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Crítica: “Annabelle 3” foi lançado para render spin-offs com todos os novos demônios

Esse "Uma Noite no Museu" de terror não assusta, mal diverte e não serve para muita coisa na franquia
Eu já perdi as contas de quantas vezes fui chamado de "hater" quando a franquia "Invocação do Mal" (2013-presente) entrou no assunto. De fato, a grande maioria dos exemplares saídos desse universo é uma tristeza, do patético filme original - que derrota demônios com pensamentos felizes - até seus spin-offs, o último sendo o fraco "A Maldição da Chorona" (2019).

Mas, como amante inveterado do terror, sempre acompanho os passos desse mundinho criado por James Wan - até porque, como crítico, é importante assistir aos grandes nomes da indústria para poder criar um contexto de produção moderna. Dos sete longas lançados, apenas um consegue sair do poço de mediocridade: "Annabelle 2: A Criação do Mal" (2017), que mostra os primórdios da possessão da boneca mais endiabrada da Sétima Arte.

Antes de mais nada, dentro de todas as ramificações da franquia, nunca enxerguei motivos sólidos para a áurea de mistério ao redor de Annabelle - que já possui mais filmes que a saga original. Ao contrário da Freira, da Chorona e até do Homem-Torto (que vai ganhar um filme solo), a boneca é nada visualmente interessante. Sentada imóvel, não existe uma dinâmica imagética, uma composição visual, apenas um objeto de cena sem vida que se mexe ocasionalmente de maneira artificial. Propulsora de eventos sobrenaturais, este é um fio condutor sem um apelo cinematográfico - comercial, sim, vide o sucesso das bilheterias dos três filmes.

Pois bem, pouco tempo após "A Maldição da Chorona", o universo já engata "Annabelle 3: De Volta Para Casa", o primeiro capítulo da relação da boneca com Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga). A presença do casal na tela é combustível efetivo para manter o interesse, afinal, eles são o cerne do universo - tudo começou por meio de seus olhos. A fita já é aberta com eles levando a boneca para sua casa e a trancando em uma caixa sagrada, e a produção não perde tempo em usar as artimanhas que cunharam seu sucesso: os jump-scares.


Dirigido e roteirizado por Gary Dauberman - co-roteirista de "It: A Coisa" (2017) -, é perceptível que há certos cuidados nas cenas de sustos, desde a fotografia, montagem e trilha-sonora - como a bela sequência da noiva andando ao redor do quarto, mesmo sendo uma cópia de um momento de "Invocação do Mal 2" (2016) - , todavia, se o objetivo era assustar, "Annabelle 3" fracassa: não existe medo à vista. Talvez pelo calejamento após tantos filmes ou por construções pobres do longa, a atmosfera da película jamais consegue arrepiar.

E isso, se colocado na ponta do lápis, não é lá um grande demérito: não há necessidade de apavorar completamente a plateia para um filme de terror ser competente. O problema de "Annabelle 3" reside em seu plot: a obra inteira se passa em apenas um dia. A abertura com os Warren dá esperança pela familiaridade bem-vinda, mas eles saem de cena rapidamente, já que devem investigar um caso. Assim, deixam a filha, Judy (Mckenna Grace, que atua muito para a idade), com a babá, Mary Ellen (Madison Iseman), as fatídicas protagonistas. Quando a melhor amiga de Mary, Daniela (Katie Sarife), aparece e liberta Annabelle, a noite será a pior da vida das três.

Uma das belezas do roteiro de Dauberman é a maneira como os personagens são desenvolvidos: por possuir uma faixa de tempo pequena, vemos looongas sequências que costuram suas vítimas - o mesmo que acontece em "It" e uma das maiores raridades dentro do terror, irresponsável em moldar o que há de mais importante, que são seus personagens.


Só que, lá pela metade do segundo ato, ao olhar no relógio, nada havia acontecido. Batendo 1h de filme, o plot deu passos curtíssimos e poucas coisas estavam à frente do início da duração. "Annabelle 3" peca no prisma oposto de seus concorrentes: ao invés de correr e atropelar seus acontecimentos, arrasta violentamente a trama a ponto de o tédio se instalar.

James Wan, o produtor de toda a saga, revelou que o filme seria um "Uma Noite no Museu" do terror, e a promessa não poderia ser mais acertiva: Annabelle sai possuindo todos os artefatos do grande porão dos infernos do Warren. São macacos de brinquedo e armaduras de samurai que ganham "vida" para assustar as pobres meninas - e sim, na tela é tão involuntariamente cômico como escrito aqui. Existem boas ideias ali, como a televisão que prevê o futuro, entretanto, o desespero de atirar para todos os lados ali é mais fraco ainda quando não existe retorno - e tem até um demônio em forma de lobisomem, que não sai do pé do crush da babá..............

E, assim como quase todos os filmes do universo, há brincadeiras (no sentido literal da palavra) que, antes divertidos, se tornam diabólicos - como o jogo das palmas no filme original. A marca jameswanística é viciada nisso, e não fica de fora em "Annabelle 3" com o holofote colorido (que rende a melhor cena de toda a empreitada) e o jogo de cartas. Só que esse formato, reciclado filme após filme, também pode ser um bloco que ajuda a diminuição do saldo geral, afinal, o filme segue a mesma cartilha de vários outros. É tudo muito previsível.


Uma das vantagens aqui é glória quase desconhecida na franquia: seu roteiro não é imbecil. Claro, há saídas ou escolhas questionáveis - a libertação da Annabelle por Daniela não é tão consistente -, contudo, mesmo com fragilidades, as burrices completas inexistem no texto. Nenhum demônio é vencido por ter seu nome gritado nem o sangue de Cristo apareceu para salvar o dia (?). Tudo é, dentro de suas limitações, correto.

Então o filme chega ao fim e óbvio está na nossa cara: os 106 minutos não servem para coisa alguma. Literalmente há nada a ser acrescentado dentro da linha temporal, pois o roteiro começa e termina exatamente no mesmo lugar e, caso não existisse, alteração nenhuma seria sofrida pela franquia. É fato que, só por não subestimar a inteligência do espectador, o longa garante a sessão, mas "Annabelle 3" é vazio.

De uma forma bem estranha, "Annabelle 3" ainda é um dos melhores (ou menos piores) nomes do universo "Invocação do Mal", o que ilustra o nível baixo dessa saga fast-food: de qualidade ruim e cheia de gordura, mas feita rapidamente e apetitosa para os olhos. "Annabelle 3" nada mais é que um catálogo com vários novos demônios sendo expostos aleatoriamente, prontíssimos para render ainda mais spin-offs e, claro, aumentar os bolsos de seus produtores, que já arrecadaram mais de U$ 1 bilhão em bilheteria.

Para os viciados em listas (como eu), ordem de preferência da franquia "Invocação do Mal": Annabelle 2 > Annabelle 3 > Invocação do Mal 2 > A Maldição da Chorona > Invocação do Mal > Annabelle > A Freira.

disqus, portalitpop-1

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