O processo de amadurecimento artístico e midiático pode ser árduo quando se é uma artista descoberta para o público adolescente, mas ao longo dos anos, o que não faltaram foram exemplos de como fazer isso bem, de Britney Spears à Miley Cyrus, e a agora mulher perigosa, Ariana Grande, parece ter feito a lição de casa.
Em seu terceiro álbum, Ariana abre mão do papel da romântica sonhadora (“Yours Truly”) e da moça que ainda descobria do que era capaz enquanto estava com as amigas (“My Everything”), para buscar confiança em si mesma e, enfim, encarnar uma persona adulta e sexy na medida, que usa e abusa dos artifícios que achar necessários para conquistar seus objetivos e se mostra mais livre do que nunca para experimentar o desconhecido. Mesmo que isso inclua usar uma inusitada máscara de gosto duvidoso.
Leia abaixo a nossa crítica ao disco “Dangerous Woman”:
“Moonlight”
“Ele tem sido um Elvis, com um toque de James Dean”, entoa Ariana, sob um arranjo quase angelical, que traz de volta as inspirações do seu álbum de estreia, “Yours Truly”, com todo um romantismo que também remete ao seu primeiro CD. “Moonlight” seria a faixa-título do CD, se Ariana Grande não tivesse mudado de ideia pouco antes de lançar o disco, e a sua decisão não poderia ter sido mais inteligente, visto que a música pouco combina com o álbum, ainda que trabalhe bem como uma intro.
“Dangerous Woman”
Os riffs de guitarra são as melhores partes de “Dangerous Woman”, que tira a cantora da sua zona de conforto e causa um positivo choque, após a canção anterior. Nesta faixa, Ariana fala sobre alguém que a faz se sentir confortável em fazer coisas perigosas, que ela não acha que deveria, e é nessa proposta de romance proibido que segue durante toda a letra, ao som de um arranjo que cresce conforme a música, chegando ao seu orgasmo sonoro antes do fim, com, é claro, um solo de guitarra. É sensual, ousada e divertida na medida certa. “Algo em você faz eu me sentir como uma mulher perigosa. Algo em você faz eu querer fazer coisas que não deveria.”
“Be Alright”
Numa ágil mudança de sonoridade, “Dangerous Woman” vai da sua classuda faixa-título ao EDM de “Be Alright”, que marca mais uma importante evolução nos trabalhos de Grande, que, em seu disco anterior, flertou com a música eletrônica na desastrosamente genérica “Break Free”. Um ponto interessante é que a narrativa da música não quebra o ritmo do disco, ainda que ofereça uma proposta mais dançante, além da produção conseguir repetir o que conhecemos por artistas como Disclosure e MNEK, sem que soe como “mais do mesmo”. “Os tempos difíceis são valiosos, porque eles nos guiam para dias melhores. Nós ficaremos bem.”
“Into You”
QUE HINO DA PORRA.
A construção de “Into You” é uma das coisas mais interessantes que ouvimos na música pop desse ano. Conversando bem com o eletrônico da faixa anterior, a faixa transita entre o EDM e synthpop, crescendo em um refrão gloriosamente interessante, que nos prende tão bem quanto Katy Perry conseguiu com a sua “Teenage Dream”. É daquelas músicas que dificilmente veremos Ariana Grande superar, ainda que não seja o seu maior sucesso. “Então, baby, venha me animar e talvez eu te deixe entrar. É um pouco perigoso, mas, querido, é isso o que eu quero. Menos conversa e um pouco mais de toques no meu corpo, porque eu estou tão na sua.”
“Side to Side”
Em sua terceira parceria com Nicki Minaj, Ariana Grande repete a simplicidade que as duas aplicaram em “Get On Your Knees”, trocando o trap genérico da parceria anterior por um reggae-pop que se encaixa perfeitamente nas rádios atuais, soando divertido e poupando até mesmo os exageros de Minaj, que empresta mais do seu nome do que rimas em si. É uma boa saída como single seguro, caso ela sinta a necessidade de emplacar algum hit urgente, e nos surpreende por ser uma produção do Max Martin, que se saiu muito bem para alguém que não é familiarizado com fórmulas do gênero. “Essa noite eu estou fazendo pactos com o demônio e eu sei que isso vai me causar problemas.”
“Let Me Love You”
Depois de tanto tiroteio, a colaboração com o Lil Wayne dá uma segurada no disco, sendo menos interessante do que o nome do rapper sugeria. A música mantém o amadurecimento sonoro de Ariana, mas não abre muito espaço pra que a cantora cresça na produção e talvez soasse maior nas mãos de alguém como Ciara, por exemplo. Em sua letra, a cantora pede pra que o seu ombro de consolo a deixe amá-lo, agora que ela acabou de terminar um namoro e se sente bem conversando com essa pessoa, mas os destaques ficam para as tiradas nos versos de Wayne, que brinca dos sobrenomes deles aos termos “single” e “feature”, de maneira cuidadosamente bem feita. “Ela está atrás do amor.”
“GREEDY”
Em mais uma virada de disco, “Greedy” é a volta por cima depois que superamos a bad pós-término. Ela reencontrou o cara que a faz se sentir perigosa e, com uma sonoridade funky, pop, dançante e bastante influenciada pela Motown, faz dessa uma divertida canção que, nas entrelinhas, grita por uma noite de amor. É bacana perceber a maneira como o disco sustenta todas essas mudanças de clima e, o principal, a forma como a sua persona segue consistente, ainda que seja tão diferente da Ariana que conhecíamos há alguns singles. “Insaciável. Eu estou insaciável, insaciável, insaciável.”
“Leave Me Lonely”
A proposta retrô de “Greedy” mantém a casa pronta para “Leave Me Lonely”, que é introduzida pelos vocais roucos de Macy Gray e a dura acusação: “Amor perigoso. Você não é bom para mim, querido”. Com um coral ao fundo, a música retoma o clima de “Dangerous Woman”, sendo que, desta vez, a cantora troca os versos do amor que a faz enlouquecer por um relacionamento à margem do desgaste. Ainda que seu arranjo seja simples, a música cresce pelos vocais de Grande e Gray, que fazem um excelente trabalho em parceria, entregando uma música obscura e suficientemente honesta, nos lembrando bastante de “Back to Black”, da Amy Winehouse.
“Everyday”
O trap de “Everyday” nos faz esquecer do climão na faixa anterior e, ainda que torçamos um pouco o nariz para parcerias com o Future, Ariana soube encontrar uma maneira perfeita de encaixá-lo na proposta do álbum, fazendo dessa uma das parcerias mais bem sucedidas de todo o “Woman”, sendo também uma das nossas favoritas no CD. A música parece combinar os sintetizadores de suas investidas mais eletrônicas com o urban de seu trabalho anterior, enquanto encarrega Future de entregar o ápice do seu refrão. Missão cumprida. “A qualquer hora, em qualquer lugar, cara, eu posso me comportar mal.”
“Sometimes”
Depois de tanto chove e não molha, com relacionamentos que iam de algo totalmente sexual aos problemas que ela queria deixar para trás, “Sometimes” é uma faixa romântica-sem-soar-piegas, na qual tudo o que ela quer é aproveitar esse momento com o cara, colecionando suas lembranças como se fossem tatuagens, que a marcarão por toda a vida. A música mantém a sonoridade urban da anterior, aqui pendendo para algo mais acústico, como as cordas dos seus primeiros segundos denunciam. “Eu seque penso em partir às vezes, eu sequer penso em te deixar. Nem às vezes.”
“I Don’t Care”
E o clima minimalista se estende até essa aqui, que ganha ares mais levados para o R&B e revive as fórmulas classudas de “Dangerous Woman” e “Leave Me Lonely”. Com uma sinceridade bastante leve, a cantora se debruça sobre essa fórmula, já familiar para ela nesta altura do campeonato, enquanto parece se despir dos arrependimentos. “Agora eu rio de coisas que costumavam serem importantes para mim.”
“Bad Decisions”
A temática de “Dangerous Woman” vai de encontro ao som de “Into You” na certeira “Bad Decisions”. Na sua letra, fica claro que o grande perigo nessa história toda não é Ariana, mas, sim, o cara que a convence a tomar todas essas decisões erradas – embora ela esteja se divertindo bastante com toda essa ideia do amor aventureiro. Um ponto importante é o fato da música ter sido produzida na Suécia, o que diz muito sobre ela ser uma das que mais chamaram a nossa atenção desde a primeira audição. “Eu tenho feito coisas estúpidas, mais selvagem do que eu sempre fui.”
“Touch It”
Se fôssemos a Ariana Grande e estivéssemos em um estúdio pegando fogo, nós provavelmente nos preocuparíamos em salvar apenas “Into You”, “Bad Decisions” e “Touch It”.
“Knew Better/Forever Boy”
Dividida em duas partes, “Knew Better/Forever Boy” reflete dois relacionamentos que seguiram diferentes direções, sendo que, em um deles, ela se despede do cara que jamais encontrará outra como ela e, na outra, se declara ao rapaz que a fez acreditar no “felizes para sempre” outra vez. Musicalmente falando, a faixa cresce de uma proposta trap minimalista ao tropical house que, enfim, faz uma aparição no álbum. “Nunca estive com um cara por mais de seis meses (...) Eles estragavam tudo.”
“Thinking ‘Bout You”
Em clima de despedida, a faixa que encerra o disco conversa bem com a sonoridade veranesca da anterior, ainda que se desenvolva por sintetizadores que abrem uma fórmula ora apoteótica, ora minimalista, deixando que o resto seja guiado por seus próprios vocais. É um meio termo entre o seu pop e R&B e isso funciona melhor do que imaginaríamos. Por um momento, chegamos a pensar se tratar de uma produção do Ryan Tedder, se assemelhando aos trabalhos dele com a Beyoncé, em “XO”. “Eu não tenho você aqui comigo, mas pelo menos eu carrego a memória.”
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De certo, “Dangerous Woman” não é um disco sobre os perigos que Ariana Grande apresenta com a sua persona femme fatale, mas, sim, os riscos em se entregar ao amor, seja por uma nova aventura ou pela necessidade de deixar algo para trás. Musicalmente falando, ele marca importantes avanços na carreira da cantora, que soube utilizar muito bem a variedade de gêneros que já trabalhou, bem como as parcerias como uma forma de reforçá-los.
Esse álbum significa para ela algo tão importante quanto foi o “Purpose”, na discografia de Justin Bieber, e “1989”, para a Taylor Swift, sendo uma produção que esperamos escutar daqui alguns anos com o mesmo sentimento que hoje revisitamos outros como “Teenage Dream”, da Katy Perry. Com o perdão do trocadilho, “Dangerous Woman” é a mais irrefutável prova de que Ariana ainda será grande.