Atenção: a crítica contém alguns detalhes da trama.
Quando "Os Estranhos" (2008) estreou nos EUA, causou um barulho considerável: sucesso de bilheteria, arrecadando quase 10X o valor gasto na produção, a tagline "Baseado em fatos reais" piscava aos berros em todos os materiais promocionais. Uma história sobre três estranhos mascarados que invadem uma casa e iniciam um jogo de gato e rato com suas vítimas era o suficiente para chamar a atenção, porém adicionando o tempero do real, a receita ficava irresistível.
Quando "Os Estranhos" (2008) estreou nos EUA, causou um barulho considerável: sucesso de bilheteria, arrecadando quase 10X o valor gasto na produção, a tagline "Baseado em fatos reais" piscava aos berros em todos os materiais promocionais. Uma história sobre três estranhos mascarados que invadem uma casa e iniciam um jogo de gato e rato com suas vítimas era o suficiente para chamar a atenção, porém adicionando o tempero do real, a receita ficava irresistível.
O diretor/roteirista Bryan Bertino se inspirou em diversos crimes reais para compor a história, desde relatos de invasões da sua infância até o massacre da Família Manson, um dos assassinatos mais bárbaros da história. Nesses casos, considero chamar a obra de "baseada em fatos" uma artimanha um pouco enganosa.
A propaganda não mente, é verdade, no entanto a história não é única o suficiente para receber tal rótulo. Se for por isso, "Halloween: A Noite do Terror" (1978) também é baseado em fatos, ou qualquer longa de terror em que o(s) vilão(ões) use(m) máscaras, como em "Os Estranhos". Todo filme, de alguma forma, se baseia em fatos - até mesmo um "Avatar" (2009) da vida possui a veia imperialista norte-americana em sua essência no argumento -; então, para poder levar a tagline a sério é preciso que a produção possua algo autêntico o suficiente para se destacar do resto. Mas nós somos seres movidos pelo real. Buscamos o que for concreto em absolutamente tudo.
Com o sucesso de "Os Estranhos", não demorou nem três meses para a continuação ser anunciada. Estou falando de agosto de 2008. Estamos em 2018. Dez longos anos separam os filmes, o que gerou grande antecipação ao redor da sequência, finalmente vendo a luz do dia na telona. E em "Os Estranhos: Caçada Noturna" acompanhamos uma família que, antes de deixar a filha rebelde numa escola interna, decide passar um tempo justamente no mesmo local onde os três mascarados estão fazendo sua caçada.
The end. Os 85 minutos de duração são feitos disso. O mote principal de uma produção como "Os Estranhos" é a matança, a tensão, o gore, todavia, para que isso tenha relevância na tela, a plateia deve se apegar às presas, caso contrário suas mortes serão banais. A família em questão gira em torno de Kinsey (Bailee Madison), a caçula rebelde que está sendo mandada pro internato. Com uma pegada meio gótica, ela é o clichê da aborrecente que detesta os pais. Ela só consegue ter uma relação minimamente funcional com seu irmão, Luke (Lewis Pullman) - e digo "minimamente" porque, apesar de manterem um diálogo, trocam ofensas a todo momento.
O roteiro não explora o que aconteceu entre aquelas pessoas para Kinsey terminar quase sendo "banida". Há uma cena em específico onde ela e a mãe, Cindy (Christina Hendricks), rapidamente conversam sobre os eventos passados, deixando claro que algo grave ocorreu, sem jamais entregar respostas. O que o texto entrega da situação é basicamente o que lemos na premissa, e nada além.
E nem só no terror isso ocorre: em qualquer gênero é primordial o desenvolvimento dos personagens - sejam eles pessoas, animais, eventos, o que for. Sem esse trabalho narrativo, o público não liga para o que acontece com eles, o que derruba a obra. E "Caçada Noturna" começa sendo derrubado aqui mesmo. Os lugares-comuns das personalidades unidos com a falta de aprofundamento transforma os personagens em ovelhas prontas para o abatedouro, e não damos a mínima para isso.
E, 10 anos depois, os três mascarados - apelidados de "Homem Mascarado", "Garota Pin-Up" e "Cara de Boneca", não assustam mais. Esse é um comum problema: quando a obra já nasce datada. Demorou demais para que a saga dos três continuasse, então seu impacto foi diluído pelo principal rival de qualquer arte: o tempo. Há um aparato de motivação que funciona à duras penas, todavia, dentro de toda a gama do gênero, é banal demais um grupo de pessoas que mata por matar, ou, como um dos vilões responde ao ser questionado o porquê de estar fazendo aquilo, "por que não?".
Então de um lado temos as vítimas sem desenvolvimento e, do outro, os vilões sem motivações palpáveis. Não nos importamos pelo destino de personagem algum. O que sobra? A tentativa de construir uma atmosfera. As locações escolhidas para a caçada são deveras acertadas, rendendo passagens com belíssima fotografia que alia a escuridão com luzes foscas e uma neblina tão característica do terror, mas a direção perde grandes oportunidades de orquestrar uma mise-en-scène aterrorizante.
A maior parte dos planos do filme são abertos, mostrando bastante a dimensão do local onde os personagens se encontram. Os vilões possuem quase uma áurea de onipresença, então imagine o quão divertidamente assustador não seria se, enquanto os mocinhos correm desesperados, houvesse um dos assassinos imóveis ao fundo da tela, apenas observando. São detalhes como esses que ajudam o espectador a ingerir o clima de austeridade, como se não houvesse escapatória.
Mas nenhum erro é tão elementar, principalmente entre o terror, que transformar seus personagens em completos idiotas - e, nesse departamento, "Os Estranhos" entende bem, sendo burro desde o primeiro longa. Há diversas escolhas absolutamente imbecis por parte das presas, como, percebendo haver algo de errado, saírem correndo e deixando TODOS os celulares para trás, para serem destruídos pelos vilões sem dificuldades. Não satisfeitos com essa e todas as burradas, há duas chances em que, armados, os personagens podem matar os assassinos e... não o fazem. Você está de frente com a pessoa que matou sua família e não piscará antes de te matar, há uma arma apontada para ela e o que você faz? Nada. Vira as costas e vai embora, para voltar a ser caçado em questão de minutos.
Se posso colocar algum smile feliz na ficha da obra é saber jogar com a imprevisibilidade em relação ao destino dos personagens - ou melhor, quem vai morrer antes de quem. O maior spoiler desse texto encontra-se nesse parágrafo - apesar do acontecimento ocorrer bem cedo na película -, então, caso você seja daqueles alérgicos a detalhes mais fundos, pule pro próximo parágrafo. O roteiro melhor constrói a personagem da mãe, uma mulher que, diante de situações extremas com a filha, aceita acabar com as economias da família em nome da harmonia, e é surpreendente que ela seja a primeira a morrer. Com cara de mocinha que sobrevive depois de muito apanhar, a fita joga toda a expectativa no lixo e mata a matriarca rapidamente, o que é uma escolha esperta. Além disso, é bom pontuar a deliciosa cena no clímax em referência a "O Massacre da Serra Elétrica" (1974), o melhor momento do longa.
Produto perfeito do cinema de terror fast-food, "Os Estranhos: Caçada Noturna" representa todo um mercado lucrativo de preguiça criativa que jamais deixará de ser produzido, visto o alto número de consumidores - a produção já arrecadou cerca de 6X do seu custo. Enquanto o primeiro explora melhor a ambientação em prol do suspense, "Caçada Noturna" não dá a mínima para a atmosfera e prefere cair de cabeça num gore fraquíssimo e sem propósito, excluindo toda a veia de comédia sádica dos vilões e abraçando os gritos das vítimas, cada vez mais imbecilóides. E olha que o original já era ruim.