Damien Chazelle quebrou a barreira do mainstream com "La La Land: Cantando Estações" (2016), o maior musical do século, aclamado pela crítica e vencedor de seis Oscar e sete Globo de Ouro. Ele é, também, o diretor mais novo a levar a estatueta dourada de "Melhor Direção" para casa, com apenas 32 aninhos. Mas engana-se quem acha que "La La Land" foi o primeiro sucesso de Damien.
Muito antes de Emma Stone e Ryan Gosling roubarem o mundo ao som de "City of Stars", o diretor lançou, em 2014, "Whiplash: Em Busca da Perfeição", seu segundo filme - o primeiro foi o desconhecido "Guy and Madeline on a Park Bench" (2009). O que todos possuem em comum? O jazz. Antes de cair no cinema, Chazelle tentou ser baterista - para logo perceber que jamais teria sucesso com a música. E é por isso que, até agora, 100% dos seus filmes têm o jazz como mote principal.
Em "Whiplash", Andrew Neiman (Miles Teller) é um baterista de 19 anos que, ao contrário dos instrumentistas da sua idade, não venera o rock: é apaixonado por jazz. Depois de aceito no Conservatório Shaffer, a melhor universidade de música dos Estados Unidos, Andrew parece que finalmente está à beira de atingir tudo o que ele sempre quis para realizar sonho de ser um dos maiores bateristas da história. Porém, ele terá um grande obstáculo pela frente: Terence Fletcher (JK Simmons), o maior (e mais temido) maestro da universidade.
Essa premissa é, sim, básica e o filme gira em torno disso - Andrew correndo atrás de se tornar tão grande quanto seus ídolos com Fletcher em seu encalço. O que nas mãos de alguns poderia ser mais um filme sobre mestre-aprendiz vira um dos melhores filmes da década nas mãos de Chazelle.
Miles Teller não é tão conhecido - ele faz uma ponta no maluquíssimo “Projeto X: Uma Festa Fora de Controle” (2012) e está na saga “Divergente” (2014) -; enquanto JK Simmons é famoso pelo divertidíssimo J. Jonah Jameson da saga (original) “Homem-Aranha” (2002). Eles são a chave do filme: Teller pela primeira vez assume um papel protagonista dramático e com profundidade, dando conta sem o menor problema, tanto que poderia ter rendido uma indicação ao Oscar.
Simmons sempre se mostrou grande, mas está monstruoso aqui. Seu Terence Fletcher é assustador, conseguindo manipular o público facilmente: ora o amamos, segundos depois o odiamos e queremos pular em seu pescoço. Seja em momentos em que ganha a cena no grito ou em situações onde basta um olhar para aniquilar a sequência, Simmons recebeu aclamação absoluta pelo papel, ganhando todos os principais prêmios de atuação na temporada: Screen Actors Guild Awards (SAG), Globo de Ouro, Critics' Choice Movie Awards, British Academy Film Awards (BAFTA, o Oscar britânico) e, claro, o Oscar de "Melhor Ator Coadjuvante".
Evidentemente, atuações tão incríveis não demandam apenas dos atores - um roteiro ruim aniquila qualquer performance, a não ser se você seja a Meryl Streep, claro. O roteiro de “Whiplash” consegue fomentar ainda mais essas atuações, jogando reviravoltas incansáveis na nossa cara e destruindo a paz de uma cena com um piscar de olhos. A montagem alucinante, rápida, ágil e insana completa o andar sensacional da carruagem – o filme em momento algum fica chato ou parado. Vencedora do Oscar de "Melhor Montagem", é realmente difícil pensar numa edição melhor que a de "Whiplash" nos últimos anos: a cena final comprova ao tirar o fôlego do espectador.
E há uma interessante dinâmica entre a queda de braço dos protagonistas. Quanto mais Fletcher exige de Andrew, mas o garoto se mata na busca pela perfeição. E é aqui que está um dos principais trunfos do filme. Degradar seu próprio corpo para atingir essa tal perfeição é o que faz um grande artista? Quando Andrew manuseia aquelas baquetas, tudo que vemos é dor, angústia e sofrimento, e quando o combustível para a arte são esses elementos, você está fazendo errado. Chegamos a questionar se o que Andrew ama é a obsessão que a perfeição traz, e não exatamente a música, não muito diferente da Nina de Natalie Portman em “Cisne Negro” (2010).
Também há um arco interessante que gira em torno de Andrew: Fletcher é fio condutor dos êxitos e fracassos da vida pessoal do garoto. Note: quando o maestro aceita um tempo com Andrew, este sai do conservatório e chama Nicole (Melissa Benoist, de “Glee”) para um encontro – o fato de ter conseguido a aprovação do tirano é injeção de coragem para ele falar com a garota. E é a neurose de Fletcher que fará com que o relacionamento acabe mais à frente. Indiretamente, é como se Fletcher manipulasse a vida “externa” de Andrew através de suas cobranças, que abatem o baterista de forma incisiva.
Mas o filme possui algumas pequeninas irregularidades. Há uso de zooms escancarados para focar nas expressões dos atores, como por exemplo no momento em que Fletcher entra na sala de música pela primeira vez e a câmera vai como uma louca até o rosto de Andrew, demonstrando surpresa, susto. Esse recurso foi largamente usado no passado como artimanha para extrair emoção, porém ficou ultrapassada e, mesmo que soe “clássica” e funcione aqui em “Whiplash”, é algo batido para olhos mais atentos. Também há um momento base que soa forçado: quando Andrew perde a pasta com as partituras, sendo que a construção da cena já entrega bem antes que isso aconteceria. Em outro filme esses pontos soariam mais gritantes, porém “Whiplash” possui qualidades o suficiente para que detalhes como esses se tornem irrisórios.
“Whiplash: Em Busca da Perfeição” talvez seja um acerto ainda mais grandioso que "La La Land" na pequena, mas estrelar filmografia de Damien Chazelle ao condensar de maneira genial a parte técnica versus o corpo de atores. Mas nem precisamos esquentar tentando descobrir qual é a melhor obra das duas, e sim aproveitarmos um diretor tão novo realizando filmes tão magistrais. E você até pode não gostar de jazz - a música em "Whiplash" é apenas a moldura desse grande quadro pintado com lágrimas, suor e sangue. Perfeição atingida com sucesso.
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