhamos o retorno da nossa Queen B. No último sábado, 6, Beyoncé lançou a ótima “Formation” e ainda nos presenteou com um vídeo poderosíssimo, seguido de uma performance no palco do Super Bowl – como convidada do Coldplay – e não perdeu a oportunidade de dar o seu recado.
Já faz quase uma semana que acompanhamos o retorno da nossa Queen B. No último sábado, 6, Beyoncé lançou a ótima “Formation” e ainda nos presenteou com um vídeo poderosíssimo, seguido de uma performance no palco do Super Bowl – como convidada do Coldplay – e não perdeu a oportunidade de dar o seu recado.
Numa verdadeira manifestação de empoderamento negro e tocando na ferida, com diversas referências de uma história que os EUA adoraria esquecer, Beyoncé dividiu opiniões. Há quem pense que a cantora foi oportunista, se aproveitando de temas que estão em exposição para se promover, enquanto, na realidade, tudo o que tivemos foi Beyoncé fazendo uma melhor utilização do seu espaço. Diante de tudo isso rolando, levamos um tempo para ler, refletir e conversar bastante, até que pudéssemos chegar numa conclusão com esse texto.
OKAY LADIES, NOW LET’S GET IN-FORMATION!
Antes de saber a nossa opinião, é
importante que você entenda o que a Beyoncé aprontou nos últimos dias. Na letra
de “Formation”, a cantora se declara orgulhosa do cabelo afro de sua filha, diz
gostar de seu nariz negro – como dos Jackson 5 – e nos faz lembrar sua origem
(Alabama e Louisiana – Estados norte-americanos marcados pelo passado
escravocrata).
No clipe, Beyoncé ainda traz importantes referências à história dos negros nos EUA. A brutalidade
contra jovens negros aparece na cena de um menino dançando diante de um cordão
de policiais; o descaso do governo de Nova Orleans com os negros após o furacão
Katrina é referenciado nas cenas da cantora em cima de um carro de polícia na
água e ainda podemos ver a inversão de papéis quando Beyoncé aparece com roupas
da elite branca do antigo sul escravocrata dos EUA.
Como se isso não fosse o
suficiente para cutucar a elite branca norte-americana, durante sua
apresentação no Super Bowl, Beyoncé trouxe suas dançarinas com o figurino das
Panteras Negras – organização criada para proteger os negros contra o racismo e
que completa 50 anos em 2016 – e, durante a coreografia, formaram um “X” no
palco, referenciando Malcom X, um dos líderes mais importantes no combate à
desigualdade social e que lutou muito pelo direito dos negros nos EUA.
#BOYCOTTBEYONCÉ
Vocês lembram que comentamos no
começo desse mês que a Beyoncé tinha o desejo de levar sua carreira para novos
patamares? Pronto. Ela conseguiu! Se, até então, Beyoncé abalava os fãs de
música pop quebrando a internet com lançamentos surpresas, com disco visual e
com videoclipes icônicos, dessa vez, a cantora mexeu com muita gente que nem é
fã de sua música.
Acusada de atacar e desrespeitar
policiais e praticar segregação/racismo inverso (que, à título de informação, non ecziste) com o clipe e com a
apresentação de “Formation”, políticos e grupos mais conservadores dos EUA
estão promovendo um boicote à cantora, pedindo o cancelamento de shows e a não
execução da música e videoclipe nas rádios e emissoras do país.
Quando imaginaríamos que Beyoncé incomodaria o suficiente ao ponto de sofrer um boicote? Até pouco tempo atrás, a cantora era constantemente
criticada por não se posicionar ou defender a causa negra. E, fora isso, a cantora praticamente não se envolvia em polêmicas.
No episódio da briga entre seu
marido, Jay Z, e sua irmã, Solange, Beyoncé agiu friamente, fez pose de diva e
nunca disse nada a respeito (a não ser que “of
course sometimes shit go down when it’s a billion dollars on na elevator”).
Quando Kanye tirou o microfone das mãos de Taylor Swift e disse que Beyoncé é
quem merecia o prêmio, Queen B apenas sorriu e depois chamou Taylor de volta ao
palco para terminar o seu discurso. Sua música sempre esteve a frente do seu nome como pessoa pública.
I’M GROWN WOMAN. I CAN DO WHATEVER I WANT!
Mas acontece que em um
determinado ponto da vida, a gente sente a necessidade de se posicionar, sabe?
De lutar pela sua verdade. Sabe a história do gay que não aguenta mais se
esconder e, “do nada”, se assume pra todo mundo? É mais ou menos por aí.
Desde que iniciou sua carreira
solo lá em 2003, Beyoncé não escondeu a sua determinação em se tornar uma
artista respeitada e de muito prestígio. Emplacou hit atrás de hit. Lançou
videoclipes que vão ficar pra história, fez apresentações épicas e ainda
revolucionou ao lançar um disco assim, de surpresa, sem aviso prévio e com
videoclipes para todas as faixas.
Mesmo assim, Beyoncé ainda pecava
– mesmo que de forma discreta – num único ponto. Suas apresentações pareciam
iguais. Carão, ventilador no cabelo, pose de diva, muita coreografia e voz
poderosa faziam parte do pacote, mas a gente sempre se questionava: quando
Beyoncé irá inovar?
E aqui está a sua inovação e evolução. Beyoncé se posicionou, fez uma performance mais crítica do que qualquer um já tenha imaginado com ela e reforçou seu empoderamento feminino, mas, desta vez, claramente às mulheres negras, muitas vezes recortadas do movimento em geral.
MY PERSUASION CAN BUILD A NATION
Beyoncé é aquele tipo de artista
que quebra barreiras. Fala com negros, fala com o gueto, fala com gays, fala
com brancos, fala com as mais diversas classes, tem alcance global e, por isso,
não será calada ou engolida pelo conservadorismo.
Nós entendemos que a luta para uma mulher negra que não tem a fama, o dinheiro e o poder da Beyoncé é mais difícil, mas não podemos tirar o mérito da artista que, mesmo bem sucedida — e podendo ostentar o seu Givenchy — também não está contente com a realidade que os negros enfrentam nos EUA.
A Beyoncé precisou trilhar sua
carreira de forma sólida até que pudesse falar sobre tudo isso. Se mesmo com a
sua grandeza e com o seu prestígio, ela está recebendo críticas severas e
ações de boicote, imaginem só se uma artista negra resolvesse fazer tudo isso
no começo da carreira?
Azealia Banks debate sobre os
mesmos assuntos, mas a diferença está, basicamente, no alcance das artistas.
Beyoncé, no ápice de sua carreira, teve o palco do Super Bowl (com mais de 111 milhões de expectadores) e sua alta
popularidade para discutir o assunto. Azealia, por sua vez, tem apenas a sua
conta no Twitter para dar voz aos seus protestos e insatisfações, gerando
boicotes constantes pela indústria fonográfica.
Por isso, ainda teremos muito a agradecer à Beyoncé que, aparentemente, passou muito tempo esperando pelo momento certo e, quando finalmente deu a resposta que o público tanto aguardava, alavancou como ninguém as discussões tão necessárias em torno do racismo nos EUA — e vários outros países ao redor do mundo.
Quando lançou seu disco surpresa, ela cantou em “Feelin’ Myself”, com a Nicki Minaj, que “parou o mundo” e, pelo jeito, isso vai se tornar um hábito, porque, com uma só música, ela conseguiu fazer isso de novo.
Estamos de olho no #B6 e na “The
Formation World Tour”, porque conhecendo bem a Beyoncé, essa história não deve
terminar por aqui. Ainda bem.