A semana passada começou com uma discussão sem pé, nem cabeça, na qual grupos conservadores lideravam protestos e manifestações (em sua maioria, pela internet) contra o banco Santander, por conta da mostra “Queermuseu”, que levava ao seu espaço cultural, em Porto Alegre, peças que discutiam sobre gênero, orientação sexual, sexo, entre outras coisas.
Por meio de imagens e peças expostas de maneira descontextualizadas, a internet reverberou que a mostra fazia apologia à zoofilia e pedofilia e, numa clara demonstração de covardia e ignorância de quem só pareceu apoiar uma causa pelo status de “empresa cool”, o banco não tardou em ceder às manifestações negativas, tirando a exposição do ar e, inclusive, se desculpando, sem sequer consultar os artistas antes ali expostos.
Como nem tudo é perda, foi nesta mesma semana que Pabllo Vittar, a cantora e drag queen brasileira, se tornou a headliner que o Rock in Rio não esperava ter, roubando a cena de um dos maiores festivais musicais do mundo, numa edição em que competia a atenção do público com artistas como a banda Maroon 5 que, de última hora, foi escalada para cobrir Lady Gaga, que não pôde cantar no evento por motivos de saúde.
Com apenas um disco lançado, a produção de Rodrigo Gorky em “Vai Passar Mal”, Vittar se apresentou duas vezes no festival: puxou uma multidão para o estande do banco Itaú na sexta-feira, ainda que esse não fosse um dos palcos principais do evento, e, no dia seguinte, fez a participação que marcou a apresentação de Fergie, com direito a verso no hit “Glamorous”, da americana, e dedicatória a Anitta, que também havia sido convidada pela dona de “Fergalicious”, mas não compareceu em resposta ao criador do Rock in Rio, Roberto Medina, que disse não ter muita afinidade com a sua música.
Desde seu primeiro hit, a parceria com Rico Dalasam em “Todo Dia”, foram muitas as vezes que Pabllo Vittar lidou com o preconceito, tanto de fora quanto dentro da comunidade LGBTQ, por pessoas que se diziam não representadas pelo artista gay que cantava sobre “ser vadia todo dia”. Mas, hit após hit, sendo eles o single “K.O.”, a parceria com Anitta e Major Lazer em “Sua Cara” e seu trabalho mais recente, a colaboração com Mateus Carrilho (Banda Uó) em “Corpo Sensual”, a cantora provou ter potencial para levar cada vez mais longe suas bandeiras e as tão discutidas representatividade e visibilidade, sem que ao menos precise cantar sobre isso.
A resistência de Pabllo Vittar está no ser LGBTQ e no existir e insistir para que possa ocupar cada vez mais espaços. Mesmo antes da fama, a cantora já lidava com a homofobia por ser uma “criança viada” – expressão que gerou muitas das discussões sobre a exposição do Queermuseu – e, depois do sucesso, lidou com inúmeras críticas ainda impregnadas de preconceitos, até que chegasse ao topo das paradas no Brasil, à parceria internacional com Anitta e Major Lazer e, agora, ao palco do Rock in Rio.
Não dá pra fugir da política quando se faz arte. A cultura, por si só, é política, e seja na música, cinema, teatro, TV ou museu, estará carregada de valores e discursos. Não é a toa que meros quadros foram capazes de despertar tanto incômodo nos grupos conservadores por tocarem em assuntos que já não deveriam mais ser tabus e, nesta linha, é impossível dizer que ter uma drag queen no palco principal do maior festival musical do mundo, mesmo que por alguns minutos, não é um ato político.
Claro que, como com qualquer outra artista, você não é obrigado a gostar dela ou de suas músicas, mas, parafraseando o verso da Mulher Pepita no hit de outra drag queen brasileira, Lia Clark, “tem que respeitar!”.