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Crítica: “Vice”, cópia ruim de “House of Cards”, e o espetáculo de homens brancos no poder

O filme sobre um vice-presidente perigoso que esperamos ver é o de Michel Temer
Indicado a 08 Oscars:
- Melhor Filme
- Melhor Direção
- Melhor Ator (Christian Bale)
- Melhor Atriz Coadjuvante (Amy Adams)
- Melhor Ator Coadjuvante (Sam Rockwell)
- Melhor Roteiro Original
- Melhor Montagem
- Melhor Cabelo & Maquiagem

Eu devo começar esse texto com uma confissão: só assisti a “Vice” graças à sua indicação ao Oscar de “Melhor Filme”. “Vice” é um molde cinematográfico que particularmente não me atrai: drama político norte-americano. Para a Academia, no entanto, a opinião é oposta: não pode ver um longa do tipo que já saem distribuindo indicações. Duvida? "The Post: A Guerra Secreta" em 2018, "Ponte dos Espiões" em 2016, "Lincoln" em 2013, e estou apontando apenas nessa década e apenas os que focam nos EUA - se abrir para outros países e colocar guerra no meio, a lista só aumenta.

“Vice” saiu com os bolsos cheios na 91ª edição: foram oito indicações, incluindo “Melhor Direção” e "Roteiro Original" para Adam McKay, “Ator” para Christian Bale e “Atriz Coadjuvante” para Amy Adams. Não foi uma surpresa, e você nem precisa assistir ao filme para entender os motivos do apreço da Academia.

A obra é mais uma cinebiografia indicada ao maior prêmio da indústria, e segue Dick Cheney (Bale), vice-presidente dos Estados Unidos. Ao lado de sua esposa, Lynne (Adams), vemos o desenrolar que levou o homem até a segunda maior cadeira do país. Oscar bait sim senhor.


Além do motivo citado anteriormente, minha falta de animação para a sessão foi devido ao próprio McKay, diretor que não gosto. “Vice” é uma repetição de estilo do filme anterior, “A Grande Jogada” (2015), que também se viu afogado em honrarias, vencendo um contestável Oscar de “Melhor Roteiro Adaptado”. Se não funcionou na primeira vez, não podia esperar um sucesso com o mesmo esquema.

“Vice” começa – e é conduzindo inteiramente – por narração, o problema número #1 da narrativa: ela fala o que está acontecendo ao invés de mostrar. Uma imagem vale mais que mil palavras, já dizem, e McKay tenta comprovar essa afirmação soltando mil palavras para compensar cada imagem. A narração, num saldo geral, serve para basicamente nada, já que nem sua função principal, dar ritmo ao longa, é realizada.

Com o empecilho de carregar um bilhão de diálogos, a montagem busca meios de contornar a verborragia, com cortes rápidos, metáforas visuais e letreiros gigantes. Mas a impressão de estarmos diante de um documentário acadêmico não consegue ser espantada. Essa é a deficiência clássica de cinebiografias do gênero: mais parecem aulas de História do que filmes.


Como comentei na crítica de “Bohemian Rhapsody”, quando o personagem central da cinebiografia não é tão conhecido, ela tende a atingir maior sucesso. Dick Cheney se enquadra aqui muito mais que Freddie Mercury, e “Vice” tem o cuidado de entrar na intimidade do protagonista e abordar lados que não estejam diretamente ligados à Casa Branca, afinal e inevitavelmente, a fita é uma abertura das portas do Olimpo político. Enquanto no mundo real comentamos como o filho da vizinha acabou de entrar na faculdade de Odontologia, lá, o comentário é como o filho do amigo já está concorrendo à presidência.

Não demora muito para notarmos que esses convites para estarmos nos corredores da casa de Cheney são ferramentas políticas de qualquer forma. Quando a trama de sua filha homossexual é introduzida, respirei de alívio; estava ali uma mina de ouro narrativa, todavia, a sexualidade da garota é moeda de troca dos jogos de influência do pai.

Isso soou familiar? “Vice” é uma emulação fracassada de “House of Cards”: seguimos o marido manipulando e se esgueirando entre o corpo político a fim de atingir o maior poder possível – até mesmo Lynne se assemelha com a representação de Claire Underwood. O personagem quebrando a quarta-parede e falando diretamente com o espectador? Sim, temos. O que separa as duas produções – em uma distância esmagadora – é que as ações e acontecimentos de Dick são chatíssimos.


Bale, indicado a mais um Oscar de “Melhor Ator”, está dentro do mesmo padrão do vencedor de 2018, Gary Oldman por “O Destino de Uma Nação”: performance sobre um político embaixo de quilos de maquiagem e enchimentos corporais. Seu trabalho é bem feito, entretanto, a persona de seu papel é monótona, apática e rasteira. Há muito mais interesse no papel de Amy Adams, mas nem mesmo ela é capaz de salvar o filme. Sam Rockwell, recém oscarizado pelo brilhante papel em “Três Anúncios Para um Crime” (2017), só entrou no bolo de indicados mais uma vez por dar vida a George Bush.

“Vice” é aquele filme majoritariamente masculino que tenta ser “cool” para os “parças”, com uma latente tentativa de humor – no meio do filme, os créditos finais começam a subir. Há diversas jogadas que se perdem em meio a tanto blá blá blá – quando aparece na tela que os protagonistas criam cachorros premiados, pensei que tudo estaria perdido; e a “culpa” é do roteiro e direção de McKay. Martin Scorsese usou o mesmo estilo com brilhantismo no divertido “O Lobo de Wall Street” (2013), que tem uma duração ainda maior que a de “Vice”. Há tantos acontecimentos, soterrados pela incessante narrativa, que acompanhar se torna uma tortura.

Nos inúmeros momentos em que meu cérebro se recusava a assimilar o que estava sendo dito, não conseguia imaginar alguém envolvido na produção se divertindo enquanto o filme era feito. E, se do lado de lá todo mundo parece aborrecido com a película, pedir algo diferente do lado de cá soa absurdo. Contudo, abrirei mão: a cena pós crédito, com um cara anti-Donald Trump caindo na porrada com um eleitor enquanto duas garotas falam calmamente o quanto estão empolgadas para o novo “Velores & Furiosos”, é genial.

“Vice” nem tenta ser algo além de uma exibição de homens brancos brincando com o poder e fortalecendo o status quo, que revolução. É assustador, ao término da fita, chegar à conclusão que basicamente nada pode ser retirado de um roteiro que não cala a boca um segundo. Se Hollywood acha essa perda de tempo uma história fundamental para ser contada na telona, alguns produtores teriam ataques cardíacos se soubessem a novela que é a política brasileira atual. Jamais pensei que diria isso, mas o filme sobre um vice-presidente que eu queria assistir seria o de Michel Temer. Poderia até usar o mesmo slogan de "Vice": "Alguns vices são mais perigosos do que outros".

disqus, portalitpop-1

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