No topo das paradas com “Shape Of You” e há algumas semanas dono de um dos maiores álbuns do ano, “Divide”, Ed Sheeran tem absolutamente tudo para se tornar o próprio problema para sua carreira, na medida em que, por meio de entrevistas, tem revelado uma personalidade diferente daquela vendida em seus trabalhos anteriores e, por suas letras, exposto o quão machista, sexista e misógino ele é, apesar da sonoridade aparentemente inofensiva.
Na divulgação do seu novo álbum, o britânico não esconde que a autoconfiança tem sido sua arma, mas a mesma se converte numa grande auto sabotagem quando o cantor decide falar sobre o quanto acredita ser o maior artista masculino da sua geração – e que Taylor Swift é a feminina –, como planejou lançar seu disco numa época em que não houvesse nomes grandes o suficiente para disputar consigo e até mesmo sobre a maneira que a fama abriu portas para transar facilmente com mulheres famosas.
O mundo de Taylor é cheio de celebridades.”, disse Ed Sheeran numa entrevista para a última edição da Rolling Stone. “Eu era esse cara britânico estranho de 22 anos saindo em turnê com a maior artista da America, que tinha todas essas parcerias famosas. Era muito fácil... Eu frequentemente me pegava em situações que acordava, olhava ao redor e pensava, ‘como isso aconteceu?’
Na contramão da persona fofa, tímida e inofensiva que estiveram nas entrevistas de seus discos anteriores, Sheeran deixa transparecer uma postura problemática que, por meio de suas letras, já estavam bem embaixo do nosso nariz há alguns anos, mas que mal percebíamos, raramente associando o comportamento de homens machistas, misóginos, sexistas e, na melhor das definições, escrotos, com uma figura tão amigável.
Pode parecer difícil tirar tantas conclusões de uma figura que é pública e, ao mesmo tempo, distante de nossa realidade, mas as letras do britânico nos ajudam melhor a falar sobre tudo isso e, acredite, elas têm muito a dizer.
Em um dos maiores sucessos do disco “x”, a faixa supostamente composta para Ellie Goulding, “Don’t”, Ed Sheeran fala sobre uma mulher com quem teve um relacionamento mal definido, mas se sentia no direito de cobrar fidelidade, e que obviamente termina mal, fomentando o clichê do cara que agora sofre por causa de uma vadia do coração frio. “Eu entendi que ela só estava em busca de alguém pra passar o tempo, mas eu me dediquei por duas ou três noites, e parei com isso até que o momento fosse certo (...) Queria ter escrito detalhadamente como as coisas aconteceram. Quando ela estava o beijando, como eu me senti confuso. Mas agora ela deverá descobrir, enquanto eu estou aqui cantando ‘não foda com o meu amor’.”
Na história de “Don’t”, Sheeran descobre que ela se envolveu com um de seus amigos e, ainda que os dois não estivessem namorando, ressalta o quanto esperava que ela fosse “diferente”:
Você não precisava levá-lo pra cama, só isso. E eu nunca o vi como uma ameaça, até você desaparecer para transar com ele, é claro. Não é como se estivéssemos em turnê, nós estávamos no mesmo andar da porra de hotel. E eu não estava procurando por uma promessa ou compromisso, mas pra mim nunca foi diversão e esperava que você fosse diferente. Não é dessa forma que descobre o que você quer. É um pouco demais, e muito tarde, pra ser honesto. E por todo esse tempo, Deus sabe que eu estive cantando ‘não foda com o meu amor (...) eu avisei, ela sabia’.
Inegavelmente talentoso e, ao longo dos últimos anos, compositor de hits para artistas como One Direction e Justin Bieber, Ed Sheeran pouco acrescenta ao monotemático pop masculino, que historicamente é palco para homens lamentarem sobre o quanto foram maltratados, subestimados e iludidos pelas sempre maldosas mulheres – Timberlake e sua “Cry Me A River” não nos deixam mentir. E, por toda sua discografia, a mesma narrativa se repetiu de novo e de novo.
Me diz que você vai dizer não para o homem que pediu sua mão, porque está esperando por mim”, ele canta em “One”, do mesmo disco de “Don’t”. “E eu sei que você estará distante por um tempo, mas eu não planejo partir. Você tiraria de mim minhas esperanças e sonhos? Só fique comigo.
E vai ainda mais longe em “The Man”: “Agora eu não quero te odiar. Só queria que você nunca tivesse partido por esse cara e esperado pelo menos duas semanas antes de deixar ele te levar. Eu me mantive verdadeiro e meio que sabia que você gostava desse cara da escola particular”.
Eu sabia que ele estava de olho em você”, continua. “Ele não é o cara certo pra você. Não me odeie por escrever a verdade. Não, eu nunca mentiria pra você. Mas nunca foi legal te perder (...) O fato é que você está brava porque eu relembro as coisas tão casualmente. Você é praticamente da minha família. Se tivéssemos casado pelo menos, eu acho que você seria. Mas, tragicamente, nosso amor perdeu a vontade de viver. Eu mataria para dar uma outra chance para isso? Acho que não.
Um dos maiores hits de Justin Bieber com o disco “Purpose”, “Love Yourself”, também foi composto por Sheeran. A música, originalmente chamada “Fuck Yourself”, diminui a mulher com quem ele teve um relacionamento, mas hoje afirma não se preocupar mais, apesar de escrever toda uma canção sobre ela: “Você acha que partiu meu coração, ó garota, pelo amor de Deus! Você acha que eu estou chorando sozinho e, bem, eu não estou (...) Se você gosta tanto de como se parece, querida, você deveria ir se foder”.
Se não fosse pela fama, Ed Sheeran pouco se diferencia dos vários caras babacas que você provavelmente conheceu em algum momento de sua vida. Ele acredita ser o melhor para qualquer mulher e, quando termina um relacionamento, sempre falará sobre os erros que ela cometeu enquanto estavam juntos e o quanto não sabe como aguentou tudo isso por tanto tempo. Obviamente, ele também falará sobre o quanto é melhor que seu relacionamento atual e, por mais feliz que ela pareça estar, provavelmente sente falta do que tiveram e, se não sente, é porque está muito diferente. E ele, literalmente, também canta sobre isso em “New Man”, do seu novo disco:
(...) Eu ouvi dizer que ele te faz feliz, então está tudo bem por mim. Mas ainda assim, só estou sendo sincero, continuo vendo seu Instagram e te stalkeando às vezes. Vou tentar não curtir nenhuma foto antiga, porque eu sei que é aí que mora o problema. Me deixe te lembrar do tempo em que você costumava segurar minha mão (...) você age tão diferente quando está com ele. Sei que está se sentindo sozinha, então por favor, se lembre, você continua livre para fazer sua escolha e partir. Não me ligue, quero que você me mostre.
Se ainda assim, tudo isso parecer um grande exagero, a gente relembra de uma entrevista dada pelo cantor em 2013, no qual Sheeran criticou Miley Cyrus pela proposta escolhida para o videoclipe de “Wrecking Ball” – ele achava que sua nudez dispersava o significado da música – e também falou sobre o twerk, uma dança que se originou da cultura negra: “É uma dança de stripper. Se eu tivesse uma filha de nove anos, eu não gostaria que ela dançasse isso”.
Usando o nome de uma das suas músicas: don’t.
Ed Sheeran não é uma exceção dentro da indústria atual. Shawn Mendes é um babaca, John Mayer é um babaca, Justin Timberlake é um babaca, Justin Bieber é um babaca, e por aí vai. Mas enquanto o britânico vai atrás do título de maior artista da atualidade – e os números contribuem pra que ele assuma esse posto – o momento se torna mais do que propício para, enfim, reconhecermos e questionarmos seu privilégio masculino (ninguém o critica como fazem com Taylor Swift, mesmo quando suas narrativas são claramente problemáticas) e branco (imagine se as declarações sobre sexo fácil com mulheres famosas tivessem vindo de um artista negro, como Kanye West), lembrando-o de que existe a famosa hora de parar.