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Listas: os 10 melhores filmes brasileiros da década

"Bacurau", "Boi Neon", "Tropa de Elite 2" e o melhor da década do incrível cinema em verde amarelo
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) escolheu para a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2019 o tema "a democratização do acesso ao cinema do Brasil". Quando divulgada, no último domingo (03), achei incrível, não apenas por ter o Cinema como principal interesse da minha vida, mas por ter sido uma escolha corajosa. Há meses, o atual governo brasileiro tenta sucatear o viés cultural do país, suspendendo o repasse de verbas para a Agência Nacional do Cinema (Ancine).

Então, o tema foi político. O que me surpreendeu foi a avalanche de comentários contra o tema, que foi chamado de "inútil", "desnecessário" e até "elitista". Não dá para fingir que o Cinema seja uma arte absolutamente abrangente (aliás, alguma arte é?), contudo, é exatamente por isso que é importante discutir meios de democratizar seu acesso. Em um estado social que vê a cultura como elemento descartável, deixa de ser importante para ser urgente - e temos que fazer nossa parte enquanto cidadãos em valorizá-la, enquanto público em consumi-la, enquanto profissionais em analisá-la (você pode acompanhar tudo o que escrevemos sobre o cinema nacional clicando na tag).

Aproveitando as discussões ao redor da temática, decidi abrir minhas listas de melhores da década escolhendo os 10 maiores filmes brasileiros do período. Nosso cinema ainda reside envolto de muito preconceito, visto como ruim ou de baixa qualidade, o que é um absurdo sem tamanho. E, melhor ainda, vimos na atual década um ressurgimento da nossa indústria, um movimento que chamamos de "novíssimo cinema nacional". Estamos, sim, ainda longe de possuímos uma consolidada indústria - a massiva reação negativa com o tema do ENEM é um dos reflexos -, contudo, tivemos pelo menos uma obra grande o suficiente para figurar nas listas de melhores do planeta. O cinema tupiniquim é incrível, necessário e, acima de tudo, político e resistente. Valorizá-lo nunca foi tão crucial.


10. A Vida Invisível

Direção de Karim Aïnouz, 2019.
O último escolhido da década para representar o Brasil no Oscar (que não vê indicação nossa há décadas) segue duas irmãs que são separadas pela união de homens. "A Vida Invisível" nos leva até os anos 50 com um estudo bastante detalhado das formas nefastas de atuação do patriarcado, que silencia e invisibiliza a existência feminina. Se por um lado é deprimente ver como o corpo social masculino continua o mesmo mais de meio século depois, podemos manter as esperanças quando tantas conquistas foram asseguradas pelo feminismo. "A Vida Invisível" nos lembra o quanto devemos às mulheres.

9. Aquarius

Direção de Kleber Mendonça Filho, 2016.
O selecionado moral do Brasil ao Oscar 2017, "Aquarius" é uma dos maiores (e melhores) representantes do nosso cinema para o mundo. Liderado por uma atuação antológica de Sonia Braga, o embate principal de Clara e a construtora é por si só fascinante, mas "Aquarius" possui subtramas belíssimas como 1 sexualidade 2 feminina 3 pós-câncer na 4 velhice, debatendo sobre o resgate de memória e a luta do velho vs. novo. E o que falar de uma das melhores cenas finais da nossa história? "Aquarius" é igual Maria Bethânia. Intenso.

8. Trabalhar Cansa

Direção de Juliana Rojas & Marco Dutra, 2011.
Dirigido por dois dos melhores diretores brasileiros contemporâneos, "Trabalhar Cansa" é um retrato cinematograficamente potente da classe média com apropriações inteligentes do terror, elementos primordiais para o sucesso desse clássico absoluto - inclusive já virou praxe dentro do cinema de Rojas e Dutra, vide "As Boas Maneiras" (2018), que quase entra nessa lista. Com cenas bizarras e construções homeopáticas da sensação de que há algo muito errado ali, o verdadeiro protagonista de "Trabalhar Cansa" é o bendito mercado erguido sobre um prédio infectado. E sua doença se espalha rapidamente.

7. Tropa de Elite 2: o Inimigo Agora é Outro

Direção de José Padilha, 2010.
"Tropa de Elite" é, sem muito quebrar cabeça, o filme mais famoso do nosso país - talvez de todos os tempos. Alguém já esqueceu da loucura que foi quando as cópias piradas se alastraram pelos quatro cantos do Brasil antes mesmo do filme chegar - com sucesso - aos cinemas? Se o primeiro se manteve pelo boca a boca, "Tropa de Elite 2" se mantém pela altíssima qualidade. Muito mais que a polêmica com a violência policial, "O Inimigo Agora é Outro" eleva sua história num patamar bem acima ao trazer um retrato quase documental da complexa e preocupante realidade do Rio de Janeiro, uma ponta do iceberg em solo nacional. Aquele traveling do tribunal é a prova irrefutável de sua expertise.

6. Aos Teus Olhos

Direção de Carolina Jabor, 2017.
"Aos Teus Olhos" é um acerto atual que se utiliza de tratamento quase documental em sua ficção e supera os rótulos de "bem feito", "boas atuações" ou "ótima trilha sonora" pra entrar na esfera do debate, função seminal da Sétima Arte quando estuda um boato levado à uma proporção inimaginável. No momento em que as opiniões das pessoas se tornam notícias e, consequentemente, verdades, estamos com legítimas armas em formato de smartphones, e só conseguiremos manter uma internet responsável quando aprendermos que o linchamento virtual e a externalização de ódios via mensagens instantâneas são a apoteose do mau uso das novas tecnologias. Tão próximo da gente, tão nosso dia a dia que assombra.

5. Boi Neon

Direção de Gabriel Mascaro, 2015.
Enterrando-nos no complexo interior nordestino, transitamos de forma bastante sensível pela vida dos personagens que, por si só, são quebras absolutas de arquétipos. O protagonista é vaqueiro, mas seu sonho é ser estilista. O diretor/roteirista já remonta sentidos e foge do senso comum - o personagem é hétero. Quem dirige o caminhão da turma não é um dos peões, e sim Galega. E ainda temos uma garotinha fora da forma de bolo "princesa" e uma grávida com dois empregos. São sutilezas e pequenos detalhes que desconstroem um meio ainda tão precário em algo mais compatível com as demandas sociais da nossa atualidade, retratando de forma neon uma região sempre mostrada em preto & branco.

4. O Lobo Atrás da Porta

Direção de Fernando Coimbra, 2013.
Devo contar a minha experiência ao assistir "O Lobo Atrás da Porta": não sabia que se tratava de um filme baseado em fatos, mais especialmente na "Fera da Penha", crime que também não conhecia. Tudo isso teve um impacto ainda maior na sessão pela maneira que a película amarra as pontas soltas do mistério, numa construção social fidedigna nessa obra-prima poderosíssima. Com algumas das cenas mais revoltantes que dos últimos tempos no cenário tupiniquim, essa ode ao cinema nacional trata de assuntos sérios como o aborto e o machismo e ainda traz Leandra Leal no melhor momento da carreira.

3. Divino Amor

Direção de Gabriel Mascaro, 2019.
O Brasil do futuro é um cabaré gospel com música eletrônica e luzes neon, segundo o metafórico e latente "Divino Amor": a religião evangélica virou a nova constituição e é a base da lei e dos costumes do povo. O ethos construído pelo roteiro une o conservadorismo hipócrita com os pecados da carne, vendo o fundamentalismo não ter vergonha ao se arvorar do bacanal como veículo de encontro com deus. Num país que parece não haver regras, justiça e equidade, sob o lema "deus acima de tudo", o bordel sagrado (e bizarro) de "Divino Amor" soa preocupantemente plausível.

2. Bacurau

Direção de Kleber Mendonça Filho & Juliano Dornelles, 2019.
Um marco histórico na cultura nacional, vendo o Brasil pela primeira vez levar o "Prêmio do Juri" no Festival de Cannes, "Bacurau" é uma dádiva que levanta a mão e grita "o cinema nacional resiste". E mais ainda: o cinema nordestino - que parece ser o polo principal da indústria contemporânea brasileira. Pondo seu local geográfico no protagonismo, é a terra que faz brotar o mandacaru que sabe onde estão os valores mais importantes de uma sociedade, e que não tem medo de descer a peixeira em quem tenta oprimi-la ou apagá-la. No faroeste psicodélico e distópico de "Bacurau", o Nordeste não vai pensar duas vezes antes de cair na capoeira, então não se meta.

1. Que Horas Ela Volta?

Direção de Anna Muylaert, 2015.
A maior obra-prima do nosso cinema nessa década e pilar central dos novos rumos que viriam a seguir, "Que Horas Ela Volta?" transcende a barreira regional para entrar no panteão internacional ao unir uma história que tanto reflete as rachaduras da nossa sociedade quanto universaliza seus dramas. Carregado por uma louvável atuação de Regina Casé, que não assustaria caso fosse indicada ao Oscar, a obra escancara nossa cultura da servidão ao jogar com papéis hierárquicos e como devemos urgentemente rever a existência do quartinho da empregada, reclusa nos corredores da casa grande. Jessica, conte conosco para tudo.

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E só para reforçar:

disqus, portalitpop-1

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