A indústria pop sempre nos educou a ver nossos ídolos – e também artistas que não gostamos – em posições distantes demais da nossa realidade para os considerarmos como semelhantes a nós e, neste pensamento, uma tarefa quase inimaginável, principalmente quando se trata de alguém que não somos tão chegados, é o exercício da empatia.
Fiquei sabendo que iria ao show de Justin Bieber em São Paulo, no último domingo (02), apenas algumas horas antes do canadense subir ao palco, e nesta correria, me vi pensando sobre o quão exaustiva deve ser a jornada do cantor, com sua turnê ao redor do mundo e a maratona de shows, encontro com fãs, fuga dos fãs, tentativa de turistar por onde passa e, claro, a dita obrigação de parecer bem e simpático todo o fucking tempo.
Já fui mais fã do canadense. Peguei cansaço dele após o namoro com a Selena Gomez, pois foi quando ele começou a falar algumas asneiras na tentativa de se mostrar superior ao término e, vagamente, lembrar do que um outro Justin fez quando terminou com uma outra cantora. Mas isso não me impede de curtir suas músicas – afinal, “Purpose” é um ótimo disco pop e foi responsável por consolidar o tropical house, tendência que manteve as rádios e paradas por quase dois anos – e muito menos reconhecer seu esforço no que deve ser uma das mais complicadas profissões do mundo.
Quando falamos em artistas e suas vidas sempre tão agitadas, costumamos lembrar mais sobre as partes boas do que as ruins, entretanto, quando nos deparamos com um colapso como de Britney em 2007, ou de Amy Winehouse, ou Lindsay Lohan, ou Amanda Bynes, agimos como se não tivéssemos assistido esse declínio bem debaixo do nosso nariz, como se não tivéssemos contribuídos com a audiência que motiva certos tipos de veículos a incentivarem essa queda de celebridades, levando-os ao desgaste extremo, até que estejam atacando paparazzis com guarda-chuvas ou, no caso de Justin Bieber, cuspindo nos mesmos fotógrafos e os ameaçando por aí.
Pensar nesses casos de forma isolada pode nos dar uma perspectiva errada. Bieber mesmo, é tido como um moleque mimado que não reconhece o carinho dos fãs e só sabe agir de forma desrespeitosa com todo mundo. Mas, particularmente falando, não sei até aonde teria aguentado se crescesse no mesmo circo que o garoto, sendo o centro das atenções o tempo inteiro e, literalmente, sem o mínimo de sensatez dos outros quando se quer o mínimo, tipo caminhar numa rua ou comer algo em algum restaurante.
Fui longe demais? Talvez. Mas não significa que não faça sentido. E só estou usando Justin Bieber como exemplo porque esses foram pensamentos que começaram a pipocar na minha cabeça no meio do seu show em São Paulo, enquanto fãs enlouquecidas choravam e gritavam independente do que ele estivesse fazendo no palco.
A música pop é filha de Michael Jackson e, quando se trata da parte visual, gosto de buscar interpretações além do que nos é óbvio. E foi na performance de “I’ll Show You”, ainda no começo do show, que me veio a primeira reflexão sobre o quanto toda essa indústria pode foder aos poucos com o psicológico dos artistas, goste você deles ou não.
Me deixe ilustrar: para a apresentação dessa música, um cubo surge no palco e Justin Bieber apresenta a música dentro dele. As grades que formam a estrutura o cercam e fazem o cubo parecer uma jaula, enquanto ele é o que está preso e em exposição. Do lado de fora, o show é belíssimo. Projeções tomam conta das quatro paredes, iluminando-o e tornando tudo ainda maior do que já é, enquanto a letra da canção me ajuda a embasar essa interpretação mais profunda.
“Minha vida é um filme e todos estão assistindo, então vamos ver as partes boas e pular o que não fizer sentido”, ele canta. “Essa vida não é fácil, eu não sou feito de aço. Não esqueça que eu sou humano, não esqueça que eu sou real. Você age como se me conhecesse, mas nunca irá. Mas tem algo que eu sei com certeza e vou te mostrar.”
Justin Bieber numa jaula durante a performance de “I’ll Show You” (Foto: JustinBPhotos.org) |
Os dançarinos fazem o espetáculo do lado de fora, enquanto o cantor segue apresentando a faixa enjaulado. Nos oferecendo mais significados do que talvez ele mesmo pudesse pensar. E a música continua: “às vezes é difícil fazer a coisa certa quando a pressão nos atinge como um relâmpago. É como se eles quisessem que eu fosse perfeito, quando nem mesmo sabem que estou me machucando.”
E eu achando que só ia dançar bastante e curtir “Sorry”, que é a minha favorita desse disco.
O outro momento em que minhas reflexões foram longe demais aconteceu no set acústico do show. Agora o cantor está sentado num sofá, apenas com seu violão, e tanto pela montagem do palco quanto por seu visual atual, é impossível não se lembrar dos seus primeiros vídeos para o Youtube, quando, antes de toda essa fama, apenas cantava músicas de outras pessoas e almejava a fama para ter condições de levar a sua mãe para a Disney.
A parte acústica contou com três músicas: a parceria com Major Lazer em “Cold Water”, o hit escrito pelo Ed Sheeran, “Love Yourself”, e o cover de Tracy Chapman (para a música atualmente popularizada pelo remix de Jonas Blue), “Fast Car”, e conforme o público cantava cada uma das músicas cada vez mais alto, mais o cantor parecia menor diante de tamanha imensidão de seus fãs. E aí eu pensei no quanto deve ser foda, por mais acostumado que você esteja com tudo isso, se manter inteiro e bem o suficiente para alcançar as expectativas das tantas milhares de pessoas pra caralho que estavam ali no Allianz Parque, dispostas a ajudá-lo caso algo desse errado.
Embora aparentasse cansaço e certo desânimo, o próprio parecia se cobrar mais do que os próprios fãs, interrompendo “Fast Car” após começar com uma nota errada: “Quero dar o meu melhor pra vocês essa noite.” E quando recomeçou, o que vi foram fãs ainda mais dispostos a ajudá-lo, seja cantando, gritando ou acompanhando com palmas.
O show termina com “Sorry”, que eu provavelmente já disse ser a minha favorita, mas o ápice de toda a performance fica para a antiga “Baby”. Todos sabem cantá-la do início ao fim e, ainda que eu suspeite que as fãs presentes já saibam sua setlist de cor e salteado, demonstram surpresa com os versos iniciais. O Allianz Parque tremeu, literalmente, ao som que catapultou o canadense para aquilo que assistíamos ali.
Nas poucas vezes que interagiu com o público, Bieber parecia muito grato pelo apoio que ainda tinha dos fãs. É como se o discurso do disco “Purpose”, a ideia de estar em busca de um propósito e acreditar que a vida vale a pena quando se dá outras chances, realmente fosse além das suas canções e dos seus hits. E uma vez aceita essa redenção, ele só queria fazer a sua parte e colocar todos para dançar. No final do show, é inevitável a sensação de que poderia ter sido melhor, mas também é difícil negar que ele tentou entregar o seu melhor e, talvez, após algumas noites de sono e um merecido descanso, consiga fazer isso numa outra oportunidade.