Eu já comentei aqui no Cinematofagia o quanto prefiro assistir a um filme adaptado antes do material original. Essa decisão se baseia no fato de que, ao já sabermos do texto proveniente, caímos na armadilha de ficar comparando as obras, mesmo elas sendo materiais com linguagens completamente diferentes. Infelizmente não consegui realizar esse trajeto com "Aniquilação" (Annihilation), novo filme de Alex Garland. Desde 2016 possuo os três livros da não-tão-famosa trilogia "Comando Sul", de Jeff VanderMeer - "Aniquilação", "Aceitação" e "Autoridade" -, então os acontecimentos da adaptação do primeiro livro já me eram cientes - um adendo: nego veementemente a máxima "livro é sempre melhor que filme" (não é).
Prometi a mim mesmo não sofrer (tanto) da síndrome da comparação. Sei que é impossível analisar o filme deixando de lado toda a bagagem adquirida pela leitura dos livros, porém, tirando os momentos em que contextualizo as decisões de produção da passagem livro-filme (acho importante), a impressão final do longa é o mais perto da utópica "objetividade" de análise fílmica. Então sim, esse texto seria completamente diferente caso eu não tivesse lido os livros, o que comprova a volatilidade da subjetividade para com a arte que é Cinema - e isso é uma de suas mágicas. Caso você não conheça a trilogia, sua impressão pode ser absolutamente divergente da minha. E vida que segue.
Prometi a mim mesmo não sofrer (tanto) da síndrome da comparação. Sei que é impossível analisar o filme deixando de lado toda a bagagem adquirida pela leitura dos livros, porém, tirando os momentos em que contextualizo as decisões de produção da passagem livro-filme (acho importante), a impressão final do longa é o mais perto da utópica "objetividade" de análise fílmica. Então sim, esse texto seria completamente diferente caso eu não tivesse lido os livros, o que comprova a volatilidade da subjetividade para com a arte que é Cinema - e isso é uma de suas mágicas. Caso você não conheça a trilogia, sua impressão pode ser absolutamente divergente da minha. E vida que segue.
"Aniquilação" conta a história de Lena (a oscarizada Natalie Portman), uma bióloga que, após o desaparecimento misterioso do seu marido, decide realizar o mesmo trajeto que ele para descobrir o que aconteceu. O marido, Kane (Oscar Isaac, queridinho do Garland), fez parte de uma missão na Área X, campo secreto em terras norte-americanas onde anomalias da natureza acontecem. Até o momento, todas as missões para a região foram um fracasso, até que Kane se torna a primeira pessoa a conseguir voltar com vida - apesar de gravemente doente.
Basicamente apenas isso, a premissa, foi mantido de forma fidedigna na transposição do livro para às telas. Garland, que escreveu todo o roteiro sozinho, criou um filme só dele, usando a história original como pontapé e alterando - ou até mesmo ignorando - diversos pontos dos livros - que nem ao menos fala os nomes dos personagens, ao contrário do filme. Fica evidente que essas escolhas foram feitas para tornar a obra mais acessível - quem conhece a trilogia sabe o quão hermética é sua leitura, com momentos em que nada faz o menor sentido, o que complicaria demais a adaptação ao soar um texto quase "inadaptável". Até mesmo o significado do título e o final foram completamente mudados aqui.
A nova expedição para a Área X é a primeira formada só de mulheres: Lena, a bióloga; Dr. Ventress, a psicóloga e líder do grupo (Jennifer Jason Leigh); Josie, a física (Tessa Thompson); Cass, a topógrafa (Tuva Novotny); e Anya (Gina Rodriguez), a paramédica. O objetivo central da missão é chegar até o farol, local onde acredita-se ser o centro da Área X e onde as respostas para a anomalia biológica possam estar guardadas. A Área é coberta pelo "Brilho", uma membrana que impede a comunicação de dentro para fora (e vice-versa) e causa diversos outros efeitos no campo. O grupo então vai tentar desvendar tudo isso, pois o Brilho está se expandido e pode cobrir todo o planeta.
Alex Garland parece estar cunhando um estilo cinematográfico que passeia pelo sci-fi, efeitos visuais e questionamentos sobre nossa existência. "Aniquilação" é seu segundo filme, e fica gritante os motivos que o fizeram escolher o material para continuar sua linhagem no mundo do cinema, depois de sua incrível estreia com "Ex Machina: Instinto Artificial" (2015). Guardando muitos dos elementos que poderão ser aquilo que formará seu cinema, "Aniquilação" enfrentou briga entre os produtores, que o achavam "complexo demais".
Todavia, sendo bem sincero, o longa é simples até demais. O primeiro livro literalmente explica nada, enquanto o longa é bastante didático ao colocar de maneira bem clara a bizarrice da Área X. "Aniquilação" acerta ao não seguir a narrativa do texto original e deixar logo de cara muitas das coisas que demoram centenas de páginas para explicar - e quando explica, é de modo superficial: a barreira, por exemplo, é um mistério solucionado bem rápido na telona. As escolhas de trama da produção claramente visam a facilitação do entendimento das plateias, algo que os livros não movem um dedo para fazer - por exemplo, não há uma física no livro, e sim uma antropóloga. A profissão foi mudada a fim de explicar melhor os conceitos científicos dentro do Brilho.
Apesar de, por várias vezes, soar mastigado demais, o filme consegue entregar a complexa história de maneira clara o suficiente para termos interesse em seu desenrolar e resguardar a áurea de mistério da fonte literária. Além disso, mesmo antes do término da sessão, dá para perceber que Garland escolheu fazer com que o filme tenha começo, meio e fim, já sabendo que uma franquia cinematográfica seria difícil - o filme assimila detalhes dos livros seguintes, que não tínhamos ideia apenas com o primeiro. A conclusão da película é definitiva, com poucos espaços para continuações - o que é uma pena.
E isso é uma faca de dois gumes. Particularmente não recomendo os livros para qualquer um pois eles são muito, muito difíceis de serem lidos, no entanto, possuem personalidade e autenticidade, não há como negar. A mastigação do enredo, que serviria para tornar mais acessível o filme, ultrapassa o limite do aceitável em vários momentos, diluindo não só o poder do argumento, como também banalizando seu próprio gênero ao aproximar a produção de tantos outros filmes pseudo-inteligentes. Não que o filme devesse ser complicadíssimo, fazer com que o público saísse da sessão perdido, mas "Aniquilação" parece subestimar a capacidade de entendimento de quem está sentado diante dele.
A sensação presente no decorrer da duração é de que estamos assistindo à uma ficção-científica qualquer, e a resposta está na convergência dos materiais: é fato que os livros não são gritantemente inovadores em sua premissa, porém são proprietários de um clima austero de estranheza bem característico, que fez sua fama (nos EUA os livros são mais conhecidos) e não foi copiado para a tela. É difícil não notarmos as semelhanças com outros nomes célebres do gênero, como "Alien: O Oitavo Passageiro" (1979), onde um grupo de cientistas entra numa área alienígena e é caçado e infectado pelos monstros do local. Em "Aniquilação" é exatamente assim - e ainda faz o mesmo erro primário de "Alien: Covenant (2017)": como a equipe entra numa área desconhecida sem roupas de proteção?
O mote principal de qualquer sci-fi é, querendo ou não, seus efeitos especiais. "Ex Machina", inclusive, venceu o Oscar de "Melhores Efeitos Visuais" pela criação altamente fidedigna de um androide, porém, os efeitos de "Aniquilação" raramente funcionam - quando não são péssimos em sua totalidade. Nas cenas com as criaturas da Área X, o CGI mais parece um emulador de videogame dos anos 2000, quebrando completamente a veracidade do que estamos vendo. Há um momento em particular onde os efeitos alcançam a glória - a nebulosa -, entretanto fica ainda mais difícil entender os pobres efeitos quando "Ex Machina" venceu o Oscar e o orçamento de "Aniquilação" foi bem maior. E até o design de produção entra no bonde: ao invés de deixar orgânica a anormal natureza, as anomalias criadas pela direção de arte na Área X parecem de plástico.
Outro grande chamariz da produção é possuir um elenco predominantemente feminino - até as próprias integrantes se surpreendem ao ver que o grupo é só de mulheres -, o que poderia (e, aqui, fica no "poderia") render interações riquíssimas ao colocá-las num habitat tão hostil, onde o perigo está por todos os lados. À la "O Enigma de Outro Mundo" (1982), a "realidade" dentro do brilho vai calmamente mudando as personagens, psico e fisicamente, e é questão de tempo para ver qual delas vai sucumbir à loucura primeiro, já um clichê dentro do gênero, que também não dispensa discussões sobre "devemos continuar ou voltar o mais rápido possível?". As motivações de cada uma, pelo menos, são corretas e as fazem tomarem caminhos coerentes dentro de seus próprios universos.
Só que elas funcionam individualmente, não em grupo. Não há química entre as cinco, uma dinâmica que faça com que a equipe aparente ser coesa - e, com exceção da personagem de Portman, os destinos das outras são irrisórios para o espectador. O roteiro até pincela um desenvolvimento de encontro entre as partes, mas há sempre um corpo estranho que destoa o próprio clima, e esse corpo talvez seja Gina Rodriguez, a eterna Jane da série "Jane The Virgin". Sua personagem não existe no livro, e no ecrã serve quase unicamente para ser o indivíduo esquentado à beira da loucura, e sua introdução serve para gerar uma trama específica que se esgota muito rápido - e poderia ter sido composta sem sua presença.
"Aniquilação" é, talvez, o primeiro acerto com dignidade a receber o selo Netflix em seu catálogo de filmes, apesar dos empecilhos - mas isso nem é lá um enorme feito, visto o número de obras terríveis lançadas pela plataforma - "Paradoxo Cloverfield", "Death Note", "Okja", e por aí vai. Mesmo funcionando no ecrã ao ser uma ambiciosa empreitada - aceitar colocar essa insana história na tela é feito louvável -, a sensação de desapontamento permeia o espectador durante o rolar dos créditos, tendo em vista que aqui poderia ser o nascimento de um novo clássico contemporâneo. Alex Garland perde a oportunidade de criar um longa único, profundo e desafiador ao facilitar demais sua narrativa e se distanciar do que há de melhor das páginas seminais - além do clímax genérico e fácil demais. Ao invés do estranho e sólido (como "Sob A Pele", 2013), recebemos uma grande dose de água com açúcar pronta para a degustação das massas (como "Interestelar", 2014).
P.S. quebrando minha promessa: Garland retirou as sequências mais hipnóticas do livro: a Torre, o Rastejador e o icônico poema "De onde jaz o fruto asfixiante que veio da mão do pecador...". Balde de água fria.
E isso é uma faca de dois gumes. Particularmente não recomendo os livros para qualquer um pois eles são muito, muito difíceis de serem lidos, no entanto, possuem personalidade e autenticidade, não há como negar. A mastigação do enredo, que serviria para tornar mais acessível o filme, ultrapassa o limite do aceitável em vários momentos, diluindo não só o poder do argumento, como também banalizando seu próprio gênero ao aproximar a produção de tantos outros filmes pseudo-inteligentes. Não que o filme devesse ser complicadíssimo, fazer com que o público saísse da sessão perdido, mas "Aniquilação" parece subestimar a capacidade de entendimento de quem está sentado diante dele.
A sensação presente no decorrer da duração é de que estamos assistindo à uma ficção-científica qualquer, e a resposta está na convergência dos materiais: é fato que os livros não são gritantemente inovadores em sua premissa, porém são proprietários de um clima austero de estranheza bem característico, que fez sua fama (nos EUA os livros são mais conhecidos) e não foi copiado para a tela. É difícil não notarmos as semelhanças com outros nomes célebres do gênero, como "Alien: O Oitavo Passageiro" (1979), onde um grupo de cientistas entra numa área alienígena e é caçado e infectado pelos monstros do local. Em "Aniquilação" é exatamente assim - e ainda faz o mesmo erro primário de "Alien: Covenant (2017)": como a equipe entra numa área desconhecida sem roupas de proteção?
O mote principal de qualquer sci-fi é, querendo ou não, seus efeitos especiais. "Ex Machina", inclusive, venceu o Oscar de "Melhores Efeitos Visuais" pela criação altamente fidedigna de um androide, porém, os efeitos de "Aniquilação" raramente funcionam - quando não são péssimos em sua totalidade. Nas cenas com as criaturas da Área X, o CGI mais parece um emulador de videogame dos anos 2000, quebrando completamente a veracidade do que estamos vendo. Há um momento em particular onde os efeitos alcançam a glória - a nebulosa -, entretanto fica ainda mais difícil entender os pobres efeitos quando "Ex Machina" venceu o Oscar e o orçamento de "Aniquilação" foi bem maior. E até o design de produção entra no bonde: ao invés de deixar orgânica a anormal natureza, as anomalias criadas pela direção de arte na Área X parecem de plástico.
Outro grande chamariz da produção é possuir um elenco predominantemente feminino - até as próprias integrantes se surpreendem ao ver que o grupo é só de mulheres -, o que poderia (e, aqui, fica no "poderia") render interações riquíssimas ao colocá-las num habitat tão hostil, onde o perigo está por todos os lados. À la "O Enigma de Outro Mundo" (1982), a "realidade" dentro do brilho vai calmamente mudando as personagens, psico e fisicamente, e é questão de tempo para ver qual delas vai sucumbir à loucura primeiro, já um clichê dentro do gênero, que também não dispensa discussões sobre "devemos continuar ou voltar o mais rápido possível?". As motivações de cada uma, pelo menos, são corretas e as fazem tomarem caminhos coerentes dentro de seus próprios universos.
Só que elas funcionam individualmente, não em grupo. Não há química entre as cinco, uma dinâmica que faça com que a equipe aparente ser coesa - e, com exceção da personagem de Portman, os destinos das outras são irrisórios para o espectador. O roteiro até pincela um desenvolvimento de encontro entre as partes, mas há sempre um corpo estranho que destoa o próprio clima, e esse corpo talvez seja Gina Rodriguez, a eterna Jane da série "Jane The Virgin". Sua personagem não existe no livro, e no ecrã serve quase unicamente para ser o indivíduo esquentado à beira da loucura, e sua introdução serve para gerar uma trama específica que se esgota muito rápido - e poderia ter sido composta sem sua presença.
"Aniquilação" é, talvez, o primeiro acerto com dignidade a receber o selo Netflix em seu catálogo de filmes, apesar dos empecilhos - mas isso nem é lá um enorme feito, visto o número de obras terríveis lançadas pela plataforma - "Paradoxo Cloverfield", "Death Note", "Okja", e por aí vai. Mesmo funcionando no ecrã ao ser uma ambiciosa empreitada - aceitar colocar essa insana história na tela é feito louvável -, a sensação de desapontamento permeia o espectador durante o rolar dos créditos, tendo em vista que aqui poderia ser o nascimento de um novo clássico contemporâneo. Alex Garland perde a oportunidade de criar um longa único, profundo e desafiador ao facilitar demais sua narrativa e se distanciar do que há de melhor das páginas seminais - além do clímax genérico e fácil demais. Ao invés do estranho e sólido (como "Sob A Pele", 2013), recebemos uma grande dose de água com açúcar pronta para a degustação das massas (como "Interestelar", 2014).
P.S. quebrando minha promessa: Garland retirou as sequências mais hipnóticas do livro: a Torre, o Rastejador e o icônico poema "De onde jaz o fruto asfixiante que veio da mão do pecador...". Balde de água fria.
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