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“O Mecanismo” funciona como trama policial, mas pouco acrescenta no debate político

Ótima enquanto trama policial, a série pouco acrescenta em nossa visão sobre a política por aqui.
Em tempos de polarização política, coxinhas e mortadelas, representar o maior escândalo de corrupção do país é um desafio e tanto, e foi a isto que José Padilha e Elena Soarez, diretor e roteirista, respectivamente, se propuseram com "O Mecanismo".

A série estreou na Netflix na última semana e já está dando o que falar, sobretudo sobre sua parcialidade. A trama começa afirmando que é livremente baseada em fatos reais, alterando nomes e situações para efeitos dramáticos, mas o que se vê de fato é uma tentativa de encolher uma longa narrativa em uns poucos capítulos – o que torna a série densa e chata em diversos momentos.

Marco Ruffo (Selton Mello) é o delegado da Polícia Federal incorruptível que luta – mesmo com um salário medíocre – para tornar o Brasil um lugar melhor e sem corrupção. Ele é claramente a voz ideológica que a produção tenta imprimir no seriado. Verena (Caroline Abras) é a outra protagonista, um ponto mais equilibrado em meio a inconsistência de Ruffo. Ambos começam a maior investigação do país prendendo Roberto Ibrahim (Enrique Diaz), que solto em um primeiro momento (assim como seu original, o doleiro Alberto Youseff) volta para o crime anos depois e, na segunda vez, está metido com os “peixes grandes” de Brasília.



A escolha de dois policiais fictícios para conduzir uma trama baseada na realidade foi ousada e bem feita, embora os conflitos pessoais de Ruffo e Verena sejam irritantes em diversos momentos. A estrutura também não contribui positivamente para a produção.

Como habitual em seus filmes e séries, José Padilha usa do recurso voice over para narrar toda a história e situar o telespectador em momentos mais confusos, que são vários. Em uma trama cheia de personagens e nuanças como “O Mecanismo”, e feita para ter um apelo global nos 190 países que a Netflix está presente, o recurso é mais do que aceitável, mas não menos entediante.

A trama força situações para que o desencadeamento dos arcos aconteçam, como personagens passivos e amedrontados a um olhar mau encarado de Ruffo. Personagens são presos e soltos tantas vezes que nos perguntamos se isso terá fim (assim como na vida real). Embora dinâmica, a série é repetitiva ao ponto que o espectador possa abandoná-la já nos primeiros episódios.

A série tem muitos personagens, contribuindo para que o espectador possa se confundir. Isso faz o roteiro ignorar certos políticos reais, causando alguns questionamentos. Um deles é colocar a polêmica frase do senador Romero Jucá, “é preciso estancar a sangria”, sobre um acordo para o fim da Lava-Jato, na boca do Higino, personagem que representa o Lula na trama. Mesmo que “O Mecanismo” se esforce o tempo todo em afirmar que não vê esquerda ou direita, pois o sistema todo está corrompido, é compressível o barulho que a produção fez na internet, com pessoas pedindo o boicote à Netflix diante dessas confusões.

Se não fosse por essas falhas, talvez a produção contribuísse muito mais para um debate maduro e neutro sobre esse tema tão delicado e pudesse abrir os olhos de todos sobre a dificuldade em ser honesto no país.

Ao final, “O Mecanismo” funciona enquanto trama policial e até mesmo política em alguns momentos, por questionar o “jeitinho” brasileiro e nosso sistema. Entretanto, mesmo que já tenha se passado alguns anos desde o estouro da Lava-Jato, e que agora as coisas estejam um pouco mais calmas, um assunto tão delicado como esse não precisava dessa contribuição audiovisual, já que sua visão pouco acrescenta ao debate. Pra quem viu José Padilha fazer “Tropa de Elite” e “Narcos”, é impressionante ver como “O Mecanismo” deixa a desejar.

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