Tom Six angariou prestígio ao conseguir revoltar o mundo com suas "obras-primas": a saga "A Centopeia Humana". O primeiro foi um choque que dividiu opiniões, enquanto o segundo conseguiu ser ainda pior, causar mais barulho e ser até banido de alguns países - tudo o que o diretor mais queria. Com o sucesso veio então o terceiro, e último, filme da franquia. Mas do que se trata mesmo?
O primeiro filme (subintitulado "Primeira Sequência"), de 2009, fala sobre a experiência do Doutor Joseph Helter (Dieter Laser), um médico especialista em separação de siameses que decide sequestrar três pessoas para fazer uma centopeia. Como? Costurando-os boca ao ânus. Normal. Já o segundo ("Sequência Completa"), de 2011, é sobre Martin (Laurence R. Harvery) um homenzinho solitário, asmático e com sérias disfunções mentais que é apaixonado pelo filme "A Centopeia Humana" (sim) e decide num belo dia fazer a sua própria depois de tanto assistir ao filme. Mas três pessoas é coisa de criança, então ele cria uma com 12.
Como podemos ver, a série se utiliza da metanarrativa, ou seja, cria um filme derivado do outro ao invés de continuá-lo em sequência: o primeiro é um mundo fictício que é copiado pelo mundo do segundo, com histórias diferentes. No terceiro ("Sequência Final") afundamos ainda mais na metanarrativa, pois é sobre um mundo fictício onde os personagens assistem aos dois primeiros filmes. Loucura, mas uma jogada criativa e inovadora para o gênero, fadado à sagas com dezenas de sequências sempre iguais.
Pois bem. "A Centopeia Humana 3" é sobre Bill Boss (Dieter Laser), diretor de um grande complexo carcerário estadual nos EUA. O recinto tem vários problemas: estaticamente é a prisão com o maior número de revoltas, custos médicos e troca de funcionários no país. Com o local sob ameaça de fechamento do governo estadual, seu braço-direito Dwight (Laurence R. Harvey) tem uma brilhante e revolucionária ideia que poderá salvar o sistema carcerário americano e economizar bilhões de dólares: uma centopeia humana com 500 presos baseada nos filmes.
Já deu para notar que os protagonistas são os mesmos atores dos dois filmes anteriores, mas em papeis diferentes? O filme começa com Bill assistindo aos filmes. Ao terminar, ele fala: "O que diabos é isso? Esses filmes são uma merda". Tom Six é tão lunático dentro do seu próprio mundo que abre liberdade para falar mal DELE mesmo - e não é só nesse momento, seus filmes, e ele próprio, são xingados durante toda a projeção, só um pedacinho de tudo o que ele ouviu de verdade. Mesmo sendo completamente hilário, demonstra um domínio artístico debochado e, por que não?, sensacional. Não satisfeito, ele faz uma participação aqui, como ele mesmo, dando o sinal verde para o método dos filmes ser utilizado na prisão. Ego inflado é isso aí.
Todos os filmes da série possuem as chamadas taglines, o "slogan". O do primeiro é "100% precisão médica", do segundo "100% imprecisão médica" e do último "100% politicamente incorreto". Não sabemos se este atingiu os 100%, mas se não, foi bem próximo. Bill Boss é um personagem completamente insano e fascista que consegue gerar tensão no espectador por ser volátil e instável. Ele grita, esperneia e berra os maiores absurdos possíveis, abusa de todos a sua volta e dissemina ódio, machismo, misoginia, homofobia, anti-semitismo, racismo, xenofobia e tudo o que podemos imaginar.
Alemão, mas naturalizado americano, as raízes nazistas do protagonista estão à flor da pele em todos os detalhes, como na cena em que ele se revolta com o governador que só fuma charuto cubano (ou charuto comunista, como ele afirma). Foi com as experiências nazistas que Six tirou inspiração para o filme, que não tem a menor pressa em desenvolver o personagem, dedicado uma boa hora inteira para irmos cada vez mais baixo com suas atitudes. Sim, ele é caricato na máxima potência, porém Six quis deixar Bill insuportável e exagerado - nós tínhamos que odiá-lo, ou odiar amá-lo, o que pode acontecer também. O diretor conduz tudo como se tivesse realizando uma verdadeira obra de arte com atuações dignas do Oscar, o que é impagável.
Com esse desenvolvimento bem demorado o filme peca em algo primordial: quase não tem a centopeia. Dos 100 minutos de duração, ela aparece na tela nos 15 últimos, o que é um balde de água fria, afinal, é ela o motivo de todo o espetáculo. Todavia, Six recheou o desenvolvimento com cenas revoltantes e asquerosas que nos obriga a virar o rosto da tela, seja pelo gore das cenas explícitas ou pela ação moralmente degradante (como nas cenas de estupro), o que cria um paradoxo ideológico.
Certo, o filme foi feito para ser propositalmente revoltante, então por isso ele é perdoado? Por serem completamente incorretos - os acontecimentos na tela são todos passiveis de repúdio -, então como pode algo assim ser bom? Com essa mensagem, mesmo que irônica, ele não estaria fomentando tal ódio do protagonista?, afinal, estamos falando de um produto de massa que carrega valores, assimilados de formas diferentes pelo público. É uma discussão que gera muitos conflitos e cabe a cada um decidir como tudo será digerido.
Mas sim, "A Centopeia Humana 3" é horrível, e marca o final da trilogia de horror mais chocante dos últimos tempos - para não dizer da história. É um daqueles filmes que você assiste e recomenda para ninguém pelo teor fortíssimo (ele já começa com o aviso "O filme contém imagens de sexo e violência extrema. Somente para adultos"), a não ser para os fãs do gênero. Engraçado é o ódio instantâneo gerado por ele sendo que há tempos existe coisa tão pesada quanto ("O Albergue" e "Jogos Mortais" estão aí para provar).
Mesmo sendo minimamente caprichado (a fotografia amarelada é muito boa), com algumas pontuações no roteiro interessantes (a discussão sobre direitos humanos no cárcere) e um final sensacionalmente absurdo, "A Centopeia Humana 3" é o mais fraco dos três filmes (no Metacritic sua nota é 5 na escala que vai de 0 a 100), mas um desfecho digno para uma saga que já nasceu fadada ao repúdio. Tom Six agradece.
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