O funk no Brasil surgiu como uma voz das periferias de uma forma um tanto parecida com o samba, cem anos atrás. Teve um período relativamente de alta entre 2005 e 2006, vi um cenário estável, porém promissor, a partir o meio dos anos 2000. Mas o ritmo sempre foi muito segmentado, sendo produzido principalmente no Rio de Janeiro. O Furacão 2000 que diga, já que foi responsável por quase 100% dos funks que estouraram década passada.
Até que os paulistas decidiram que também sabiam fazer um som que representasse a periferia. E fizeram. Daí surgiu o funk ostentação, que começou a bombar no Brasil todo no começo da década atual. Mesmo apesar do esforço de nomes como KondZilla, fundamentais até hoje para a vertente, o funk (tanto carioca quanto o paulista/ostentação) continuaram um tanto underground, e esse cenário só começou a mudar com o estouro de dois nomes.
Anitta no Rio e MC Guimê em São Paulo foram os dois grandes nomes que abriram os caminhos para o funk adentrar as lojas, os streamings, as rádios e, consequentemente, as paradas. Guimê, especialmente, fazia shows desde os 17 anos, mas só começou a ganhar espaço no mainstream aos 20, com o hit "Plaquê de Cem". E pra quem achava que seria só mais um funk a fazer sucesso, vieram outras sensações ainda maiores.
"País do Futebol", de 2013, foi um grande hit que fez até parte de trilha sonora de novela da Globo. Vieram as parcerias: em "Suíte 14", ele arriscou misturar o funk com o sertanejo com a dupla Henrique & Diego e foi conhecido por novos públicos, além de ser um dos sucessos absolutos do ano passado; em "Lindona", ele se juntou com DJ Dennis; e mais recentemente, surpreendeu ao flertar com um estilo musical que também tem ganhado espaço no cenário nacional, a eletrônica, no single "Viva La Vida", com o Tropkillaz. Mas Guimê vai mais longe, e diz que não tem seus colaboradores apenas como parceiros: "Além de grandes músicos, tenho eles como amigos".
Quatro anos após estourar, Guimê assinou com a Warner no começo de 2016 e finalmente está prestes a lançar seu primeiro disco de estúdio, "Sou Filho da Lua", que como ele mesmo adianta, leva um pouco da sua realidade, como "um desabafo" (nada mais Guimê, né?). Remetendo à própria época em que ele escrevia as canções, bem como ao seu começo.
Sendo um dos representantes desse funk cada vez mais pop, o funkeiro topou bater um papo com a gente e, se você acha que já teve uma noção da nossa conversa por conta desse texto, pense duas vezes e continue lendo.
It: Você e a Anitta são alguns dos maiores nomes do funk, desde que ele reconquistou o mainstream. Como você enxerga isso? O que acha que contribuiu pra que abrissem esse espaço para o gênero?
Guimê: Acho que era o momento do funk chegar com força. Graças a deus, eu cheguei com o meu trabalho e a Anitta com o dela. Acredito que a gente conseguiu representar esse movimento, esse gênero, e chegar longe. Eu cheguei a ir pra fora do país, meu trabalho chegou em trilha sonora de novela. Foram passos fundamentais pra que o gênero chegasse ao mainstream e a galera se ligasse no nosso trabalho. Tudo o que eu sempre fui fazendo, sempre quis chegar longe, mirar em algo alto... É a recompensa. O que a gente planta, a gente colhe. Eu plantei muito disso, muita coisa grande.
It: Algo bacana no seu trabalho são as parcerias além do funk. Teve “Suíte 14”, com Henrique e Diego, “País do Futebol”, com Emicida, e agora “Vila La Vida”, com Tropkillaz. Como surgiram essas colaborações?
Guimê: Pra mim, é muito maneiro trabalhar com essa galera. Além de serem grandes músicos, tenho eles como amigos. Todos eu conheço, encontro, vamos em ‘rolês’. Os caras são muito maneiros. O Emicida é um cara que, lá atrás, desde o meu começo, me apoiou. Acreditou em mim e me dava conselhos. As parcerias com ele foram coisas naturais. Quando eu ouvia uma música, pensava ‘mano, tenho que chamar o Emicida nessa’. Com ele, foi assim também. Ele fez o disco dele e me chamou. Estou junto e misturado com esse mano, sou ‘fanzão’ dele. Com Henrique e Diego, foi outro convite que eu recebi. Partiu deles, através dos empresários, e aí quando eu escutei o som, já imaginei que seria aquele sucesso e disse que queria fazer meu verso. Foi um grande dia, fico grato, os caras são parceiros. São histórias diferentes, mas com muitas semelhanças. São sonhadores, que acreditam na música, vêm de família difícil. Tropkillaz também, mesma parceria. O Laudz foi em vários shows comigo, sempre conversando sobre essa experiência musical. Sempre fui muito fã disso. Nessas parcerias, eu posso falar que dei um tiro certo. Só pessoas do bem e comprometidas com o trabalho.
It: Ter escolhido uma parceria na EDM, que também tá em ascensão, foi algo proposital?
Guimê: Como eu disse, foi um lance de amizade, e de curiosidade também. Trabalhar junto e ver como ficaria uma música do Guimê com o Tropkillaz. Convidei os caras pra fazer um som no meu disco e eles aceitaram. Tínhamos o plano de fazer mais faixas, mas como o disco estava com o tempo apertado, a gente fez essa “Viva La Vida”. Temos planos de fazer mais, fazer mais shows também. Essa parceria é muito próxima. Não só eu, mas outros artistas provaram isso. A vinda do Jack Ü ao Brasil, que eles tocaram funk, tocaram Safadão... Até o próprio Diplo, a gente se conheceu e ele falou do meu trabalho. O eletrônico gosta do funk, da música de pista. Não tem porque a gente não se juntar e quebrar as barreiras.
It: Como artista, você também tem uma responsabilidade social, a partir do que transmite por o que já viveu. Acredita que a sua música contribui de alguma forma neste sentido?
Guimê: Acho que contribuiu de forma positiva. Têm dois pontos de vista. Tem pessoa que vai falar “poxa, isso não é legal”, mas eu já acredito muito que contribuo de forma positiva, porque é isso que meu trabalho leva para o público, a alegria, a inspiração. E é uma parada que eu peguei de artistas que me inspiravam. Sempre escutei funk e queria provar na minha casa que eu seria funkeiro, músico, que teria estúdio, seria trabalhador. Eu quis representar isso. Hoje não é diferente. Quero mostrar esse lado da pessoa chegar onde ela chega com o suor dela, com a dedicação dela, e meu trabalho é assim. Me dedico muito ao que eu faço e tenho que passar essa visão, tenho que ser espelho. Passo essa imagem de ser um cara que trabalha, corre atrás, sempre quando me dedico e faço as coisas, acontece. A galera que conhece minha realidade sabe que para um fã meu, chega a ser engraçado, mas o fã acreditava em mim lá atrás. Tem montagem na internet, com uma foto minha fazendo vídeo caseiro, lá atrás, e anos depois no Faustão. O fã viu esse crescimento acontecer. A gente tem que sonhar, os sonhos são possíveis de serem realizados. Você tem que acreditar no seu sonho, correr atrás. Minha contribuição é essa: inspirar a molecada, passar essa magia. A gente já vive muito sofrimento, muita tristeza e barato ruim que passa na tevê e outros lugares. Minha música é uma forma de correr pra alegria.
It: Há pouco tempo, você também colaborou com a Lexa. É diferente dividir estúdio com alguém que você tem algo além da música em comum?
Guimê: É mais especial ainda. Se, com amigos, já é especial, já tá feliz, com a mulher, então, é muito mais amor. Fico feliz de saber que sou casado com uma mulher que vive a mesma parada que eu. Podem ser trabalhos diferentes, mas é a mesma coisa. É uma honra. Conheci ela fazendo o trabalho dela e já falava, “essa mina tá vindo com tudo”. A gente se conheceu e, através do trabalho, se encantou. O profissionalismo, o jeito de ser dela, deu certo. A música tá dentro da gente, faz parte. É o [nosso] cupido.
It: Repetiriam essa parceria?
Guimê: Sim, tudo depende dos projetos. Esse trabalho que rolou foi natural, e gosto de fazer as coisas ao natural, música boa. O dia de amanhã quem sabe é Deus. (Risos)
It: E quanto aos outros nomes, tanto brasileiros quanto gringos, tem algum que gostaria de trabalhar?
Guimê: Muitos. Sou um cara que vive escutando música. Entro no carro, escuto música. Estou em casa, escuto música. Inclusive a Lexa brinca, diz “Eu gosto de música, mas você...”. Tenho vários sonhos. Do hip-hop americano, para ser sincero, quase todos. No rap nacional muita galera, Mano Brown por exemplo. Também gostaria de trabalhar com Seu Jorge, Jorge Ben Jor. Diversos nomes da música. Sertanejo, forró... Tudo! (Risos)
It: Hoje em dia se discute bastante sobre o machismo na música e, como muitos outros gêneros, o funk tende a objetificar a mulher. Como você enxerga esse cenário? Acredita que pode mudá-lo de alguma forma?
Guimê: Antes de artista, tem que ser humano. E ser humano é valorizar o próximo. A mulher tem mais valor ainda, é uma jóia rara. Todo mundo gosta de mulher, seja por amizade ou qualquer outra coisa, A mulher tem que ser respeitada. Temos que dar valor e não tem que ter essas paradas de machismo. Ninguém é maior do que ninguém, cada um tem o seu espaço. O artista tem que ser humano e passar essa visão, pra que outras pessoas se inspirem nisso, e não se acharem que são mais do que ninguém. Também [serve] em relação às outras coisas, tipo cor, crença, sexualidade. Cada um tem o seu estilo, sua vida, e seu jeito de ser. Hoje em dia, tem mulher forte, mulher magra, homem forte, homem fraco. Isso [de preconceito] já era hoje em dia, foi criado na cabeça das pessoas.
It: O que mudou do Guimê de hoje, para aquele de “Plaque de 100”, de 3 anos atrás?
Guimê: Evolução, como profissional e como pessoa. Aprendi muito, amadureci muito. Sempre fui muito sonhador. As coisas começaram a acontecer comigo quando eu era novo. Com 17, 18, comecei a fazer bastante show. Com 19, já tava numa fase top na minha vida, um sucesso e tanto. Hoje, com 23, parece pouco, mas sinto que muito tempo passou. Evoluí muito, amadureci, e acho que agora venho trazendo isso para meu trabalho, minha imagem, algo profissional, planejado. Não que aquela época não fosse, mas não tinha escritório, estrutura, recurso. Hoje estamos fazendo uma parada mais bem feita, fazendo como homem grande e representando.
It: Seu disco de estreia se chama “Sou Filho da Lua”. Pode falar um pouco sobre a escolha do nome?
Guimê: Estou há um ano trabalhando nele. Não sabia qual nome eu iria dar, estava naquela dúvida. Com o passar do tempo, uns 4 meses trabalhando nele, fiz o som chamado “Sou Filho da Lua”. E achei que ele tinha que ser o nome, a cara do disco, a turnê. Por todas [as músicas] tenho uma grande história e identificação, mas a “Sou Filho da Lua” passou minha realidade, um desabafo, o que eu estava vivendo quando fiz o disco e do meu começo também. Tem um verso que é “na luta, meu truta, sou filho da lua. Na rua sentei e na vida pensei. O trono de rei, por que não? Eu sei”. É meio que querer chegar cada vez mais longe, acreditar nessa parte mágica do mundo, e, além de qualquer coisa, é sobre algo que a gente não dá valor e que está muito próximo de nós, que é a natureza. É olhar pra lua, ver a lua. Quantas vezes as pessoas se pegam vidrada olhando o celular ou pensando em tantas coisas e não olham pra lua, pro céu? Claro que, com o celular, a gente olha menos, né? (Risos) Mas eu, graças a Deus, sempre olhei muito, quando criança principalmente. Trouxe isso para minha verdade hoje em dia. Sou filho da lua. Comecei a viver a noite, troquei o dia pela noite. Mas deu certo, as coisas aconteceram, Deus me abençoou. Eu olhava pra lua e imaginava que poderia crescer, viver, ser um cara realizado, e hoje eu sou. É isso que venho trazer, esse amor pela lua.
It: E quais são seus planos após o lançamento do CD?
Guimê: Ainda estamos parados, pra ser sincero. Eu estava muito focado em ver o disco ficar pronto. Agora, está em fase de mixagem, últimos detalhes, então não vejo a hora de ver esse lance pronto. Mas tenho outros planejamentos, que é fazer músicas novas, parcerias, videoclipes. Quero levar o meu trabalho lá pra fora, o que é um sonho meu. Conheci a galera de lá, então sei o quanto é grandioso e maneiro, o trabalho lá de fora. Tenho essa vontade de levar pra fora, fazer parcerias, e também sei que eles têm uma afinidade e carinho pelo funk, pela música de rua. Quero chegar cada vez mais longe.