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Crítica: "Voldemort: A Origem do Herdeiro" é uma louvável produção fanmade (e não tem Johnny Depp)

Ambicioso prequel da franquia "Harry Potter" feito inteiramente por fãs tem grandes erros e grandes acertos: vale a pena conferir
O fim da franquia "Harry Potter" (2001-11) deixou uma legião de fãs órfãos ao redor do planeta, e os números não mentem: uma das cinco maiores franquias da história, os oito filmes arrecadaram U$S 7,7 bilhões. Não demoraria para a Warner, detentora dos direitos cinematográficos do mundo criado por J.K. Rowling, perceber que muito dinheiro ainda poderia sair dessa fonte, e logo apareceu e franquia "Animais Fantásticos" (2016-), tendo seu primeiro filme, "Onde Habitam", abrindo os trabalhos. A bilheteria repetiu o sucesso: $814 milhões.

Se a nova franquia parece estar fadada ao fracasso - seja pela fraca história ou toda a confusão com a péssima escalação de Johnny Depp como Gellert Grindelwald, o nome que dá título ao segundo filme ("Os Crimes de Grindelwald", a ser lançado esse ano) - um interessante escape surge por meio dos próprios fãs. "Voldemort: A Origem do Herdeiro" (Voldemort: Origins of the Heir) é um desses exemplos. Mesmo não sendo o primeiro filme do tipo, é definitivamente o mais ambicioso - há o fanmade "Severo Snape e os Marotos", por exemplo, que apesar de não possuir uma produção tão caprichada (os efeitos ficam aquéns), tem atores bem melhores.


O filme é um trabalho feito inteiramente por fãs italianos para explorarem o que aconteceu com Tom Riddle, ou Lord Voldemort (Stefano Rossi), no período entre sua saída de Hogwarts até os eventos que começariam a história do Menino Que Sobreviveu em "Harry Potter e a Pedra Filosofal" (2001) - o que o caracteriza como um prequel, inserido exatamente entre a série "Animais Fantásticos" e "Harry Potter". O site dos criadores diz:

O que fez Tom Riddle se tornar Voldemort? O que aconteceu naqueles anos e o que realmente houve em Hogwarts quando ele voltou? Há algumas pistas nos livros que não foram transpostas em todos os filmes, mas muito permanece incontável. Essa é a história que queremos contar: a acensão do Lorde das Trevas antes de Harry Potter e sua primeira queda.

O média-metragem, dirigido por Gianmaria Pezzato, possui pouco mais de 50 minutos e foi disponibilizado de graça no YouTube, já que não detém os diretos da obra original e não poderia lucrar comercialmente com o lançamento nos cinemas, o que por si só é um feito louvável: o filme custou um pouco mais de $18 mil e renderá nada monetariamente para os produtores.



E um orçamento absurdamente baixo como esse seria bem preocupante para poder realizar o mote principal dos filmes: a magia. O exemplar com o menor custo de produção da franquia foi "Câmara Secreta" (2002) - $100 milhões -, 5.555X mais que o de "A Origem do Herdeiro", e esse conseguiu fazer com que seus efeitos especiais soassem bem competentes. Há lutas de varinhas, desaparatações e até cenas em primeira pessoa, e tudo bem feito, sem parecer um videogame da década de 90. Claro, não há os animais mágicos, o que tornaria impossível um orçamento tão minúsculo - criar um bicho inteiramente por computador é tarefa que até os gigantes de Hollywood falham (não é mesmo, "A Bela e a Fera"?).

O plot da obra é bastante simplório: seguimos os quatro herdeiros das quatro casas de Hogwarts e como o que antes era uma sólida amizade vai gerando rachaduras pela síndrome de superioridade de Tom. A montagem é feita através de flashbacks: no presente vemos Grisha McLaggen (Maddalena Orcali), herdeira de Gryffindor, invadindo uma base russa atrás do diário de Voldermort - o mesmo que Harry destrói em "Câmera Secreta". Ela conta o que a levou até ali e como Voldermort está criando suas horcruxes, os artefatos das trevas que preservam sua alma e só serão destruídos por completo em "Relíquias da Morte - Parte 2" (2011).


Como diz o "objetivo" da produção, "A Origem do Herdeiro" visa explicar alguns detalhes que os filmes deixaram de fora, mas, caso você tenha lido os livros, há praticamente nada de novo para acrescentar ao universo, servindo com mais vigor para aqueles que só acompanharam a história através da tela do cinema. Vemos como Voldemort conseguiu o medalhão de Slytherin e a taça de Hufflepuff, por que a espada de Gryffindor não foi alcança e suas indas e vindas em busca das horcruxes perfeitas - a trama com o diadema de Ravenclaw não aparece já que foi revelada em "Relíquias Parte 2".

Se os efeitos especiais conseguem sustentar a magia do universo, a película encontra grandes problemas técnicos. Os atores de primeira viagem não conseguem soar verdadeiros, soterrados de vez pela dublagem: todas as falas foram refeitas e colocadas por cima do som original. O motivo não fica claro - talvez por se tratar de atores italianos que jamais teriam o sotaque britânico ou até mesmo uma melhor captação do som num estúdio de gravação. O fato é: fica difícil submergir no filme quando o rosto do ator transmite algo diferente da entonação da voz dublada.

Assim como as críticas provenientes de "Harry Potter e a Criança Amaldiçoada" (a peça de teatro de 2016), o roteiro de "Herdeiro" também se apoia demais na história já contada, rendendo pouca coisa nova. É quase uma reciclagem de ideias, onde a roleta da criatividade nunca alcança lugares empolgantes. Em contra partida, há um esmero com o trabalho de direção de arte, figurinos e fotografia, que rende cenas belas em locação, mesmo abusando dos closes nos olhos dos atores - e falando em olhos, aqui fica evidente o motivo que fez a franquia original tirar os olhos de cobra de Voldermort: fica cômico, não ameaçador.


Porém é muito fácil atirar pedras nos defeitos de realização. E muito mais fácil é sair comparando a obra com os filmes já lançados (oficialmente), o que não tem o menor cabimento. Não faz sentido usar uma simetria entre algo feito independentemente com uma megaprodução hollywoodiana de $250 milhões: é claro que o primeiro sairá perdendo. A produção queria mostrar que é possível fazer uma obra respeitável para o cinema longe dos cofres milionários dos super estúdios, e isso foi atingido. Quem não gostaria de externalizar seu amor por um material criando seu próprio filme? O que todos os envolvidos no projeto alcançam aqui é o sonho para muitos fãs de "Harry Potter": poder dizer que têm o próprio filme que compartilha de um pedacinho daquele mundo tão rico e que faz parte da história de tanta gente.

Ao mesmo tempo, é uma pena ver tamanho esforço e potencial ser diminuído com erros tão primários. Há muito talento que poderia facilmente ser elevado ao evitar tais falhas. O roteiro abusa do didatismo e deixa tudo absolutamente mastigado para o espectador, explicando nos mínimos detalhes uma história que está há anos assimilada, além dos clichês e um final gritantemente questionável. E não é lá grande desculpa dizer que se tratar de um fanmade: escrever um roteiro que não se baseie em tantos lugares-comuns não é exclusividade de renomadíssimos roteiristas ou alguém sendo pago fortunas. Era muito fácil ver que o texto estava caminhando para obviedades e preguiças narrativas - e fica difícil não pensarmos "com esse mesmo material eu faria um filme melhor". E nem podemos ser acusados de arrogância, atingir um produto mais refinado aqui era tarefa básica: bastava criatividade.

E a própria escolha em filmar num forçado inglês para uma plateia mais comercial não prima pelo acabamento, reflexo da tentativa de atingir o maior público possível em detrimento da sua própria qualidade. Por que escolher dublar em inglês e aniquilar as atuações ao invés de filmar em italiano e deixar tudo mais natural? Permanecemos, assim, à espera de um produto pós-Harry Potter que seja verdadeiramente de qualidade - se depender de "Animais Fantásticos", coitados de nós.

Como fan made, "Voldemort: A Origem do Herdeiro" é uma realização notável; como cinema em si, não tanto. Mas um filme do Mundo Bruxo sem o Johnny Depp é algo para ser assistido, não importa o quê.

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