O dia 31 de março é o Dia Internacional de Visibilidade Transgênera. A data foi criada em 2009 pela trans-ativista Rachel Crandall a fim de celebrar a pessoa trans, tornando-se um evento anual nos Estados Unidos e se espalhando pelo mundo. No Brasil nós temos também um dia nacional de luta pela dignidade da pessoa trans, 29 de janeiro, o que espelha a crescente preocupação sobre esse setor da sociedade ainda tão marginalizado.
Uma verdade precisa ser dita: o Cinema é uma arte absurdamente elitizada. Não por acaso temos ainda tão poucos nomes trans dentro da indústria - como um dos maiores expoentes, temos as irmãs Wachowski, diretoras de "Matrix". Todavia, o Cinema com temática trans felizmente vem encontrando cada vez mais espaço não apenas no circuito alternativo, mas também em produções de grandes estúdios e vencedoras de prêmios como o Oscar e o Globo de Ouro. Nada melhor então do que trazer cinco filmes que, de diferentes maneiras, expõem a vivência trans para o público - e ajudam na sua compreensão e humanização.
Uma Mulher Fantástica (Una Mujer Fantastica), 2017
Provavelmente o maior expoente trans do cinema na contemporaneidade, "Uma Mulher Fantástica" ganhou o Oscar de "Melhor Filme Estrangeiro", o primeiro da categoria dado a um longa com essa temática - e o primeiro chileno. Seguindo a vida de Marina, acompanhamos a montanha-russa que se torna sua vida quando seu namorado morre. Por ser trans, ela é automaticamente culpada pela morte, e vai ter que enfrentar as autoridades e a família do falecido, que estão de prontidão para renegarem sua existência. Não apenas um drama fenomenal, o filme ainda tem um bônus de ter sido interpretado por uma real mulher trans, a maravilhosa Daniela Vega. O título é um daqueles spoilers que não nos incomodamos em receber.
Garotas Perdidas (Pojkarna/Girls Lost), 2015
A abordagem mais extraordinária dessa lista é a do sueco "Garotas Perdidas". Há sim o drama, no entanto, o pilar central da obra é a fantasia: três amigas encontram uma estranha flor e, ao beberem o néctar, descobrem que podem temporariamente se transformarem em meninos. O choque inicial é logo esquecido quando as três vão aproveitar as delícias do privilégio masculino, sem se darem conta de que estão, também, desafiando as próprias certezas sexuais e de gênero; uma delas acaba desenterrando sua transsexualidade quando se vê finalmente no corpo que sempre quis. "Garotas Perdidas" é um triunfo pela inovadora e lúdica aproximação da plateia com o tema e, inegavelmente, por conseguir atores femininos e masculinos tão parecidos e igualmente competentes.
Tomboy (idem), 2011
Laure, de 10 anos, chega na sua nova cidadezinha francesa e aproveita a novidade para, secretamente, viver como um menino, Mickael. A única pessoa que sabe da verdade é sua irmã mais nova, completamente confortável com a dupla identidade do irmão trans. "Tomboy" é um clássico moderno LGBT que explora de maneira genial a ambiguidade de gênero - e como a transfobia é puramente ensinada. O segredo de Mickael está fadado ao fracasso, e as tensões aumentam quando sabemos que a reação do mundo diante de sua transsexualidade não será positiva - nem mesmo dentro de casa, quando sua mãe o obriga a usar roupas femininas. Delicadíssimo retrato da infância, "Tomboy" é um júbilo sobre a liberdade de sermos quem somos. E sempre bom lembrar: EDUQUEM SEUS FILHOS A RESPEITAREM A DIVERSIDADE.
Tangerina (Tangerine), 2015
Temos aqui o filme mais cru da lista: "Tangerina" vai na cola de uma prostituta e sua amiga - ambas interpretadas por atrizes trans -, que, ao descobrirem a traição do cafetão, saem em busca do traidor e sua amante. Qual o cerne do filme? A triste e estreita ligação entre a transsexualidade e a marginalização. É nada confortável encarar de frente os vários tópicos que a obra escancara sem vergonhas, porém, "Tangerina" é um filme sobre como a sororidade é peça indispensável para a sobrevivência de pessoas ainda varridas para debaixo do tapete. Longe de um trato plástico e artificial na tela, "Tangerina" vem como um sopro de ar livre ao dar voz, provocar e abordar uma realidade marginalizadora de forma crível, correta e socialmente relevante. E foi inteiramente filmado com celulares.
Garota (Girl), 2018
O belga "Garota" estreou no Festival de Cannes direto para a aclamação, recebendo vários prêmios e sendo candidato óbvio para a representação do país no Oscar. Para a surpresa geral, dividiu opiniões dentro do cenário LGBT pelo seu olhar sobre uma bailarina trans - inspirado numa história real. É importante lembrarmos que as críticas (tanto positivas quanto negativas) ao redor de "Garota" são válidas e ajudam no crescimento no que tange esse - ainda - tão complexo tema que é a transsexualidade. A sessão é impactante não só pelo o que a fita mostra, mas pelo o que ela gera como sensações, navegando pelas ansiedades, medos e momentos mais obscuros que um ser transsexual passa ao se ver em uma sociedade que não está capacitada para entendê-lo.
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