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Crítica: solucionar o mistério de “Buscando” ilustra nossa solidão e exposição digital

Contado através de telas de notebook e celular, o filme é um acerto comercial e de diversidade
O terror provavelmente é o gênero que mais busca renovação de estilo entre todos da Sétima Arte. Isso se deve talvez pela maneira que o gênero é recebido: quase nunca é levado a sério. Um reflexo é que, nos 90 anos do Oscar, apenas UM terror venceu o prêmio de "Melhor Filme", "O Silêncio dos Inocentes", em 1992; e as indicações também são escassas, passando desde o clássico "O Exorcista" até o recente e badaladíssimo "Corra!" (2017). Ambos, pelo menos, venceram o prêmio de "Melhor Roteiro" - "Adaptado" e "Original", respectivamente.

A maior renovação estilística dos últimos tempos veio quando tiveram a brilhante ideia de colocar os found-footages na era da internet: o filme se passando inteiramente na tela de um computador. O formato ficou famoso com "Amizade Desfeita" (2014), mas engana-se quem pensa que este foi o pioneiro: "The Den" (2013) chegou primeiro - e fazendo muito melhor, inclusive.


O próximo a se aventurar na técnica é "Buscando..." (Searching), que não é um terror, e sim um suspense. O longa conta a história de David (John Cho), um aflito pai que usa todos os aparelhos tecnológicos à disposição para encontrar Margot (Michelle La), sua filha desaparecida. Completamente fotografado como se estivéssemos na tela de um notebook ou celular, o filme sai de aparelho em aparelho na corrida desesperada do pai para tentar descobrir o que realmente aconteceu ali.

É evidente que a técnica é o principal atrativo de "Buscando"; mesmo não possuindo o pioneirismo, o macete ainda permanece fresco o suficiente para não soar "mais um" - mas já estamos perto da saturação. Apesar de ser o que fará o público sentar diante da tela, o prato principal da película não é o formato, e sim sua trama. Os cinco primeiros minutos são dedicados para uma espécie de prólogo, resumindo com agilidade os acontecimentos que levaram até o presente momento.


A primeira imagem, ainda num Windows XP, é da família reunida tirando uma foto pela webcam. Rapidamente vemos o crescimento da pequena Margot até a morte de Pan (Sara Sohn), mãe da menina e esposa de David. Com uma doída trilha sonora, o prelúdio carrega diversas funções dentro da obra: tanto cimenta o psicológico da plateia como demonstra a rápida evolução tecnológica que sofremos nos últimos anos - só perceber o quanto mudamos de 10 anos para cá.

Após a morte de Pan, pai e filha acabam se distanciando pelo luto. É aqui que Margot desaparece sem deixar pistas aparentes. Com o auxílio da detetive Vick (Debra Messing), David deve juntar as peças para desvendar o mistério. O roteiro - co-escrito pelo diretor Aneesh Chaganty - convida o público a montar o grande quebra-cabeça que se torna o sumiço de Margot, ao invés de deixar o espectador de lado e desenrolar tudo sozinho. E esse efeito é nada fácil de ser conseguido, o que só fortalece a obra quando vemos que esse é o filme de estreia de Chaganty.

Apesar da maioria das peças só aparecerem com o decorrer da história, algumas são dadas antes mesmo de fazerem sentido. É claro que a narrativa faz de tudo para escondê-las e não estragar suas surpresas, todavia, com um olhar clínico você consegue perceber certos pontos antes da hora - para o bem ou para o mal. Se você não é desses que prefere ser levado pela condução e quer estar um passo à frente da história, é só prestar atenção nas peças.


Quando Margot desaparece, o primeiro ímpeto de David é tentar falar com os amigos da filha, entretanto, ele percebe que conhece nenhum deles. Na era de relações formadas a partir de um clique, você tem ciência com quem as pessoas ao seu redor se relaciona? É o primeiro degrau que David sobe para descobrir o óbvio: ele não sabe quem é sua filha. A opção é entrar no notebook de Margot que, sim, foi convenientemente deixado para trás. Há uma facilidade que pode incomodar quando o pai consegue acesso a basicamente todas as redes sociais da garota, mas é fundamental para o andar da carruagem - ou alguém aí queria que David ligasse para o Google liberar a senha do e-mail da menina?

É a partir do momento que David descobre cada passo da filha pelo notebook que a ficha de uma das mais fortes morais de "Buscando" cai: nossas vidas estão expostas para quem tiver acesso à internet. O pai descobre uma Margot completamente diferente ao juntar os detalhes do Facebook, Instagram, Tumblr e qualquer site que ela frequentava - o quanto da sua vida você está alimentando nas redes sociais? Se as contas privadas ainda ofereciam algum conforto, essa ideia deve ser jogada no lixo. Não há barreiras, não há segredos quando estamos na rede mundial de computadores, efeito bem ilustrado quando David paga um site que dá o número de telefone de qualquer pessoa. Estamos à mercê de qualquer um com estímulo para procurar.


Talvez o texto crie uma impressão de que Margot vivia uma vida falsa na "realidade", no entanto, apesar de não discorrer com grande profundidade, o texto demonstra a solidão digital: quando nos enclausuramos no mundo tecnológico já que não conseguimos lidar com o mundo real - algo que o "Ingrid Vai Para o Oeste" (2017) explora muito bem. Margot não sabe conviver com o luto - assim como David -, e essa falta de trabalho perante a perda afasta ambos. "Buscando" então leva esse distanciamento a um nível além, usando de caminhos mais complexos para tecer as consequências desse afastamento.

Mesmo com todas essas análises sociais sendo incríveis, não dá para fugir: o que faz de "Buscando" um sucesso são suas idas e vindas. O roteiro é uma divertida viagem que atira na tela mentiras, dinheiro, jogos de interesse, drogas, conflitos e tudo o que faria Alfred Hitchcock tremer na base. A narrativa, auxiliada pela sensacional montagem, consegue ser elétrica e mudar os rumos da trama num piscar de olhos, transformando mocinhos em vilões sem que possamos nos preparar para os choques - e as reviravoltas são garantidas. É notável o uso de trilha sonora aqui, algo que tanto "The Den" quanto "Amizade Desfeita" abdicam a fim de dar mais crueza ao formato. Se por um lado a música retira a superfície lustrosa das telas falsas do ecrã, por outro é ferramenta efetiva na criação de tensão.

Montanha-russa em forma de cinema, "Buscando..." não é o primeiro nem o melhor filme a ser narrado pela tela de computadores - "The Den" ainda detém o posto -, contudo é uma sessão comercial que jamais deixa a qualidade cair em nome de uns trocados a mais. O longa pode soar datado com facilidade ao se apropriar de gadgets que sofrem atualização todos os dias, mas o presente é que "Buscando..." entrega mais do que prometia, com o bônus de ser o primeiro grande suspense blockbuster norte-americano a ser estrelado por um asiático. A obra não é uma revolução no gênero ou na arte, mas é um passo bem dado rumo à fomentação de outros nomes que aliem apelo público com apuro técnico e, claro, grande abre alas à diversidade nos maiores postos na indústria.

disqus, portalitpop-1

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