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Lista: 10 filmes (difíceis, mas sensacionais) que estudam e desafiam tabus na tela

Mesmo não sendo sessões agradáveis, o Cinema que aborda tabus é fundamental para o questionamento social
Eu, obviamente, não discuto sobre Cinema apenas nessa bela coluna que se chama Cinematofagia. Numa roda de amigos debatendo as delícias da Sétima Arte, um deles me perguntou o porquê eu gostar de filmes "difíceis", filmes estes que ele mantinha segura distância. Minha resposta foi automática: "Porque eles são prepotentes".

Gargalho gostosamente quando vejo alguém usando esse adjetivo, prepotente, como demérito de alguma obra. "Ah, esse filme é péssimo, muito prepotente". Há algo mais prepotente no mundo que o Cinema? Entre um longa prepotente e outro que está feliz apenas em existir, eu fico com o primeiro. Pensei em fazer uma lista com filmes prepotentes, mas isso soa ridículo. A saída brotou com obviedade: uma lista com filmes que discutem temas tabus.

O tabu designa qualquer assunto que esteja rodeado por uma áurea de proibição ou censura. Não se assuste, você, ao saber que o tabu é uma regra puramente religiosa, que atualmente se espalha para o âmbito social e cultural. Por isso, o que é tabu para nosso contexto pode ser algo tranquilo para outro, afinal, a moralidade é cultural. Isso não quer dizer que temas tabus são apenas aqueles assuntos que o conservadorismo tenta esconder. Tabu também é algo que fazemos/somos/queremos, mas não admitimos por vergonha ou por medo.

Escolhi 10 filmes, todos dos anos 2000, que estudam e desafiam 10 temas que não estamos tão confortáveis assim, o que comprova a importância do Cinema: pôr na tela discussões de maneira segura, gerando contestações e desconstruções na cabeça do público. Claro, todos os filmes listados possuem meu selo de qualidade, não sendo escolhidos apenas pelo tema, mas também pelo afinco que o aborda. Mesmo não sendo exatamente entretenimento, todos os filmes possuem um função educacional importante. Maratoná-los fica por sua conta e risco - mas a desconstrução é garantida.


Aborto: 24 Semanas (2016)

Astrid está grávida do segundo filho, e descobre tardiamente que o feto possui Síndrome de Down e um gravíssimo problema cardíaco. Ela deve correr o risco de passar por toda a gravidez e enfrentar a rotina médica que o bebê terá que passar (com grandes chances de falha)? "24 Semanas" (24 Wochen) acerta por ser um filme absolutamente feminino - é escrito e dirigido por uma mulher, Anne Zohra Berrached. O longa discute de maneira sóbria e didática os percalços ao redor do aborto, e mostra o ato sem romantismos: toda a sequência é dolorida, mas necessária, revelando que abortar não é uma atividade recreativa que a mulher decide se submeter a bel-prazer.

Drogas: Réquiem Para um Sonho (2000)

"Réquiem Para um Sonho" (Requiem for a Dream) foi o primeiro grande filme de Darren Aronofsky, e aviso precoce do talento que ele viria a repetir com "Cisne Negro" e "Mãe!". O filme é uma exposição de várias formas de abuso de drogas, e como cada personagem se mantém aprisionado em um mundo narcótico que o afasta da realidade. Sessão nada agradável, "Réquiem" vai de heroína ao vício por pílulas de emagrecimento e segue o passo a passo do abuso, levando a plateia a presenciar momentos assustadores. Ellen Burstyn definitivamente deveria ter levado o Oscar de "Melhor Atriz".

Estupro: A Bela e os Cães (2017)

"A Bela e os Cães" (Aala Kaf Ifrit/Beauty and the Dogs) segue uma garota que é estuprada após sair de uma festa. Ela desesperadamente busca justiça, mas como resolver isso se os estupradores foram os próprios policiais? Dividido em segmentos, todos em fenomenais planos-sequência, o poder nas imagens da obra de Kaouther Hania nos convida a enfrentar o que as mulheres vivenciam diariamente: o medo do assédio, a maneira ignorante por parte das autoridades diante do crime e como a voz feminina é sempre posta em dúvida diante do machismo esmagador. Mariam é uma heroína da vida real.

Incesto: Ilegítimos (2016)

Um dos maiores tabus da nossa sociedade é o incesto, quando membros familiares desenvolvem um relacionamento amoroso/sexual. "Ilegítimos" (Ilegitim) força o espectador a questionar: por quê? Quando a família de Romeo e Sasha, irmãos legítimos, descobrem o romance dos dois, o mundo vai abaixo. Eles são tratados como animais, seres sujos que envergonham a família. O que eles se questionam: "Por que nosso amor agride?". Esse seco filme romeno não se interessa em deixar sua mensagem de fácil digestão, porém levanta pontos interessantes, mesmo quando não queríamos ouvir.

Intolerância: A Constituição (2016)

Em um prédio, quatro pessoas vivem em pé de guerra por cada uma reprovar o "estilo de vida" da outra - seja por causa de religião, sexualidade ou nacionalidade. Quando situações os forçam a entrar em contato, eles devem rever seus próprios preconceitos. O croata "A Constituição" (Ustav Republike Hrvatske/The Constitution), que ironicamente se auto-intitula "uma história de amor sobre o ódio", cria um microcosmo da sociedade naquele prédio quando pessoas se odeiam por simplesmente serem diferentes. O interessante é que o longa passa a mão na cabeça de ninguém, e até mesmo a travesti é capaz de ser intolerante. Somos todos humanos e, ao mesmo que tempo capazes de produzir ódio, somos capazes de sermos empáticos.

Pedofilia: Michael (2011)

Estreia do diretor Markus Schleinzer, vemos intimamente cinco meses na vida de Michael, um pedófilo que mantém uma criança presa no seu porão. A obra desmistifica a ideia de que pedófilos são apenas velhos bizarros que comem criancinhas - Michael é um respeitável agente de seguros com uma vida social normal, um daqueles homens que você jamais vai pensar que faz sexo com um menino de 10 anos preso em casa. Apesar das sutilezas, "Michael" é um tapa na cara, conseguindo chocar ao escancarar até aonde o ser humano consegue ir em termos de maldade. Em um momento, Michael pergunta para o menino: "Esta é minha faca e este é meu p**. Qual dos dois devo enfiar em você?". Assustador.

Pobreza: Eu, Daniel Blake (2016)

A força do cinema perante o sistema é ferramenta de instauração de reflexão em "Eu, Daniel Blake" (I, Daniel Blake), vencedor da Palma de Ouro em Cannes. Quando Blake, um idoso solitário, sofre um ataque cardíaco, vai enfrentar um oceano de burocracia para receber a aposentadoria. Como é de se esperar para um idoso, ele entende nada do mundo digital e só piora a sua situação, beirando o desespero quando não possui um euro no bolso. O protagonista se torna porta-voz dos desmandos de Estados com sua pichação contra os bancos. A pobreza é sequela do capitalismo, e o assunto, que costumamos jogar para debaixo do tapete, não é aliviado: a pobreza força as pessoas a perdem o respeito próprio.

Sexualidade feminina: A Região Selvagem (2016)

O sexo em si é um tabu enorme ainda hoje, mas, muito mais que o ato sexual, a sexualidade especificamente feminina é ainda mais censurada. Homens são quase treinados, desde pequeno, a explorarem sua sexualidade, uma área proibida para o sexo oposto. Com o mexicano "A Região Selvagem" (La Región Salvaje), é a vez das mulheres. Quando um meteorito cai na cidade de Alejandra, ela finalmente descobre o prazer nas mãos (ou nos tentáculos) de um et. Filme com mulheres abraçando suas sexualidades, em que a protagonista se cansa dos machos da mesma espécie e fazem sexo com uma criatura não-humana que consegue satisfazê-la como homem nenhum? Obra-prima.

Suicídio: Mar Adentro (2004)

Chega a ser engraçado como nós não sabemos lidar com a única certeza que temos na vida: vamos morrer. A morte é, por si só, um assunto que ninguém gosta de debater; o suicídio então, impensável. Em "Mar Adentro", Ramon é um homem que está há anos lutando pelo direito de se matar. Quando jovem, sofreu um acidente que o paralisou do pescoço para baixo, e sua condição não é interessante para manter a própria vida - e ele é fisicamente incapaz de se suicidar. O espanhol, que venceu o Oscar de "Filme Estrangeiro", é uma novela fabulosa quando vemos a sociedade e a igreja em pavorosa com o pedido de Ramon, uma pessoa lúcida e que, apesar da tristeza, não quer morrer por melancolia.

Prostituição: O Céu de Suely (2006)

Hermila (Hermila Guedes) tem 21 anos e foi abandonada pelo marido no interior do Ceará. Com um filho para criar, ela precisa ganhar a vida após meses sendo recusada em empregos. A saída encontrada foi a prostituição, porém, Hermila é inovadora: ela decide fazer uma rifa em que o prêmio é ela mesma. Assim nasce Suely, a prostituta, que promete uma "noite no paraíso". "O Céu de Suely", uma das pérolas do novo cinema brasileiro, usa até do bom humor para entrar nas veias do machismo que tenta expelir a protagonista do próprio meio. A dignidade de Hermila e Suely pode até receber pedradas, mas se mantém de queixo erguido. Eu vou fazer um leilão, quem dá mais pelo meu coração?
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