Em todo post com listas de melhores do ano, eu falo o quão rápido o ano em questão está passando ou passou, mas não é esse um clichê verdadeiro? 2018 mal começou e já mandou embora seis meses, o que me faz ligar os alertas para o último semestre e a briga pesada para sabermos qual será o filme do ano e que sucederá “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, o #1 de 2017 aqui do Cinematofagia.
Então, antes de chegarmos na lista de dezembro, venho por meio desta elencar quais são os 20 melhores nomes da Sétima Arte ao redor do mundo na primeira metade do ano para o Cinematofagia. Ao invés de escolher apenas 10 como faço na lista de junho, o presente ano está tão lindo para o Cinema que decidi colocar logo 20 cristais para gritarmos “esse filme é meeeeeu” – e fui obrigado a deixar de fora alguns nomes sensacionais – que aparecerão na lista definitiva de fim de ano.
Como sempre aponto, a lista contém filmes com lançamentos no Brasil em 2018 (cinemas, Netflix e afins) ou disponíveis no ano corrente sem data de lançamento nacional prevista (ou seja, chegou à internet e não possui previsão de lançamento até o fechamento da lista). Não se preocupe que o post é sem spoilers, você pode ler sobre os filmes que ainda não assistiu sem medo – e correr para assisti-los, claro. Para conhecer mais, é só clicar nas críticas disponíveis, linkadas nos respectivos nomes.
Quando Gunnar recebe uma ligação de seu ex namorado, Einar, ele larga o atual namorado no meio da madrugada para encontrar o ex. Na estranha ligação, Einar, aparentemente bêbado, diz estar sentindo que há outra pessoa dentro de sua casa, o que preocupa Gunnar. “Crepúsculo” – má escolha de título nacional, podendo ter tido a tradução do título internacional, “A Fenda” – é um introspectivo e misterioso filme islandês que nos aprofunda na conturbada relação do casal enquanto instaura uma atmosfera inquietante de que há, de fato, algo errado ali. Dono de uma das cenas mais geladoras de espinha do ano – a da GoPro, “Crepúsculo” é a prova irrefutável de que quebrar a regra nº 1 da Dua Lipa é uma péssima ideia.
Haneke já presentou a humanidade com obras-primas imaculadas – do clássico “A Fita Branca” ao premiadíssimo “Amour”, vencedor do Oscar. “Final Feliz” é a continuação de “Amour”, porém com uma história bem diferente – apenas os personagens são os mesmos. O longa já começa mostrando a que veio ao se passar na tela de um celular, transmitindo imagens ao vivo sobre uma vingança doméstica. Uma ode à incomunicabilidade, Haneke dá uma nova faceta aos trâmites do filme anterior ao inserir seus personagens na contemporânea realidade tecnológica, onde todos desaprenderam a conversar organicamente pela praticidade do celular. Frio, irônico e brilhante. O momento final é o encapsulamento da banalidade da nossa era, que enxerga, reage e vive por trás de celulares.
Num mundo onde aliens assassinos estão no topo da cadeia alimentar, os humanos forçadamente aprenderam a viver no silêncio, afinal, as criaturas se direcionam por meio da audição aguçadíssima que possuem. "Um Lugar Silencioso" é uma pérola a integrar o panteão dos bons nomes do terror moderno (e deixar a plateia respirando com o menor ruído possível), possuindo personalidade, autenticidade e várias cenas icônicas no tempo do terror fastfood. Sua composição não é original, de fato, mas sua realização encontra demasiado sucesso pela expertise das partes, desde a direção corretíssima de John Krasinski até a atmosfera, tão única ao termos um horror sem personagens berrando. Terror pipoca de primeira qualidade para agradar gregos e troianos e revelar o quão barulhento é viver.
Ficção científica indie e bem desconhecida, “Portal Negro” necessita sair do anonimato ao unir suspense com uma realidade para “Black Mirror” nenhum botar defeito. Somos enclausurados numa casa futurista sem sabermos onde estamos – nem quando –, enquanto os estranhos personagens nos tornam cúmplices da trama, mudada irremediavelmente depois que a protagonista encontra um enorme cubo negro na floresta ao lado de casa. Brincando de maneira engenhosa com linhas temporais e a expectativa da plateia, o longa espanhol – mas falado em inglês – é instigante e fotografado de maneira estupenda – como conseguiram fazer aquela casa, é um mistério. No fim das contas, devemos fazer o certo quando temos a oportunidade.
O cinema nacional infelizmente tende a cair na repetição, então "As Boas Maneiras" joga todos os arquétipos dos nossos clichês pela janela para dar lugar a uma trama incomum e com muito frescor ao juntar terror com fantasia. Essa fábula urbana é um trabalho de gênero notório que demonstra sem titubear o quanto possuímos criatividade para sairmos da mesmice, entregando mercadorias cinematográficas aquém de nenhum lugar. Mesmo indo longe demais para uma plateia mais comercial, "As Boas Maneiras" é um louvor em concepção e realização, com um gore pontual que mostra que o sangue é verde e amarelo nesse bizarro filme sobre uma mulher lésbica que tem a vida mudada por um bebê lobisomem.
Sendo a quinta mulher na história a ser indicada ao Oscar de “Melhor Direção”, Greta faz seu manifesto de amor à sua cidade e as dores e delícias de crescer. É inevitável a sensação de familiaridade com toda a trama, todavia, além de esperarmos histórias novas, o cinema é fonte de renovação constante das histórias já contadas. O que Gerwig faz é tão difícil quanto bolar algo inédito: transformar em interessante, genuíno e sincero um produto repetido, sem cair no artificialismo. "Lady Bird " pode não ser original, mas consegue ter força pela linda união das partes, numa obra aconchegante sobre seres humanos reais que estão constantemente à procura de si mesmos - árdua tarefa que todos nós enfrentamos.
Zumbis estão presentes na cultura pop há gerações, tendo seu ápice na modernidade com a série “The Walking Dead”. Seja com abordagens voltadas ao gore – como em “Madrugada dos Mortos” – ou à comédia – vide “Zumbilândia” –, nenhum vence “Os Famintos” na categoria que basicamente não é explorada em gêneros fantásticos: o realismo. Como seria o mundo se, de fato, zumbis tomassem conta? Esse é o pontapé da produção, que, apesar de inevitavelmente carregar traços de terror, é, acima de tudo, uma produção dramática. Narcotizante, tenso e climático, “Os Famintos” é conquista notável como trabalho de gênero – e aqui você pode, sem medo, falar “olha essa fotografia fa-bu-lo-sa!”.
Duas distantes colegas de escola se reencontram anos depois. Uma é rica e vive sob a redoma da mulher perfeita – mesmo ainda sendo uma adolescente; a outra é uma sociopata, mas não no sentido de ser uma assassina, e sim de não possuir sentimentos. Ela não consegue sentir tristeza ou alegria, empatia ou saudade, e essa união vai acabar desencadeando as mais insanas situações. “Sangue Puro” tinha tudo para dar errado – a cara de filme teen que quer ser polêmico é a primeira impressão –, entretanto, de uma maneira muito absurda, é um sucesso sem precedentes. Com atuações geniais de Olivia Cooke e Anya Taylor-Joy, o longa é a fusão imprevisível de “Garotas Malvadas” com “Psicopata Americano”, e possui um dos roteiros mais anárquicos e hilários do ano. Estudo de personagens como poucos em 2018.
Cinebiografia de Tonya Harding, patinadora envolvida num dos maiores escândalos esportivos dos EUA. O grande acerto de “Eu, Tonya” é jamais se limitar a dar o básico, nadando em um mar de criatividade nos aspectos que possuam flexibilidade para fugir do óbvio e entregar um produto que se destaque. Com uma montagem alucinante, trilha sonora energética e sequências de patinação de tirar o fôlego – mesmo com o fraco CGI. “Eu, Tonya” nada mais é do que uma épica luta de braço entre Margot Robbie e Allison Janney (merecidíssima vencedora do Oscar pelo papel), nesse retrato irônico e violentamente emocionante sobre a criação de ídolos e como a verdade é um volátil porto-seguro que pode significar nada para você.
Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2017 e indicado ao Oscar 2018 de “Melhor Filme Estrangeiro”, “A Arte da Discórdia” é, colocando em uma só palavra, desconcertante. Não, ele não trata de pesados temas ou possui cenas difíceis de engolir, e sim traz debates emoldurados da forma mais sarcástica possível. Discutindo o que diabos é arte, tudo começa dentro de um luxuoso museu que planeja uma campanha para a nova instalação e, graças a um roubo, tudo vai por água baixo. Desconfortável, estranho e divertidíssimo, Östlund nos obriga a vivenciar as loucas situações, em que não sabemos se rimos ou se queremos que acabe logo, sem perder a mão nas críticas pungentes para o pedantismo da burguesia e a crise de refugiados europeia – e tem Elisabeth Moss.
Se você gostou de “Relatos Selvagens”, vai ter a epiderme arrepiada por “A Sombra da Árvore”. Duas famílias vizinhas começam uma verdadeira guerra devido a sombra da árvore de uma bater no quintal da outra (!). Assim como a obra-prima argentina, “A Sombra da Árvore”, selecionado islandês ao Oscar 2018, disseca acidamente a falta de comunicabilidade do homem moderno e como estamos no limite da sanidade ao esbarrarmos na fronteira do outro. Mas claro que os personagens aqui não estão abertos para diálogos, preferindo entrarem num inacreditável jogo de xadrez onde cada movimento é mais tresloucado que o anterior.
Boicotado por manifestações homofóbicas, "Os Iniciados" caiu nos braços da crítica tanto pela repressão escancarada que sofreu quanto pela qualidade ao retratar um amor gay batendo de frente com tradições africanas. Um dos melhores e mais relevantes retratos da masculinidade tóxica que o cinema já viu, "Os Iniciados" é película primordial para citarmos nossos próprios privilégios ao passo que os notamos: vivemos num corpo social que permite liberdade das amarras do patriarcado em vários níveis, enquanto naquele meio do filme não há escapatória. Esse "Moonlight" versão africana, que foi semifinalista ao Oscar 2018, se diferencia da fatia gay no cinema ao trazer grande e valioso reforço cultural para compor suas situações, encurralando seus personagens, encarcerados em tradições tóxicas que oprimem e rendem discussões fortes, cruas e urgentes no ecrã.
Um professor é acusado de assediar um dos seus alunos. Ao invés de levar o caso aos órgãos responsáveis, a mãe do garoto opta pelos júris da contemporaneidade: os grupos de WhatsApp, que condenam imediatamente o professor. "Aos Teus Olhos" é um acerto atual que se utiliza de tratamento quase documental para entrar na esfera do debate, função seminal da Sétima Arte. O longa de Jabor espertamente não está interessado em dar o veredito final sobre o professor – jamais sabemos se ele é culpado ou não –, deixando nas mãos da plateia o voto final pela dinâmica imposta da turba que se forma pelas redes sociais. Isso denuncia que, no momento em que as opiniões das pessoas se tornam notícias e, consequentemente, verdades, estamos com legítimas armas em formato de smartphones. As novas tecnologias cada vez mais deturpando o conceito secular de justiça pelo seu mau uso.
Um casal à beira do divórcio nutre ódio mútuo que torna a mera aproximação insustentável. Sobra para o filho deles, esquecido e renegado, já que os pais estão ocupados demais se odiando. Quando o menino foge e desaparece (após uma das cenas mais devastadoras do ano – a da porta), eles terão que se aturar para achar a criança. Depois de estudar seu país com “Leviatã”, Zvyagintsev estuda uma situação extrema e costura seus personagens de maneira homeopática, construindo uma trama universalmente afiada que consegue tirar a fé do espectador pelos momentos frios e egoístas do homem. “Sem Amor” é nome absoluto do que há de melhor da misantropia na Sétima Arte. Demos tão errado assim?
Em boa parte da duração, parece que "Hereditário" se contentará em ser um filme que, ao invés de produzir medo, vai explanar acerca do seu impacto sobre o ser humano, o que é concreto até chegarmos ao clímax, um pesadelo assustador na tela que não mede limites para catapultar o espectador no meio do pandemônio instaurado. Tudo é milimetricamente justificável, e, por isso, ainda mais aterrador e impactante, parindo diante dos nossos olhos um dos melhores finais da história do cinema de terror – soando ainda mais delicioso quando percebemos que “Hereditário” é o trabalho de estreia de Ari Aster, logo num gênero tão difícil. Daqueles filmes fundamentais não só para o terror como também para o Cinema. "O Exorcista" finalmente encontrou seu filhote no novo século.
A iconicidade de “Três Anúncios” precede sua qualidade: dos memes com os anúncios da fita até seu uso real em manifestações, o longa não é apenas uma obra-prima pela sua fortíssima realização, é o filme certo na hora certa. Nessa onda feminina de denúncias contra abusos, acompanhar a luta de uma mãe em busca de justiça pela morte da filha é a história que precisávamos ver. Um dos mais originais e bem escritos roteiros da década – que venceu o Globo de Ouro –, “Três Anúncios” deixa chover sarcasmo para apontar o dedo na cara da hipocrisia, do ódio e de como caminhamos sob uma estrutura aparentemente sem conserto. Com seus personagens escancaradamente conturbados e situações ácidas, temos em mãos uma produção atemporal - ou você acha que Frances McDormand, vencedora do Oscar pelo papel, virando caçadora de estuprador e colocando todos os homens ao redor em seus devidos lugares não será um clássico?
Se você já conhece o cinema de Lanthimos, sabe o quão peculiar ele é. Famoso e aclamado por suas histórias absurdas – “Dente Canino”, “Alpes” e “O Lagosta” –, o diretor usa do estranho para metralhar críticas. "O Sacrifício do Cervo Sagrado" não visa tecer críticas sociais tão evidentes; a obra prefere compor uma família disfuncional que só percebe suas falhas quando pressionada diante de uma situação extrema: uma maldição que ameaça matar um a um. Caminhando sobre o gênero suspense, o longa é para deixar qualquer um zonzo pela construção do universo particular e imperdível do diretor e o quão fora do normal são seus personagens, inseridos em cenas involuntariamente cômicas pelo teor de bizarrice. Não há amor familiar maior do que o de "Cervo Sagrado", disso podemos ter certeza.
Se “Os Iniciados” é a exposição de tradições masculinas africanas, “Eu Não Sou Uma Feiticeira” é sobre ritos femininos no continente, mais precisamente a cultura da bruxaria. Obra fundamentalmente sobre mais uma exploração feminina sob gananciosas mãos do homem, dessa vez temos um contexto inédito no cinema, o que a faz ainda mais relevante. O plano de fundo da produção pode extrapolar as tradições africanas e se encaixar em diversos modos de tratamento rebaixador e degradante que a figura da mulher passa em diversas sociedades até presente momento. Documento cultural necessário e visualmente espetacular, "Eu Não Sou Uma Feiticeira" é realização cinematográfica que se apropria do status de "obra-prima".
O mais novo vencedor do Oscar de “Melhor Filme” – e um dos mais merecidos títulos da década, “A Forma da Água” é uma triunfal realização ao dar veracidade a um dos amores mais estranhos já feitos no Cinema. Reavendo um período clássico da Sétima Arte, a produção tanto homenageia uma época como distorce padrões ao usar estereótipos em prol de discussões sociais importantes. Milagre visual com um dos finais mais violentamente arrebatadores do ano, eis uma fita sobre excluídos, marginalizados e sem voz. Quando os mocinhos são uma trupe formada por uma mulher muda, uma negra, um homem gay e uma criatura anfíbia da Amazônia, enquanto o vilão é o homem branco americano, é a conclusão de que Del Toro fez um filme político de forma mágica e encantadora. “Incapaz de distinguir sua forma, eu te encontrei todo ao meu redor”.
Quase que completamente esnobado na temporada de premiações – concorreu a apenas UM Oscar –, “Projeto Flórida” é o maior milagre em audiovisual de 2018 (até agora). Contado através da ótica das crianças, a produção é o retrato agridoce de uma fatia esmagada à margem e varrida para debaixo do tapete: a nova geração de sem tetos. Carregado pela, talvez, melhor performance do ano – de Brooklynn Prince, que tinha SEIS anos durante as filmagens –, seguimos os pequenos criando seus contos de fada para burlarem aquela precária condição, culminando num dos finais mais puros e desoladores já colocados na tela do Cinema. O contraste entre o realismo sufocante que impera sobre os personagens e a magia intoxicante do reino privado moldado pelas crianças é recibo do quão poderoso é esse singelo filme, narrativamente único e esteticamente fabuloso.
Então, antes de chegarmos na lista de dezembro, venho por meio desta elencar quais são os 20 melhores nomes da Sétima Arte ao redor do mundo na primeira metade do ano para o Cinematofagia. Ao invés de escolher apenas 10 como faço na lista de junho, o presente ano está tão lindo para o Cinema que decidi colocar logo 20 cristais para gritarmos “esse filme é meeeeeu” – e fui obrigado a deixar de fora alguns nomes sensacionais – que aparecerão na lista definitiva de fim de ano.
Como sempre aponto, a lista contém filmes com lançamentos no Brasil em 2018 (cinemas, Netflix e afins) ou disponíveis no ano corrente sem data de lançamento nacional prevista (ou seja, chegou à internet e não possui previsão de lançamento até o fechamento da lista). Não se preocupe que o post é sem spoilers, você pode ler sobre os filmes que ainda não assistiu sem medo – e correr para assisti-los, claro. Para conhecer mais, é só clicar nas críticas disponíveis, linkadas nos respectivos nomes.
#20 Crepúsculo (Rökkur)
Direção de: Erlingur Thoroddsen, Islândia.Quando Gunnar recebe uma ligação de seu ex namorado, Einar, ele larga o atual namorado no meio da madrugada para encontrar o ex. Na estranha ligação, Einar, aparentemente bêbado, diz estar sentindo que há outra pessoa dentro de sua casa, o que preocupa Gunnar. “Crepúsculo” – má escolha de título nacional, podendo ter tido a tradução do título internacional, “A Fenda” – é um introspectivo e misterioso filme islandês que nos aprofunda na conturbada relação do casal enquanto instaura uma atmosfera inquietante de que há, de fato, algo errado ali. Dono de uma das cenas mais geladoras de espinha do ano – a da GoPro, “Crepúsculo” é a prova irrefutável de que quebrar a regra nº 1 da Dua Lipa é uma péssima ideia.
#19 Final Feliz (Happy End)
Direção de: Michael Haneke, Áustria/França.Haneke já presentou a humanidade com obras-primas imaculadas – do clássico “A Fita Branca” ao premiadíssimo “Amour”, vencedor do Oscar. “Final Feliz” é a continuação de “Amour”, porém com uma história bem diferente – apenas os personagens são os mesmos. O longa já começa mostrando a que veio ao se passar na tela de um celular, transmitindo imagens ao vivo sobre uma vingança doméstica. Uma ode à incomunicabilidade, Haneke dá uma nova faceta aos trâmites do filme anterior ao inserir seus personagens na contemporânea realidade tecnológica, onde todos desaprenderam a conversar organicamente pela praticidade do celular. Frio, irônico e brilhante. O momento final é o encapsulamento da banalidade da nossa era, que enxerga, reage e vive por trás de celulares.
#18 Um Lugar Silencioso (A Quiet Place)
Direção de: John Krasinski, EUA.Num mundo onde aliens assassinos estão no topo da cadeia alimentar, os humanos forçadamente aprenderam a viver no silêncio, afinal, as criaturas se direcionam por meio da audição aguçadíssima que possuem. "Um Lugar Silencioso" é uma pérola a integrar o panteão dos bons nomes do terror moderno (e deixar a plateia respirando com o menor ruído possível), possuindo personalidade, autenticidade e várias cenas icônicas no tempo do terror fastfood. Sua composição não é original, de fato, mas sua realização encontra demasiado sucesso pela expertise das partes, desde a direção corretíssima de John Krasinski até a atmosfera, tão única ao termos um horror sem personagens berrando. Terror pipoca de primeira qualidade para agradar gregos e troianos e revelar o quão barulhento é viver.
#17 Portal Negro (Black Hollow Cage)
Direção de: Sadrac González, Espanha.Ficção científica indie e bem desconhecida, “Portal Negro” necessita sair do anonimato ao unir suspense com uma realidade para “Black Mirror” nenhum botar defeito. Somos enclausurados numa casa futurista sem sabermos onde estamos – nem quando –, enquanto os estranhos personagens nos tornam cúmplices da trama, mudada irremediavelmente depois que a protagonista encontra um enorme cubo negro na floresta ao lado de casa. Brincando de maneira engenhosa com linhas temporais e a expectativa da plateia, o longa espanhol – mas falado em inglês – é instigante e fotografado de maneira estupenda – como conseguiram fazer aquela casa, é um mistério. No fim das contas, devemos fazer o certo quando temos a oportunidade.
#16 As Boas Maneiras (idem)
Direção de Juliana Rojas & Marco Dutra, Brasil.O cinema nacional infelizmente tende a cair na repetição, então "As Boas Maneiras" joga todos os arquétipos dos nossos clichês pela janela para dar lugar a uma trama incomum e com muito frescor ao juntar terror com fantasia. Essa fábula urbana é um trabalho de gênero notório que demonstra sem titubear o quanto possuímos criatividade para sairmos da mesmice, entregando mercadorias cinematográficas aquém de nenhum lugar. Mesmo indo longe demais para uma plateia mais comercial, "As Boas Maneiras" é um louvor em concepção e realização, com um gore pontual que mostra que o sangue é verde e amarelo nesse bizarro filme sobre uma mulher lésbica que tem a vida mudada por um bebê lobisomem.
#15 Lady Bird: A Hora de Voar (Lady Bird)
Direção de: Greta Gerwig, EUA.Sendo a quinta mulher na história a ser indicada ao Oscar de “Melhor Direção”, Greta faz seu manifesto de amor à sua cidade e as dores e delícias de crescer. É inevitável a sensação de familiaridade com toda a trama, todavia, além de esperarmos histórias novas, o cinema é fonte de renovação constante das histórias já contadas. O que Gerwig faz é tão difícil quanto bolar algo inédito: transformar em interessante, genuíno e sincero um produto repetido, sem cair no artificialismo. "Lady Bird " pode não ser original, mas consegue ter força pela linda união das partes, numa obra aconchegante sobre seres humanos reais que estão constantemente à procura de si mesmos - árdua tarefa que todos nós enfrentamos.
#14 Os Famintos (Les Affamés)
Direção de: Robin Aubert, Canadá.Zumbis estão presentes na cultura pop há gerações, tendo seu ápice na modernidade com a série “The Walking Dead”. Seja com abordagens voltadas ao gore – como em “Madrugada dos Mortos” – ou à comédia – vide “Zumbilândia” –, nenhum vence “Os Famintos” na categoria que basicamente não é explorada em gêneros fantásticos: o realismo. Como seria o mundo se, de fato, zumbis tomassem conta? Esse é o pontapé da produção, que, apesar de inevitavelmente carregar traços de terror, é, acima de tudo, uma produção dramática. Narcotizante, tenso e climático, “Os Famintos” é conquista notável como trabalho de gênero – e aqui você pode, sem medo, falar “olha essa fotografia fa-bu-lo-sa!”.
#13 Sangue Puro (Thoroughbreds)
Direção de: Cory Finley, EUA.Duas distantes colegas de escola se reencontram anos depois. Uma é rica e vive sob a redoma da mulher perfeita – mesmo ainda sendo uma adolescente; a outra é uma sociopata, mas não no sentido de ser uma assassina, e sim de não possuir sentimentos. Ela não consegue sentir tristeza ou alegria, empatia ou saudade, e essa união vai acabar desencadeando as mais insanas situações. “Sangue Puro” tinha tudo para dar errado – a cara de filme teen que quer ser polêmico é a primeira impressão –, entretanto, de uma maneira muito absurda, é um sucesso sem precedentes. Com atuações geniais de Olivia Cooke e Anya Taylor-Joy, o longa é a fusão imprevisível de “Garotas Malvadas” com “Psicopata Americano”, e possui um dos roteiros mais anárquicos e hilários do ano. Estudo de personagens como poucos em 2018.
#12 Eu, Tonya (I, Tonya)
Direção de: Craig Gillespie, EUA.Cinebiografia de Tonya Harding, patinadora envolvida num dos maiores escândalos esportivos dos EUA. O grande acerto de “Eu, Tonya” é jamais se limitar a dar o básico, nadando em um mar de criatividade nos aspectos que possuam flexibilidade para fugir do óbvio e entregar um produto que se destaque. Com uma montagem alucinante, trilha sonora energética e sequências de patinação de tirar o fôlego – mesmo com o fraco CGI. “Eu, Tonya” nada mais é do que uma épica luta de braço entre Margot Robbie e Allison Janney (merecidíssima vencedora do Oscar pelo papel), nesse retrato irônico e violentamente emocionante sobre a criação de ídolos e como a verdade é um volátil porto-seguro que pode significar nada para você.
#11 A Arte da Discórdia (The Square)
Direção de: Ruben Östlund, Suécia/Dinamarca.Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2017 e indicado ao Oscar 2018 de “Melhor Filme Estrangeiro”, “A Arte da Discórdia” é, colocando em uma só palavra, desconcertante. Não, ele não trata de pesados temas ou possui cenas difíceis de engolir, e sim traz debates emoldurados da forma mais sarcástica possível. Discutindo o que diabos é arte, tudo começa dentro de um luxuoso museu que planeja uma campanha para a nova instalação e, graças a um roubo, tudo vai por água baixo. Desconfortável, estranho e divertidíssimo, Östlund nos obriga a vivenciar as loucas situações, em que não sabemos se rimos ou se queremos que acabe logo, sem perder a mão nas críticas pungentes para o pedantismo da burguesia e a crise de refugiados europeia – e tem Elisabeth Moss.
#10 A Sombra da Árvore (Undir Trénu)
Direção de: Hafsteinn Gunnar Sigurðsson, Islândia.Se você gostou de “Relatos Selvagens”, vai ter a epiderme arrepiada por “A Sombra da Árvore”. Duas famílias vizinhas começam uma verdadeira guerra devido a sombra da árvore de uma bater no quintal da outra (!). Assim como a obra-prima argentina, “A Sombra da Árvore”, selecionado islandês ao Oscar 2018, disseca acidamente a falta de comunicabilidade do homem moderno e como estamos no limite da sanidade ao esbarrarmos na fronteira do outro. Mas claro que os personagens aqui não estão abertos para diálogos, preferindo entrarem num inacreditável jogo de xadrez onde cada movimento é mais tresloucado que o anterior.
#9 Os Iniciados (Inxeba)
Direção de: John Trengove, África do Sul.Boicotado por manifestações homofóbicas, "Os Iniciados" caiu nos braços da crítica tanto pela repressão escancarada que sofreu quanto pela qualidade ao retratar um amor gay batendo de frente com tradições africanas. Um dos melhores e mais relevantes retratos da masculinidade tóxica que o cinema já viu, "Os Iniciados" é película primordial para citarmos nossos próprios privilégios ao passo que os notamos: vivemos num corpo social que permite liberdade das amarras do patriarcado em vários níveis, enquanto naquele meio do filme não há escapatória. Esse "Moonlight" versão africana, que foi semifinalista ao Oscar 2018, se diferencia da fatia gay no cinema ao trazer grande e valioso reforço cultural para compor suas situações, encurralando seus personagens, encarcerados em tradições tóxicas que oprimem e rendem discussões fortes, cruas e urgentes no ecrã.
#8 Aos Teus Olhos (idem)
Direção de: Carolina Jabor, Brasil.Um professor é acusado de assediar um dos seus alunos. Ao invés de levar o caso aos órgãos responsáveis, a mãe do garoto opta pelos júris da contemporaneidade: os grupos de WhatsApp, que condenam imediatamente o professor. "Aos Teus Olhos" é um acerto atual que se utiliza de tratamento quase documental para entrar na esfera do debate, função seminal da Sétima Arte. O longa de Jabor espertamente não está interessado em dar o veredito final sobre o professor – jamais sabemos se ele é culpado ou não –, deixando nas mãos da plateia o voto final pela dinâmica imposta da turba que se forma pelas redes sociais. Isso denuncia que, no momento em que as opiniões das pessoas se tornam notícias e, consequentemente, verdades, estamos com legítimas armas em formato de smartphones. As novas tecnologias cada vez mais deturpando o conceito secular de justiça pelo seu mau uso.
#7 Sem Amor (Nelyubov)
Direção de: Andrey Zvyagintsev, Rússia.Um casal à beira do divórcio nutre ódio mútuo que torna a mera aproximação insustentável. Sobra para o filho deles, esquecido e renegado, já que os pais estão ocupados demais se odiando. Quando o menino foge e desaparece (após uma das cenas mais devastadoras do ano – a da porta), eles terão que se aturar para achar a criança. Depois de estudar seu país com “Leviatã”, Zvyagintsev estuda uma situação extrema e costura seus personagens de maneira homeopática, construindo uma trama universalmente afiada que consegue tirar a fé do espectador pelos momentos frios e egoístas do homem. “Sem Amor” é nome absoluto do que há de melhor da misantropia na Sétima Arte. Demos tão errado assim?
#6 Hereditário (Hereditary)
Direção de: Ari Aster, EUA.Em boa parte da duração, parece que "Hereditário" se contentará em ser um filme que, ao invés de produzir medo, vai explanar acerca do seu impacto sobre o ser humano, o que é concreto até chegarmos ao clímax, um pesadelo assustador na tela que não mede limites para catapultar o espectador no meio do pandemônio instaurado. Tudo é milimetricamente justificável, e, por isso, ainda mais aterrador e impactante, parindo diante dos nossos olhos um dos melhores finais da história do cinema de terror – soando ainda mais delicioso quando percebemos que “Hereditário” é o trabalho de estreia de Ari Aster, logo num gênero tão difícil. Daqueles filmes fundamentais não só para o terror como também para o Cinema. "O Exorcista" finalmente encontrou seu filhote no novo século.
#5 Três Anúncios Para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri)
Direção de: Martin McDonagh, EUA.A iconicidade de “Três Anúncios” precede sua qualidade: dos memes com os anúncios da fita até seu uso real em manifestações, o longa não é apenas uma obra-prima pela sua fortíssima realização, é o filme certo na hora certa. Nessa onda feminina de denúncias contra abusos, acompanhar a luta de uma mãe em busca de justiça pela morte da filha é a história que precisávamos ver. Um dos mais originais e bem escritos roteiros da década – que venceu o Globo de Ouro –, “Três Anúncios” deixa chover sarcasmo para apontar o dedo na cara da hipocrisia, do ódio e de como caminhamos sob uma estrutura aparentemente sem conserto. Com seus personagens escancaradamente conturbados e situações ácidas, temos em mãos uma produção atemporal - ou você acha que Frances McDormand, vencedora do Oscar pelo papel, virando caçadora de estuprador e colocando todos os homens ao redor em seus devidos lugares não será um clássico?
#4 O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer)
Direção de: Yorgos Lanthimos, Reino Unido/Grécia.Se você já conhece o cinema de Lanthimos, sabe o quão peculiar ele é. Famoso e aclamado por suas histórias absurdas – “Dente Canino”, “Alpes” e “O Lagosta” –, o diretor usa do estranho para metralhar críticas. "O Sacrifício do Cervo Sagrado" não visa tecer críticas sociais tão evidentes; a obra prefere compor uma família disfuncional que só percebe suas falhas quando pressionada diante de uma situação extrema: uma maldição que ameaça matar um a um. Caminhando sobre o gênero suspense, o longa é para deixar qualquer um zonzo pela construção do universo particular e imperdível do diretor e o quão fora do normal são seus personagens, inseridos em cenas involuntariamente cômicas pelo teor de bizarrice. Não há amor familiar maior do que o de "Cervo Sagrado", disso podemos ter certeza.
#3 Eu Não Sou Uma Feiticeira (I Am Not A Witch)
Direção de: Rungano Nyoni, Zâmbia/Reino Unido.Se “Os Iniciados” é a exposição de tradições masculinas africanas, “Eu Não Sou Uma Feiticeira” é sobre ritos femininos no continente, mais precisamente a cultura da bruxaria. Obra fundamentalmente sobre mais uma exploração feminina sob gananciosas mãos do homem, dessa vez temos um contexto inédito no cinema, o que a faz ainda mais relevante. O plano de fundo da produção pode extrapolar as tradições africanas e se encaixar em diversos modos de tratamento rebaixador e degradante que a figura da mulher passa em diversas sociedades até presente momento. Documento cultural necessário e visualmente espetacular, "Eu Não Sou Uma Feiticeira" é realização cinematográfica que se apropria do status de "obra-prima".
#2 A Forma da Água (The Shape of Water)
Direção de: Guilhermo Del Toro, EUA.O mais novo vencedor do Oscar de “Melhor Filme” – e um dos mais merecidos títulos da década, “A Forma da Água” é uma triunfal realização ao dar veracidade a um dos amores mais estranhos já feitos no Cinema. Reavendo um período clássico da Sétima Arte, a produção tanto homenageia uma época como distorce padrões ao usar estereótipos em prol de discussões sociais importantes. Milagre visual com um dos finais mais violentamente arrebatadores do ano, eis uma fita sobre excluídos, marginalizados e sem voz. Quando os mocinhos são uma trupe formada por uma mulher muda, uma negra, um homem gay e uma criatura anfíbia da Amazônia, enquanto o vilão é o homem branco americano, é a conclusão de que Del Toro fez um filme político de forma mágica e encantadora. “Incapaz de distinguir sua forma, eu te encontrei todo ao meu redor”.
#1 Projeto Flórida (The Florida Project)
Direção de: Sean Baker, EUA.Quase que completamente esnobado na temporada de premiações – concorreu a apenas UM Oscar –, “Projeto Flórida” é o maior milagre em audiovisual de 2018 (até agora). Contado através da ótica das crianças, a produção é o retrato agridoce de uma fatia esmagada à margem e varrida para debaixo do tapete: a nova geração de sem tetos. Carregado pela, talvez, melhor performance do ano – de Brooklynn Prince, que tinha SEIS anos durante as filmagens –, seguimos os pequenos criando seus contos de fada para burlarem aquela precária condição, culminando num dos finais mais puros e desoladores já colocados na tela do Cinema. O contraste entre o realismo sufocante que impera sobre os personagens e a magia intoxicante do reino privado moldado pelas crianças é recibo do quão poderoso é esse singelo filme, narrativamente único e esteticamente fabuloso.
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2018 está de parabéns pelo nível incrível de filmes, e estamos falando só do primeiro semestre. Até a lista de fim de ano muitos outros nomes ainda aparecerão para garantir que nosso Cinema está vivíssimo. Mas então, qual seu filme favorito do ano até agora?
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