Formalidades comerciais de lado, do que se trata a obra? Durante uma Polônia comunista dos anos 80, Dourada (Michalina Olszańska) e Prateada (Marta Mazurek) são duas irmãs sereias que encontram uma banda à beira do mar. Numa suntuosa sequência, onde as duas cantam para os humanos (garantindo não que vão come-los), as criaturas ganham a chance de performarem (como cantoras e strippers) num bar, sob os cuidados da vocalista, Wokalistka (Kinga Preis). Só que, no local, Prateada se apaixona por Mietek (Jakub Gierszał), guitarrista da banda, o que gerará a revolta de Dourada.
Imagem: Divulgação/Internet
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Toda a premissa soa bastante como um conto de fadas à la Disney, porém, aqui temos uma torção de expectativa: as sereias se alimentam de seres humanos. O fato de Prateada se apaixonar por Mietek vai contra as regras da sua própria espécie, o que colocará as irmãs uma contra a outra. Além disso, ambas estão de passagem pelo local, já que o objetivo é chegar até os Estados Unidos, então o amor de Prateada é motivo para elas ficarem presa à Polônia.
O arco principal da história é bastante simples, no entrando, "A Atração" diferencia-se por diversos motivos. Em primeiro lugar, o filme é um musical - o primeiro vindouro da Polônia, país com cinema político marcante. Como as sereias hipnotizam pelo canto, elas fazem imediato sucesso no clube, criando uma áurea mágica para os clientes, cada vez mais libidinosos. Numa inspirada sequência, as sereias vão até um shopping comprar roupas, deliciando-se naquele mundo tão absurdo onde podem usar seus dotes humanos: as pernas. Outra diferenciação encontra-se no fato que, mesmo possuindo bastante cores e sons, "A Atração" é um filme sombrio e melancólico.
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Quando falamos de sereias, imediatamente pensamos naquela calda de peixe belíssima, porém, as sereias aqui não a possuem: suas caldas são mais parecidas com uma enguia - em determinada parte do filme descobrimos que se trata de uma biologia reptiliana. O impacto imagético criado pela composição visual das sereias é imediato - não dá para fugir da iconicidade que elas são imageticamente. E os efeitos especiais/maquiagem para a transformação de humanas para sereias é poderosíssimo, feito com bastante esmero e deixando o espectador de queixo caído pelo realismo. A direção de Agnieszka Smoczynska, em sua estreia nos cinemas, com certeza está longe dos bolsos multimilionários de Hollywood, entretanto domina toda a cena de forma lenta e nada sóbria. Dá para sentir um leve asco pela textura das caldas das sereias, tamanha realidade.
Outro artefato visual inusitado é o fato de ambas não possuírem órgãos genitais na forma humana, apenas na forma sereiana. Descobrimos isso por meio de uma desconfortável cena, quando um dos funcionários do bar exibe as meninas (podemos chamar assim?) para o dono do estabelecimento: elas são postas numa situação de animais, tendo os corpos nus expostos sem pudores. Aqui já temos o alerta: estamos diante de uma metáfora. As garotas, provenientes dum mundo à parte dos nosso, são forasteiras exploradas pelos humanos. Suas aparências doces são vitrine para a exploração sexual, com clientes cada vez mais surgindo e lotando o bar, um contraste perfeito para suas naturezas sanguinárias. O sonho de chegar à América só dá força à ideia exploratória, com as duas sendo estrangeiras em busca de melhores oportunidades (de comer pessoas, no caso).
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Essa exploração é também feita por parte de Mietek. O garoto, apesar de gostar de Prateada, fala que jamais ficará com ela porque sempre a verá como um animal - o que abre o leque do preconceito: as sereias sempre estarão um nível abaixo dos humanos, outra sacada da metáfora geral. Mesmo revelando isso, ele não rejeita as investidas de Prateada, usando a garota até onde seu limite humano permite, o que faz a sereia dar uma de Ariel: ela decide tirar a calda para ter pernas humanas (e órgãos genitais). Tudo em nome dum fatalista amor.
No meio dessa confusão está Dourada, cada vez mais raivosa pelas ações da irmã e pela exploração dos humanos - elas nem ao menos recebem salário pelo trabalho no bar. A criatura se joga num mundo obscuro onde pode extravasar sua raiva, comendo (literalmente) um cara que conheceu no bar, o que deixa a polícia da cidade em polvorosa. O tempo das duas no local está se esgotando e Prateada não consegue abandonar a ideia de deixar Mietek para trás.
A maioria dos acontecimentos do longa é pontuada por sequências musicais. Numa pegada bem glam-rock, a obra tanto apresenta músicas originais em polonês como repaginas músicas estadunidense (a versão de "I Feel Love" da Donna Summer é ótima), algo que "Moulin Rouge: Amor em Vermelho" também fez (e bem melhor, inclusive). Como o formato musical aqui e bastante presente, não só nas performances no bar como em algumas falas cantadas, é necessário, antes de mais nada, que você goste de musicais. No entanto, seria levianidade não dizer que, caso não fosse um musical, o filme ganharia bem mais. Algumas apresentações, deixadas de lado em prol de uma narrativa mais enxuta, melhoraria o ritmo da exibição.
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A maioria dos acontecimentos do longa é pontuada por sequências musicais. Numa pegada bem glam-rock, a obra tanto apresenta músicas originais em polonês como repaginas músicas estadunidense (a versão de "I Feel Love" da Donna Summer é ótima), algo que "Moulin Rouge: Amor em Vermelho" também fez (e bem melhor, inclusive). Como o formato musical aqui e bastante presente, não só nas performances no bar como em algumas falas cantadas, é necessário, antes de mais nada, que você goste de musicais. No entanto, seria levianidade não dizer que, caso não fosse um musical, o filme ganharia bem mais. Algumas apresentações, deixadas de lado em prol de uma narrativa mais enxuta, melhoraria o ritmo da exibição.
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Além de músicas não tão inspiradas, a obra não abre mão de diversas abstrações narrativas que acabam por vezes soterrando o ótimo enredo, exibindo momentos que fazem ou pouco sentido e acrescentam de forma rasa à narrativa ou possuem sentido nenhum, o que vai diminuindo o apreço pelo todo. É preciso comprar a loucura narrativa sob luzes neon que fariam Nicolas Winding Ref, diretor de "Demônio de Neon", bater palmas.
"A Atração" definitivamente não é uma obra universal: a embalagem pode ser pop e comercial, mas você precisa gostar de filmes que fogem do óbvio em suas conduções - não espere soluções fáceis, discussões com morais definidas e leve desfecho. Apesar de haver baixas que poderiam ser deixadas de lado, aqui temos uma fita incrível e curiosa que não tem medo de se jogar de cabeça na mitologia de suas criaturas (elas conversam através de sonares igual baleias, a sacada diegética mais criativa do longa). Há uma cena em particular que poderá gelar a espinha do espectador - a das macas de gelo, a melhor do filme -, prova concreta do impacto visual que é "A Atração". Vale a pena comprar a passagem para embarcar nesse conto de fadas macabro, o melhor musical sobre sereias assassinas já feito.