A mensagem de texto não chegou, mas o recado de Taylor Swift foi outro: no dia de lançamento do novo disco de Katy, a cantora resolveu disponibilizar toda a sua discografia no Spotify e outras plataformas de streaming, com a justificativa de que, exatamente naquele dia 9 de junho, comemorava uma marca de vendas do seu último álbum, até então disponível apenas na Apple Music, “1989”.
Com a internet dividida sobre quem estava certa ou errada nesta história, bem como quem havia “pisado mais”, a pergunta deveria ser exatamente outra: por que, mesmo numa época em que tanto discutimos sobre o feminismo e empoderamento feminino, a música pop ainda incentiva tanto a competição entre mulheres?
Da disputa entre Britney Spears e Christina Aguilera em meados dos anos 2000 às insuportáveis discussões entre os fãs de Madonna e Lady Gaga no final da mesma década, foram muitas as vezes que os fãs de música pop não se conformaram em terem mais de uma mulher em exposição por fazer um bom trabalho e, apesar de muito consumirem discursos cada vez mais desconstruídos como forma de entretenimento, pouco eles os absorvem como uma maneira de reverem as suas próprias problemáticas, com o exemplo desse reflexo do machismo e misoginia, que ainda transcende a sua admiração pelo trabalho de todas essas artistas.
A incoerência do machismo tão presente entre fãs de mulheres tão talentosas, fortes e seguras de si não é difícil de ser encontrada pela internet afora, seja nos grupos daquela rede social ou por alguns fóruns, nos quais as pessoas são capazes de discutirem seriamente sobre a importância de respeitarmos a saúde mental de uma artista numa publicação e, tópicos depois, não se importam em transbordar todo o seu ódio sobre outro nome, não se limitando às críticas, raramente construtivas, mas se permitindo também as comparações, de forma que fomentem exatamente essas competições.
O fato do machismo ainda ser tão familiar à música pop não é um problema limitado ao seu público. Isso porque, quando falamos nessas grandes cantoras, também estamos falando sobre grandes empresas, marcas, plataformas e gravadoras que, inevitavelmente, tirarão alguma vantagem de tudo isso. E, pra elas, resta não só a exigência de ser uma grande artista feminina, mas também ser uma artista melhor e maior do que outra mulher.
Uma forma de exemplificar isso fica com o novo capítulo da treta entre Katy Perry e Taylor Swift. Quando correram os rumores de que havia uma música nova de Katy sobre a cantora, todos foram para a plataforma de streaming de sua preferência conferir a história com seus próprios ouvidos e, independente do lado que você esteve durante toda a confusão, no dia em que Swift colocou a sua discografia no Spotify, o mesmo se repetiu. A sua audiência esteve com alguma delas. Mas agora vem a surpresa: quem garantiu o tempo, clique e atenção de todos, seja lá por conta de qual cantora? E, mais, alguém se deu ao trabalho de checar que ambas fazem partes de selos subsidiários da mesma gravadora? Porque nós checamos.
Mais do que uma coincidência, assim como Katy e Taylor, Christina Aguilera e Britney Spears também dividiam a mesma gravadora na época em que eram colocadas uma contra a outra nas paradas, assim como Madonna e Lady Gaga, Lady Gaga e Katy Perry, entre outras artistas. O que exemplifica da pior forma possível a maneira como essas grandes corporações se apropriam dos discursos dos movimentos sociais no momento em que encontram uma possibilidade de lucrar com eles, vide o investimento cada vez maior em trabalhos que levantem a bandeira do empoderamento, seja ele feminino, LGBTQ ou negro, ao mesmo tempo que nos tira toda essa força e representatividade com a outra mão, assim mesmo: debaixo do nosso nariz.
Isso não acontece só na música. Tem emissora de tevê com programa sobre sexo desconstruidão da porra naturalizando relacionamentos abusivos, machismo e estereótipos problemáticos por meio de suas novelas, assim como marcas que promovem o empoderamento feminino nos comerciais de um dos seus produtos e objetificam a mulher nas propagandas de outro.
Mas, falando desse meio, encontramos no público o importante papel de desestruturar essa visão tão enraizada, os fazendo ver que, sim, nós podemos admirar mais que uma mulher por seu ótimo trabalho, assim como nos deixam fazer com os homens, bem como, se não gostarmos de alguma delas, podemos expressar isso sem que a comparemos com outras artistas e, melhor, que podemos fazer isso criticando-as de forma construtiva sobre o seu trabalho, não por sua vida pessoal, aspectos físicos ou roupa que vestiu no tapete vermelho xis.
No final das contas, sabemos que, sim, talvez Taylor e Katy Perry tenham alguns pontos para resolverem, mas isso não deveria ter nenhuma foda a ver com seus respectivos trabalhos, muito menos com a maneira como o consumimos, porque desta forma apenas fomentamos o desgaste delas enquanto pessoas e artistas (Lady Gaga e o seu “ARTPOP” não nos deixam mentir), que nos levará a mais uma longa era em que mal temos mulheres sendo reconhecidas por seus trabalhos nas rádios, paradas e premiações, enquanto insistimos em comprar o discurso de que estamos avançando sobre alguma coisa.
Se for pra pisar em algo, que seja no seu machismo, não nelas.