Slider

Crítica: "Spotlight: Segredos Revelados" é uma denúncia filmada sem medo de apontar o dedo

Regina George, Hulk, Batman e Dente de Sabre contra padres pedófilos. Melhor filme de super-heróis da década ou o quê?
Há uma forte leva de filmes atuais que procuram cutucar as feridas causadas pela Igreja Católica por todos os seus séculos de existência. A poderosíssima instituição recebeu baques em “A Religiosa” (2013), “Além das Montanhas” (2012), “14 Estações de Maria” (2014) e “O Clube” (2015), só para citar alguns exemplos. Todos estes longas mostram até que ponto a religiosidade pode deturpar a visão crítica do real, tornando o homem num monstro “em nome de deus”.

“Spotlight: Segredos Revelados” (2015) segue a leva religiosa, mas de uma forma bem diferente. Enquanto os citados tecem seus roteiros no cerne do problema, “Spotlight” segue um grupo de repórteres investigativos do jornal The Boston Globe, conhecidos como “Holofotes” por dar luz a eventos que a maioria dos jornais não teria “coragem” de debater. A reportagem? Acusações de pedofilia por parte de padres em Boston.


O filme é baseado na reportagem real feita pelos jornalistas, que rendeu o Pulitzer (o Oscar do Jornalismo) ao The Boston Globe em 2003. Acompanhamos então as entranhas da publicação durante sua apuração, do momento em que o editor-chefe Marty Baron (Liev Schreiber) dá a tarefa até sua conclusão, mas não sem antes testemunharmos os empecilhos que o grupo encontrará ao decidir enfrentar a maior instituição do mundo.

O "Holofotes" é formado por Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Walter Robby (Michael Keaton), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams), Marty Baron (Liev Schreiber), Ben Bradlee Jr (John Slattery) e Matt Carroll (Brian d'Arcy James). O grupo de atores trabalha em perfeita sintonia na tela, conseguindo, sem grandes desenvolvimentos prévios, criar personalidades distintas e marcantes - não por menos venceu o SAG 2016 de "Melhor Elenco".


O foco da obra é realmente o decorrer da notícia, pincelando timidamente algum contexto para aqueles personagens, em principal para Michael e Sacha. Mark Ruffalo, em sua terceira indicação ao Oscar (e segunda seguida), está ótimo e cheio de trejeitos, que se encaixa com facilidade na persona nervosa do jornalista: ele mora num micro apartamento quase sem móveis, refletindo nas características psicológicas do personagem, que vive pelo emprego. Sacha de Rachel McAdams, nossa eterna Regina George, rendeu a primeira indicação do Oscar à atriz. Seu papel não é nada grandioso, todavia sua maneira contida e eficiente, soterrada por todas aquelas roupas insossas, trazem sensibilidade e agilidade à personagem.

“Spotlight” talvez não prenda um público mais “pipoca”: é um filme seco. Não há pirotecnia, não há fotografia bela, não há reviravoltas, brigas ou crucificação de padres pedófilos. O estilo escolhido pelo diretor, Tom McCarthy, é quase documental: fotografia sóbria, cortes limpos, trilha sonora equilibrada, atuações no ponto, o que combinam bastante com a própria veia jornalística trazida pelo argumento.


Caso impere em você o tom de “desapontamento”, não se culpe: “Spotlight” parece perdido no tempo, mas só parece. Filmes com cunho jornalístico existem há décadas, desde exemplares da Era de Ouro de Hollywood (“Jejum de Amor”, 1940) até a explosão jornalística da era de Richard Nixon e o escândalo de Watergate na década de 70. Na nossa década atual, temos “O Abutre” (2014), que tece críticas pesadas ao jornalismo instantâneo e sensacionalista da nossa era da internet, e o recente "The Post: A Guerra Secreta" (2017). “Spotlight” vai contra essa veia ágil do mundo conectado para embarcar numa década onde a internet ainda engatinhava.

Porém, tal abordagem é imprescindível para situar o espectador na era em que a história se passa, não tão distante da atualidade, entretanto, aparentemente há séculos graças à rapidez contemporânea. É com estranheza que olhamos àqueles computadores brancos enormes, ou como os jornalistas entrevistam com bloquinhos e passam horas em arquivos gigantes procurando documentos. Sem querer, “Spotlight” nos mostra o quanto avançamos em 15 anos e o quanto o fazer jornalismo mudou nesse tempo.


Por isso, o filme é uma ode à profissão. Em tempos onde correr atrás da notícia tem valor ainda mais literal, é glorioso ver aquelas pessoas indo a fundo para desvendar uma verdade assustadora. Sim, é evidente que o peso de mercado é fortíssimo, afinal, notícia é dinheiro, no entanto, jamais some daquelas ânsias o desejo de fazer um bem social - por mais romântico que isso seja.

Agora pensemos. Quantos jornalistas, hoje, possuiriam a coragem de fazer as mesmas coisas que o grupo fez? Estamos falando em bater de frente com uma entidade que possui não só forma maciça como milhões de seguidores que a tomam como verdade absoluta, como exemplo a ser seguido. Em diversos momentos do filme há essa indagação por parte dos envolvidos, até mesmo no lado econômico. Se a maioria dos leitores é católica, seria melhor desistir da reportagem para continuar vendendo ou arriscar enfurecer quem paga seu jornal?

São dilemas que habitam na profissão, o “dever social” versus “viés econômico”. É cruel como podemos ser podados graças ao segundo item, mas a coragem do grupo na tela é não só louvável como exemplar - o que faz do filme em sim um ato de coragem também. Cada vez mais precisamos de filmes que tragam à tona debates importantes sem deixar de lado a essência do próprio cinema.


Ao mesmo tempo em que expõe o dia a dia de uma redação jornalística, entre cafés e entrevistas negadas, o longa mostra o quão forte é a influência da igreja na nossa sociedade. São crimes hediondos acobertados por uma santidade aceita massivamente, e o filme acerta ao não virar uma caça às bruxas. O julgamento aos sacerdotes é claro, porém o drama do filme é mesmo a tiragem do jornal no fim de tudo. A cena final, onde Walter Robby de Michael Keaton observa incrédulo o que o trabalho do time causou, é absolutamente bela.

"Spotlight: Segredos Revelados" é um filme corretíssimo que, mesmo possuindo familiaridades, seja pelo molde, seja pela condução, é uma grande denúncia filmada com competência e urgência, que o rendeu os Oscars de "Melhor Roteiro Original" e "Melhor Filme", em um ano dividido entre "Mad Mad: Estrada da Fúria" e "O Regresso": venceu o que unia todas as tribos. Regina George, Hulk, Batman e Dente de Sabre contra padres pedófilos. Melhor filme de super-heróis da década ou o quê? "Liga da Justiça" apenas sonha.

P.S.: Ao final do filme há uma longa lista de crimes cometidos por padres no mundo inteiro. O Brasil aparece nela.

0

Nenhum comentário

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.

disqus, portalitpop-1

NÃO SAIA ANTES DE LER

música, notícias, cinema
© all rights reserved
made with by templateszoo