Depois da Parte 1 da minha lista com 10 filmes LGBTs dessa década para amarmos com todas as cores, recebi um chuva de comentários sobre milhares de nomes que ficaram de fora do corte final - o que é normal, não dá para abarcar tudo com apenas 10 posições. Mesmo não sendo feita por ordem de preferência, o alto número de comentários só me provou algo: estamos vivendo na melhor fase para o cinema LGBT na história.
Ano após ano temos recebido longas exemplares a tratarem das dores e amores do ser LGBT, o que é incrível. Desde "Moonlight" vencendo o Oscar de "Melhor Filme" até outros nomes figurando entre os melhores do século, a indústria está cada vez mais de olho e com cuidado na hora de escolher histórias dessa população - senão cai no jargão do "pink money" - cof cof, "A Garota Dinamarquesa", cof.
E pelas tensões políticas que todo o planeta está vivendo, celebrar esse cinema é de vital importância, porque muito mais do que entreter, esses filmes nos ajudar a resistir - e educar plateias sobre a diversidade. Sem mais delongas, aqui estão mais 10 filmes LGBTs para guardarmos no coração. A lista segue o mesmo esquema da Parte 1: sem ordem de preferência, apenas boas dicas entre famosos e desconhecidos, vencedores do grandes prêmios e pérolas anônimas. Vamos militar? Sempre.
A Criada (Ah-ga-ssi/The Handmaiden), 2016
Qual letra aborda? LB.
Uma garota é contratada para ser a criada de uma rica mulher, trancafiada pela tirania do tio. A tal mulher não sabe que a garota está planejando um golpe para por as mãos em sua herança, enquanto a garota também não sabe que vai se apaixonar pela mulher. Dizer que "A Criada" é um espetáculo visual deslumbrante é chover no molhado, mas algo impossível de não ser citado - uma rápida olhada no trailer já garante o arrebatamento. Melhor ainda é a forma que a trama é construída: vemos a mesma história duas vezes, partindo de pontos de vistas diferentes, que se unem no último ato. "A Criada" é um quebra-cabeças sensual e venenoso - como não concorreu ao Oscar de "Melhor Filme Estrangeiro"?
Pária (Pariah), 2011
Qual letra aborda? L.
Se "Moonlight" é o filme gay-negro definitivo da nossa geração, "Pária" assume o trono no cinema lésbico. A premissa é bem simples: Alike (nome muito perspicaz) tem 17, é uma garota negra e pobre do Brooklyn que luta contra os desejos internos, já que sua família religiosa ameaça acabar com sua paz. O que faz de "Pária" um sucesso é a maneira que entramos na vida da protagonista e como a diretora Dee Rees dá luz aos problemas da vida lésbica, negra e periférica. Chega a ser um crime como esse longa não recebe a atenção devida - principalmente com outros nomes bem inferiores sendo tão mais famosos. "Pária" se encaixa perfeitamente com "Moonlight" ao demonstrarem o poder social da Sétima Arte, dando voz aos marginalizados.
Gerontofilia (Gerontophilia), 2013
Qual letra aborda? GB.
Se "Pária" vem com um argumento simplista, "Gerontofilia" não dá a mínima para a discrição: um garoto larga a namorada quando descobre possuir forte atração por homens idosos. Quando sua mãe começa a trabalhar num asilo, ele conhece Peabody, um oitentão que se torna seu proibido namorado. Foi uma decisão correta do diretor Bruce La Bruce em retirar toda a sexualidade explícita da tela, algo sempre presente em seus filmes, para dar lugar aos pormenores do relacionamento - e as dificuldades das pessoas engolirem o relacionamento gay e interracial de um adolescente com um idoso. Um verdadeiro turbilhão de temas radicais ao mesmo tempo, a película retrata os acontecimentos de maneira terna, mesmo sem alcançar os grandes ares que poderia. Porém, só pela quebra da tranquila superfície de temas, "Gerontofilia" merece seu lugar ao sol.
No Caminho das Dunas (Noordzee Texas/North Sea Texas), 2011
Qual letra aborda? GB.
O belga "No Caminho das Dunas" segue duas fases da vida de Pim: quando ele é criança e adolescente. Ele já sabe, desde cedo, que possui forte atração pelo vizinho Gino, alguns anos mais velho. Com o desabrochar da puberdade, os dois desbravam os vales da sexualidade juntos, até que esse "juntos" seja cada vez mais íntimo. O longa não se dá ao trabalho de mostrar a construção da relação - ela já existe e a encontramos em processo - e nem possui os conflitos internos da sexualidade - Pim sempre se mostra confortável com o fato de ser gay -, preocupando-se em aproximar o público do imo da ligação. Mesmo com destinos previsíveis, é reconfortante assistir ao trabalho delicado e orgânico por trás (e pela frente) das câmeras de "No Caminho das Dunas".
Tomboy (idem), 2011
Qual letra aborda? T.
Cinema LGBT aliado com o coming of age é figura carimbada - os dois aparecem unidos em demasia. O que não satura esse casamento é a maneira única que cada florescimento de identidade, sexualidade e gênero é abordada. Em "Tomboy", bem no centro dessa equação, Laure aproveita a mudança de bairro para assumir uma nova persona: Michael, o garoto que sempre esteve dentro de si. A reviravolta da situação é ter uma menina se apaixonando por ele, que não sabe mais como manter a mentira. "Tomboy" é muito, mas muito mais que exímio filme trans, é uma viagem indescritível sobre a infância, posta no ecrã com um trato delicadíssimo - algo que não seria conseguido sem o corpo de atores mirins de cair o queixo. Não satisfeito, o longa escancara como crianças podem ser tão cruéis ao serem naturalizadas com a intolerância. EDUQUEM SEUS FILHOS A RESPEITAREM A DIVERSIDADE.
Quando se Tem 17 Anos (Quand on a 17 Ans/Being 17), 2016
Qual letra aborda? G.
Damien é um garoto branco que vive com a mãe, uma médica. Um dia ele é agredido por um outro garoto na escola, Tom, numa explosão que vai além do motivo principal: Damien é gay. Só que Tom também é. "Quando se Tem 17 Anos" passa longe do clichê casal-que-começa-se-odiando-e-termina-junto quando soterra a plateia com temas que caminham longe da superfície. Muito mais que a temática gay, a película discorre sobre o quão profunda é a rachadura da discrepância social. Tom é negro e adotado, tendo que trabalhar na fazenda do pai e se deslocando quilômetros até a escola, enquanto Damien é absolutamente privilegiado. A raiva do oprimido é externalizada de maneira errada, mas rende um texto pungente sobre a descoberta da sexualidade e morte da identidade imposta, dando espaço para discussões importantes como raça, família e instituições de poder.
Crepúsculo (Rökkur/The Rift), 2017
Qual letra aborda? G.
É raro vermos um longa LGBT que esteja fora da caixa drama-romance, e "Crepúsculo" é uma ótima exceção. O filme caminha sobre o suspense e o terror ao colocar um casal de ex-namorados numa casa no meio do nada. Enquanto discutem tanto o relacionamento terminado como as novas andanças de suas vidas, Gunnar percebe que há algo de errado em tudo ali. Desde sua fotografia estupenda até uma direção que usa os clichês do gênero para realizar uma obra competente, "Crepúsculo" consegue gelar a espinha com um clima austero e agoniante - há uma das cenas mais assustadoras do ano aqui. O filme pode não explicar todas as suas pontas, deixam o espectador nadar na subjetividade, no entanto algo é fato: a obra comprova que quebrar a regra #1 da Dua Lipa é uma péssima ideia.
Além das Montanhas (Dupa Dealuri/Beyond The Hills), 2012
Qual letra aborda? L.
Cristian Mungiu é um dos meus diretores contemporâneos favoritos - é dele uma das maiores obras-primas do século, "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias". O romeno, porém, nunca ganhou notoriedade fora da roda cinéfila, então aqui vai uma tentativa de "mainstremizar" seu cinema. "Além das Montanhas" leva a religião a um patamar além ao chocá-la com a vivência lésbica. Alina e Voichita se separam quando a última vai parar num monastério. Tencionando levar a mais-que-amiga de volta, Alina encontra uma mulher completamente diferente, submersa na opressiva realidade ortodoxa, que se volta rapidamente contra Alina: ela, por ser lésbica, é acusada de estar possuída pelo demônio. Mungiu mostra em meio a uma técnica primorosa até que ponto o fanatismo religioso pode deturpar a visão crítica do real e eleva a situação ao máximo, sem maquiagem, para revelar quais as suas consequências.
Thelma (idem), 2017
Qual letra aborda? L.
Se você acompanha as listas do Cinematofagia, já deve conhecer "Thelma" (é a terceira lista que o filme aparece, de nada, Joachim Trier). A obra é um conto sobrenatural de super-herói à moda norueguesa, com a personagem-título descobrindo seus poderes quando se apaixona perdidamente por uma colega de sala. Outro exemplar a discutir a vivência LGBT com a religião, "Thelma" é um expurgo das amarras sacras que enforcam a protagonista, libertando-se através de suas habilidades e do conturbado amor pela amiga. Recheado com simbolismos visuais arrebatadores - a cena em que Thelma engole uma cobra, representação da aceitação do desejo e do pecado -, o filme é uma fresca abordagem para o cinema LGBT e o encurralamento que essa população passa.
Um Estranho no Lago (Stranger by the Lake), 2013
Qual letra aborda? G.
O nome mais explícito da lista, "Um Estranho no Lago" se passa inteiramente numa praia de nudismo onde homossexuais vão para apreciar a vista, se é que você me entende. Franck é frequentador assíduo, tanto da praia como do bosque ao lado, usado para relações sexuais. Certa manhã ele conhece Michel, novato na área, sem saber do quão perigoso ele é. Alain Guiraudie trata do desejo pelo perigo de forma exemplar, inserindo-nos no universo daquele lago de forma escancarada e necessária para que sintamos na pele - e no resto do corpo - os dilemas de Franck em busca do que todo mundo quer: um amor. Suspense de primeira linha sobre tesão e tensão.
***
Mesmo com agora 20 nomes, quais os filmes LGBTs modernos que merecem destaque para que o mundo inteiro aclame? Como na primeira vez, podem jogar os comentários - se a obra for desconhecida, melhor ainda. E a Parte 3 vira realidade em breve.
Nenhum comentário
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.