Preciso começar esse post apontando uma obviedade provavelmente desagradável para você que chegou até aqui: essa não é uma lista com os melhores filmes de terror dos anos 2010. Pelo menos não da maneira que você imagina. Eu, como extremo entusiasta do horror desde sempre, já esbarrei com inúmeras listas de melhores de alguma faixa temporal específica, e basicamente todas tinham algo em comum: o que era considerado "terror".
A ideia comum do que é "terror" é aquele filme que assusta - os "Invocação do Mal" e "Annabelle" da vida (que, entrando rapidamente no âmbito da subjetividade, são péssimos). Sim, os exemplos citados e seus similares são filmes de terror, porém, o gênero abrange muito, mas muito mais. Na nossa atual indústria do cinema, que condiciona filmes de terror no molde de jump-scares, muita coisa é deixada de fora ao não ser considerado terror, o que é uma insanidade.
Em uma rápida busca na definição de "terror" como gênero cinematográfico, encontramos que é um gênero que visa explorar o macabro, criando medo ou repulsa no público por meio de uma força maligna - que vai de demônios, vampiros e bruxas até desastres naturais e serial killers. E isso é uma definição do todo, se entrarmos nos sub-gêneros, a coisa vai ainda mais além.
Nesse encerramento de década, podemos ver que os anos 10s foram marcados por duas vertentes bastante fortes: o remake e o found-footage. Vimos inúmeros revivals de clássicos, como "Deixa Ela Entrar" (2010), "A Hora do Pesadelo" (2010), "Doce Vingança" (2010), "Maníaco" (2012), "Carrie: A Estranha" (2013), "A Morte do Demônio" (2013), "Poltergeist" (2015), "A Bruxa de Blair" (2016), "Suspiria" (2018), e a lista continua. Do outro lado, com o sucesso absurdo de "Atividade Paranormal" e "Rec", o found-footage encontrou um boom, com "O Último Exorcismo" (2010), "V/H/S" (2012), "Amizade Desfeita" (2014), "A Possessão de Deborah Logan" (2014), "A Visita" (2015), etc etc etc. E, não é uma surpresa, a saturação dos moldes só ajuda na ideia de que terror não é um gênero "sério" - só ver quantos filmes de terror foram indicados ao Oscar de "Melhor Filme" nos últimos 10 anos: dois longas (e ambos estão na presente lista).
Sem mais delongas, os critérios de seleção e classificação da lista: 1: ser um longa metragem lançado na década de 2010; 2: ter o gênero "terror" como um dos principais em sua ficha técnica; 3: a maneira como o filme trabalha o terror. Então, a ordem da lista não está baseada no filme como um todo, e sim na qualidade, relevância e execução do terror, o que deixa a ordem mais justa ao ser avaliado um gênero que tem pesos diferentes entre as obras. Como sempre, todos os textos são livres de spoilers e, agora, acompanhados do sub-gênero mais marcante de cada escolhido. Pronto para a maratona?
Zumbis estão presentes na cultura pop há gerações, tendo seu ápice na modernidade com a série “The Walking Dead”. Seja com abordagens voltadas ao gore – como em “Madrugada dos Mortos” – ou à comédia – vide “Zumbilândia” –, nenhum vence “Os Famintos” na categoria que basicamente não é explorada em gêneros fantásticos: o realismo. Como seria o mundo se, de fato, zumbis tomassem conta? Esse é o pontapé da produção, que, apesar de inevitavelmente carregar traços de terror, é, acima de tudo, uma produção dramática. Narcotizante, tenso e climático, “Os Famintos” é conquista notável como trabalho de gênero – e aqui você pode, sem medo, falar “olha essa fotografia fa-bu-lo-sa!”.
"Evolução" parece se passar em outro universo e outro tempo. Fincando em uma ilha, um garoto vive com sua mãe. Todos os habitantes são crianças meninos, suas mães e as enfermeiras do hospital local, o lugar que todos os garotos vão parar. "Evolução" beira o limite do hermético, porém, vai arrebatando o público quando joga pedaços do quebra-cabeças que soluciona o todo, um mistério que caminha sobre a certeza e o fantástico e entrega tanto beleza quanto morbidez.
Ex-soldado sofrendo para manter as contas em dia aceita o trabalho de matador de aluguel. Só que, para seu espanto, ao apontar a arma para a vítima comprada, ouve um agradecimento. "Kill List" e seu ritmo lento pode afastar a plateia mais acostumada com um terror incansável, mas a sessão vale total a pena pela direção seguríssima de Wheatley. Cultos obscuros, tragédias passadas e teorias da conspiração são os temperos dessa pérola ainda escondida para o mainstream, capaz de arrepiar a epiderme com seu último ato devastador.
Uma garota vegetariana recém chegada na faculdade é forçada a comer carne no trote do curso, o que desencadeia uma fome por carne humana que, pouco a pouco, vai dominando a menina. Seguindo a tradição do horror francês, "Grave" é uma metafórica viagem que força o espectador a vislumbrar o desabrochar violento de uma garota para os desejos mais primitivos do seu ser, dialogando com a repressão sexual feminina num final para ver de joelho. Há bastante metáforas na tela que visam debater como as mulheres ainda são tratadas como pedaços de carne pela sociedade. Só que, aqui, as mesas viram.
O sexo em si é um tabu enorme ainda hoje, mas, muito mais que o ato sexual, a sexualidade especificamente feminina é ainda mais censurada. Homens são quase treinados, desde pequeno, a explorarem sua sexualidade, uma área proibida para o sexo oposto. Com o mexicano "A Região Selvagem", é a vez das mulheres. Quando um meteorito cai na cidade de Alejandra, ela finalmente descobre o prazer nas mãos (ou nos tentáculos) de um alienígena, que rende cenas bizarras pelos gráficos e pela interpretação assustadoramente palpável. Filme com mulheres abraçando suas sexualidades, em que a protagonista se cansa dos machos da mesma espécie e fazem sexo com uma criatura não-humana que consegue satisfazê-la como homem nenhum? Obra-prima.
Que o found footage já deu o que tinha que dar, todo consumidor do terror já sabe. Só que, de vez em quando, ainda é lançado algum exemplar que mostra que, com criatividade e competência, ainda há o que ser extraído da técnica. "A Caverna" é um dos maiores acertos do horror contemporâneo ao unir a veia comercial com o primor da arte - a plateia vai se manter grudada na cadeira enquanto se contorce de claustrofobia num produto de real qualidade. Simples em sua premissa e estrelar em concepção, o longa faz o que muitos terrores esquecem: o quanto nós mesmos somos estopins para o medo. É muito mais fácil aceitarmos o medo vindouro de algo que existe do que vampiros, lobisomens ou demônios - e em situações como a de "A Caverna", a pessoa do seu lado é seu inimigo mais do que qualquer alienígena invadindo o planeta.
Uma galera jovem vai aproveitar as férias em uma cabana na floresta, local que vai ser o túmulo de muitos. Soa familiar? Sim, essa é uma premissa pra lá de conhecida, e é proposital. "O Segredo da Cabana" vai no que há de mais óbvio e clichê no terror norte-americano e, de forma sagaz, reinventa uma roda já há muito tempo gasta. Um terrir legítimo (terror + comédia), o filme enterrou essa história específica de maneira criativa, lúdica e que jamais deixa a bola cair, criando camadas cada vez mais eletrizantes. O clímax, uma enorme homenagem ao gênero, é sensacional.
Uma mulher recém-divorciada decide reaver sua vida amorosa. O que ela precisa para dar aquele ânimo na sua autoestima? Um vestido novo. Ela escolhe um longo vermelho e maravilhoso, sem saber que ele é um objeto amaldiçoado, decidido a matar quem o use. Sim, "No Tecido" é um filme sobre um vestido assassino. A película sabiamente não se leva tão a sério (nem teria como), jogando toda a sua seriedade na composição do ecrã de seu universo, um híbrido majestoso entre o novo e o velho. Hilário e desconcertante na medida correta, "No Tecido" é delicioso em sua atmosfera e visual.
O nome de Lars Von Tier está sempre de mãos dadas com a polêmica, já que o diretor não tem papas na língua e coloca no ecrã temas tabus e controversos. "A Casa Que Jack Construiu" não foge da regra: ao seguir 12 anos na vida de um serial killer, Trier passa a faca sem piedade no império cultural e político de Donald Trump, expondo as brutalidades sociais afloradas pela vitória do presidente norte-americano - cada um dos segmentos são brutais em termos visuais e violentos como crítica. Mesmo sutilmente (foco nos bonés vermelhos), "Casa Que Jack" escancara a América que ensina crianças a amarem armas, que gera massacres em escolas e que vira as costas para não ajudar o próximo. Uma sátira não só ao "homus trumpus" como ao cinema de horror, Trier nos leva até ao Inferno a fim de mostrar que o conservadorismo virou uma praga.
Um dos seletos filmes de terror a serem indicados ao Oscar de "Melhor Filme" (e, no caso, o vencedor moral da categoria em 2011), "Cisne Negro" tem o desafio de sua protagonista (que deu "Melhor Atriz" à Natalie Portman) de interpretar o papel principal do balé "O Lago dos Cisnes": ela é ideal como o Cisne Branco, o lado puro, mas não consegue exalar o Cisne Negro, o viés fatal. Uma montanha-russa, "Cisne Negro" funciona como metáfora da perseguição artística pela perfeição, e o quanto essa corrida pode nos levar à loucura. Desglamourizando a beleza do balé, há uma verdadeira guerra na cabeça da protagonista, que vai rapidamente ruindo seu psicológico e misturando real e alucinação.
Uma jovem e virginal garota chega na cidade grande com o sonho de se tornar modelo, e "Demônio de Neon" está para a moda assim como "Cisne Negro" está para o balé. No entanto, o grande editorial de luxo que é o filme de Refn aborda de forma mais brutal e macabra os corredores sujos de inveja e sangue que alimentam (e matam de fome) sonhos e egos, sendo uma psicodélica viagem ao submundo fashion, com requintes técnicos violentamente perfeitos evocando sensações desconcertantes no espectador, forçado a embarcar em loucuras de página de revista. O final, onde o filme empurra todos os limites, culmina numa das mais memoráveis e arrepiantes conclusões dos últimos tempos, a última cereja do bolo grotesco – todavia sempre lindíssimo – trabalho que é “Demônio de Neon”.
Dois marinheiros são atirados em uma ilhota no meio de lugar nenhum com o único objetivo de cuidar do farol lá presente. O mais velho, atuando no local há muito tempo, parece fissurado pela luz do farol, impedindo que o novato se aproxime. Dono de um par de cenas instantaneamente icônicas, "O Farol" é a solidificação do cinema de Eggers como mitológico quando condena seus personagens - e o algoz é a própria natureza. O filme não tem problema em fotografar nossa existência como algo decrépito, fadado ao insucesso quando estamos tão preocupados em saciar nossos egoístas desejos. Somos de uma fragilidade tão aparente que, às vezes, a natureza nem precisa se esforçar para nos destruir. Nós mesmos nos encarregamos disto.
O último terror a chegar no Oscar de "Melhor Filme", "Corra!" é um evento cultural e marco no gênero. Um jovem negro finalmente vai à casa dos pais da namorada branca. Há toda uma tensão velada, que parte do próprio protagonista, mas todos não param de falar o quanto estão de braços abertos para a diversidade do casal, o que, não surpreendentemente, é faxada para um plano maquiavélico. O longa não está preocupado em esconder seus clichês e óbvias referências; o que “Corra!” está preocupado é em compor momentos que elevam o seu gênero, carregado por cenas geniais e discussões sobre racismo postas de maneira lúdica, esperta e incisiva pelas lentes do diretor/roteirista Jordan Peele - que levou o Oscar de "Melhor Roteiro Original".
"Midsommar", o "O Homem de Palha" da nossa geração, tem uma robusta duração, desconcertantes sequências e inundação de simbolismos, o que tornam a sessão uma trabalhosa digestão para a plateia. Usando o folclore sueco como combustível de seu roteiro, o longa é narcotizante e hipnótico ao reforçar o terror antropológico e cultural, além de mais uma comprovação (colorida e luminosa) de que Ari Aster é um mestre no que faz e um dos mais bizarros términos de relacionamento que o Cinema já fez. Teria sido mais fácil terminar por mensagem.
Dois irmãos gêmeos estão ansiosos pelo retorno da mãe, afastada de casa para se submeter à cirurgias plásticas. Todavia, quando ela retorna, os irmãos têm plena convicção de que aquela mulher é uma impostora. "Boa Noite Mamãe", um dos raríssimos exemplares a serem selecionados para o Oscar de "Melhor Filme Internacional", é uma lenta epopeia de duas crianças tendo que lidar com uma dúvida esmagadora, potencializada pela escolha imagética brilhante da mãe, que emana uma áurea vilanesca. Brincando com expectativas e reações, esse é um clássico do terror contemporâneo pela excelência em suas imagens, atmosfera e realizações.
"Clímax" não é uma produção recomendável, mas pelos motivos corretos: quando um grupo de dançarinos descobre que a bebida da festa foi batizada com LSD, o lado mais animalesco de cada um vem à superfície. Esse é um filme que não só demanda como suga o emocional do público, tão massacrado quanto os personagens, presos em uma bolha ácida que não escolheram e nem podem escapar. E talvez seja a impotência - tanto nossa como deles - que faz "Clímax" tão bizarro. Gaspar Noé nunca pôs os dois pés no terror, apesar de sempre flertar no gênero, e dessa vez ele não apenas entrou como filmou um show de horrores inacreditável, transformando cinema em uma experiência sensorial.
Um dos filmes mais controversos e divisores de opinião da década, "Mãe!" possui uma forte mitologia, mas não se trata de monstros ou elementos sobrenaturais. O horror é feito pelas nossas próprias mãos, e poucas obras são capazes de fomentar o pavor que é a sessão servida por "Mãe!". Bebendo largamente da fonte bíblica, Aronofsky consolida seu nome na arte e realiza mais um imperdível - e sim, pretensioso - capítulo de sua cinematografia, que, apesar de não ser um filme para todos os públicos, é inesquecível pelas imagens e discussões, com a exclamação do título sendo um pequeno aviso para o que está por vir. Não senta na piaaaaa!
Remake do clássico de Dario Argento, lançado em 1977, Guadagnino abandona o compromisso com a trama do original e cria uma película prórpia, seguindo apenas a premissa: uma dançarina americana chega à uma escola de balé em Berlim que é controlada por bruxas. As atuações, os diálogos e todos os aspectos visuais de "Suspiria" são irretocáveis, todavia, o melhor é sua atmosfera. Há imagens de beleza estonteante ao lado de cenas perturbadoras, emolduradas por uma narrativa onírica que, a partir de sua técnica, tem a capacidade de transformar o mundo físico em algo etéreo. Dotado de pretensão para dar e vender, "Suspiria" é um pesadelo filmado que consegue ser traduzido por um diálogo proferido aos berros: "Isso não é vaidade, é arte!".
“A Bruxa” trata de muitos subtextos, mas é, acima de tudo, uma celebração do caos. É a regurgitação fidedigna de todos os maiores medos que nós temos: medo da solidão, perda, dor, morte, do mal em si. O filme não é de fato assustador no modo convencional da palavra, é macabro pelas suas metáforas, com algumas passagens perturbadoras que chocam pela crueza e vivacidade do mal. Ainda por cima, é pilar fundamental para a indústria do terror, colocando nos grandes postos um estilo marginalizado aos cinemas de arte e mudando os rumos do gênero.
Em boa parte da duração, parece que "Hereditário" se contentará em ser um filme que, ao invés de produzir medo, vai explanar acerca do seu impacto sobre o ser humano, o que é concreto até chegarmos ao clímax, um pesadelo assustador na tela que não mede limites para catapultar o espectador no meio do pandemônio instaurado. Tudo é milimetricamente justificável, e, por isso, ainda mais aterrador e impactante, parindo diante dos nossos olhos um dos melhores finais da história do cinema de terror – soando ainda mais delicioso quando percebemos que “Hereditário” é o trabalho de estreia de Ari Aster, logo num gênero tão difícil. Daqueles filmes fundamentais não só para o terror como também para o Cinema. "O Exorcista" finalmente encontrou seu filhote no novo século.
Sem mais delongas, os critérios de seleção e classificação da lista: 1: ser um longa metragem lançado na década de 2010; 2: ter o gênero "terror" como um dos principais em sua ficha técnica; 3: a maneira como o filme trabalha o terror. Então, a ordem da lista não está baseada no filme como um todo, e sim na qualidade, relevância e execução do terror, o que deixa a ordem mais justa ao ser avaliado um gênero que tem pesos diferentes entre as obras. Como sempre, todos os textos são livres de spoilers e, agora, acompanhados do sub-gênero mais marcante de cada escolhido. Pronto para a maratona?
20. Os Famintos (2017)
Dirigido por Robin Aubert, Canadá. Sub-gênero: terror zumbi.Zumbis estão presentes na cultura pop há gerações, tendo seu ápice na modernidade com a série “The Walking Dead”. Seja com abordagens voltadas ao gore – como em “Madrugada dos Mortos” – ou à comédia – vide “Zumbilândia” –, nenhum vence “Os Famintos” na categoria que basicamente não é explorada em gêneros fantásticos: o realismo. Como seria o mundo se, de fato, zumbis tomassem conta? Esse é o pontapé da produção, que, apesar de inevitavelmente carregar traços de terror, é, acima de tudo, uma produção dramática. Narcotizante, tenso e climático, “Os Famintos” é conquista notável como trabalho de gênero – e aqui você pode, sem medo, falar “olha essa fotografia fa-bu-lo-sa!”.
19. Evolução (2015)
Dirigido por Lucile Hadžihalilović, França. Sub-gênero: terror fantástico."Evolução" parece se passar em outro universo e outro tempo. Fincando em uma ilha, um garoto vive com sua mãe. Todos os habitantes são crianças meninos, suas mães e as enfermeiras do hospital local, o lugar que todos os garotos vão parar. "Evolução" beira o limite do hermético, porém, vai arrebatando o público quando joga pedaços do quebra-cabeças que soluciona o todo, um mistério que caminha sobre a certeza e o fantástico e entrega tanto beleza quanto morbidez.
18. Kill List (2011)
Dirigido por Ben Wheatley, Reino Unido. Sub-gênero: terror psicológico.Ex-soldado sofrendo para manter as contas em dia aceita o trabalho de matador de aluguel. Só que, para seu espanto, ao apontar a arma para a vítima comprada, ouve um agradecimento. "Kill List" e seu ritmo lento pode afastar a plateia mais acostumada com um terror incansável, mas a sessão vale total a pena pela direção seguríssima de Wheatley. Cultos obscuros, tragédias passadas e teorias da conspiração são os temperos dessa pérola ainda escondida para o mainstream, capaz de arrepiar a epiderme com seu último ato devastador.
17. Grave (2016)
Dirigido por Julia Ducournau, França. Sub-gênero: terror dramático.Uma garota vegetariana recém chegada na faculdade é forçada a comer carne no trote do curso, o que desencadeia uma fome por carne humana que, pouco a pouco, vai dominando a menina. Seguindo a tradição do horror francês, "Grave" é uma metafórica viagem que força o espectador a vislumbrar o desabrochar violento de uma garota para os desejos mais primitivos do seu ser, dialogando com a repressão sexual feminina num final para ver de joelho. Há bastante metáforas na tela que visam debater como as mulheres ainda são tratadas como pedaços de carne pela sociedade. Só que, aqui, as mesas viram.
16. A Região Selvagem (2016)
Dirigido por Amat Escalante, México. Sub-gênero: terror sci-fi.O sexo em si é um tabu enorme ainda hoje, mas, muito mais que o ato sexual, a sexualidade especificamente feminina é ainda mais censurada. Homens são quase treinados, desde pequeno, a explorarem sua sexualidade, uma área proibida para o sexo oposto. Com o mexicano "A Região Selvagem", é a vez das mulheres. Quando um meteorito cai na cidade de Alejandra, ela finalmente descobre o prazer nas mãos (ou nos tentáculos) de um alienígena, que rende cenas bizarras pelos gráficos e pela interpretação assustadoramente palpável. Filme com mulheres abraçando suas sexualidades, em que a protagonista se cansa dos machos da mesma espécie e fazem sexo com uma criatura não-humana que consegue satisfazê-la como homem nenhum? Obra-prima.
15. A Caverna (2014)
Dirigido por Alfredo Montero, Espanha. Sub-gênero: found footage.Que o found footage já deu o que tinha que dar, todo consumidor do terror já sabe. Só que, de vez em quando, ainda é lançado algum exemplar que mostra que, com criatividade e competência, ainda há o que ser extraído da técnica. "A Caverna" é um dos maiores acertos do horror contemporâneo ao unir a veia comercial com o primor da arte - a plateia vai se manter grudada na cadeira enquanto se contorce de claustrofobia num produto de real qualidade. Simples em sua premissa e estrelar em concepção, o longa faz o que muitos terrores esquecem: o quanto nós mesmos somos estopins para o medo. É muito mais fácil aceitarmos o medo vindouro de algo que existe do que vampiros, lobisomens ou demônios - e em situações como a de "A Caverna", a pessoa do seu lado é seu inimigo mais do que qualquer alienígena invadindo o planeta.
14. O Segredo da Cabana (2012)
Dirigido por Drew Goddard, EUA. Sub-gênero: terrir.Uma galera jovem vai aproveitar as férias em uma cabana na floresta, local que vai ser o túmulo de muitos. Soa familiar? Sim, essa é uma premissa pra lá de conhecida, e é proposital. "O Segredo da Cabana" vai no que há de mais óbvio e clichê no terror norte-americano e, de forma sagaz, reinventa uma roda já há muito tempo gasta. Um terrir legítimo (terror + comédia), o filme enterrou essa história específica de maneira criativa, lúdica e que jamais deixa a bola cair, criando camadas cada vez mais eletrizantes. O clímax, uma enorme homenagem ao gênero, é sensacional.
13. No Tecido (2018)
Dirigido por Peter Strickland, Reino Unido. Sub-gênero: terror sobrenatural.Uma mulher recém-divorciada decide reaver sua vida amorosa. O que ela precisa para dar aquele ânimo na sua autoestima? Um vestido novo. Ela escolhe um longo vermelho e maravilhoso, sem saber que ele é um objeto amaldiçoado, decidido a matar quem o use. Sim, "No Tecido" é um filme sobre um vestido assassino. A película sabiamente não se leva tão a sério (nem teria como), jogando toda a sua seriedade na composição do ecrã de seu universo, um híbrido majestoso entre o novo e o velho. Hilário e desconcertante na medida correta, "No Tecido" é delicioso em sua atmosfera e visual.
12. A Casa Que Jack Construiu (2018)
Dirigido por Lars Von Trier, Dinamarca. Sub-gênero: terror dramático.O nome de Lars Von Tier está sempre de mãos dadas com a polêmica, já que o diretor não tem papas na língua e coloca no ecrã temas tabus e controversos. "A Casa Que Jack Construiu" não foge da regra: ao seguir 12 anos na vida de um serial killer, Trier passa a faca sem piedade no império cultural e político de Donald Trump, expondo as brutalidades sociais afloradas pela vitória do presidente norte-americano - cada um dos segmentos são brutais em termos visuais e violentos como crítica. Mesmo sutilmente (foco nos bonés vermelhos), "Casa Que Jack" escancara a América que ensina crianças a amarem armas, que gera massacres em escolas e que vira as costas para não ajudar o próximo. Uma sátira não só ao "homus trumpus" como ao cinema de horror, Trier nos leva até ao Inferno a fim de mostrar que o conservadorismo virou uma praga.
11. Cisne Negro (2010)
Dirigido por Darren Aronofsky, EUA. Sub-gênero: terror psicológico.Um dos seletos filmes de terror a serem indicados ao Oscar de "Melhor Filme" (e, no caso, o vencedor moral da categoria em 2011), "Cisne Negro" tem o desafio de sua protagonista (que deu "Melhor Atriz" à Natalie Portman) de interpretar o papel principal do balé "O Lago dos Cisnes": ela é ideal como o Cisne Branco, o lado puro, mas não consegue exalar o Cisne Negro, o viés fatal. Uma montanha-russa, "Cisne Negro" funciona como metáfora da perseguição artística pela perfeição, e o quanto essa corrida pode nos levar à loucura. Desglamourizando a beleza do balé, há uma verdadeira guerra na cabeça da protagonista, que vai rapidamente ruindo seu psicológico e misturando real e alucinação.
10. Demônio de Neon (2016)
Dirigido por Nicolas Winding Refn, Dinamarca. Sub-gênero: terror psicológico.Uma jovem e virginal garota chega na cidade grande com o sonho de se tornar modelo, e "Demônio de Neon" está para a moda assim como "Cisne Negro" está para o balé. No entanto, o grande editorial de luxo que é o filme de Refn aborda de forma mais brutal e macabra os corredores sujos de inveja e sangue que alimentam (e matam de fome) sonhos e egos, sendo uma psicodélica viagem ao submundo fashion, com requintes técnicos violentamente perfeitos evocando sensações desconcertantes no espectador, forçado a embarcar em loucuras de página de revista. O final, onde o filme empurra todos os limites, culmina numa das mais memoráveis e arrepiantes conclusões dos últimos tempos, a última cereja do bolo grotesco – todavia sempre lindíssimo – trabalho que é “Demônio de Neon”.
9. O Farol (2019)
Dirigido por Robert Eggers, EUA. Sub-gênero: terror psicológico.Dois marinheiros são atirados em uma ilhota no meio de lugar nenhum com o único objetivo de cuidar do farol lá presente. O mais velho, atuando no local há muito tempo, parece fissurado pela luz do farol, impedindo que o novato se aproxime. Dono de um par de cenas instantaneamente icônicas, "O Farol" é a solidificação do cinema de Eggers como mitológico quando condena seus personagens - e o algoz é a própria natureza. O filme não tem problema em fotografar nossa existência como algo decrépito, fadado ao insucesso quando estamos tão preocupados em saciar nossos egoístas desejos. Somos de uma fragilidade tão aparente que, às vezes, a natureza nem precisa se esforçar para nos destruir. Nós mesmos nos encarregamos disto.
8. Corra! (2017)
Dirigido por Jordan Peele, EUA. Sub-gênero: terrir.O último terror a chegar no Oscar de "Melhor Filme", "Corra!" é um evento cultural e marco no gênero. Um jovem negro finalmente vai à casa dos pais da namorada branca. Há toda uma tensão velada, que parte do próprio protagonista, mas todos não param de falar o quanto estão de braços abertos para a diversidade do casal, o que, não surpreendentemente, é faxada para um plano maquiavélico. O longa não está preocupado em esconder seus clichês e óbvias referências; o que “Corra!” está preocupado é em compor momentos que elevam o seu gênero, carregado por cenas geniais e discussões sobre racismo postas de maneira lúdica, esperta e incisiva pelas lentes do diretor/roteirista Jordan Peele - que levou o Oscar de "Melhor Roteiro Original".
7. Midsommar (2019)
Dirigido por Ari Aster, EUA. Sub-gênero: terror folk."Midsommar", o "O Homem de Palha" da nossa geração, tem uma robusta duração, desconcertantes sequências e inundação de simbolismos, o que tornam a sessão uma trabalhosa digestão para a plateia. Usando o folclore sueco como combustível de seu roteiro, o longa é narcotizante e hipnótico ao reforçar o terror antropológico e cultural, além de mais uma comprovação (colorida e luminosa) de que Ari Aster é um mestre no que faz e um dos mais bizarros términos de relacionamento que o Cinema já fez. Teria sido mais fácil terminar por mensagem.
6. Boa Noite Mamãe (2014)
Dirigido por Veronika Franz & Severin Fiala, Áustria. Sub-gênero: terror dramático.Dois irmãos gêmeos estão ansiosos pelo retorno da mãe, afastada de casa para se submeter à cirurgias plásticas. Todavia, quando ela retorna, os irmãos têm plena convicção de que aquela mulher é uma impostora. "Boa Noite Mamãe", um dos raríssimos exemplares a serem selecionados para o Oscar de "Melhor Filme Internacional", é uma lenta epopeia de duas crianças tendo que lidar com uma dúvida esmagadora, potencializada pela escolha imagética brilhante da mãe, que emana uma áurea vilanesca. Brincando com expectativas e reações, esse é um clássico do terror contemporâneo pela excelência em suas imagens, atmosfera e realizações.
5. Clímax (2018)
Dirigido por Gaspar Noé, França/Bélgica. Sub-gênero: terror psicológico."Clímax" não é uma produção recomendável, mas pelos motivos corretos: quando um grupo de dançarinos descobre que a bebida da festa foi batizada com LSD, o lado mais animalesco de cada um vem à superfície. Esse é um filme que não só demanda como suga o emocional do público, tão massacrado quanto os personagens, presos em uma bolha ácida que não escolheram e nem podem escapar. E talvez seja a impotência - tanto nossa como deles - que faz "Clímax" tão bizarro. Gaspar Noé nunca pôs os dois pés no terror, apesar de sempre flertar no gênero, e dessa vez ele não apenas entrou como filmou um show de horrores inacreditável, transformando cinema em uma experiência sensorial.
4. Mãe! (2017)
Dirigido por Darren Aronofsky, EUA. Sub-gênero: terror psicológico.Um dos filmes mais controversos e divisores de opinião da década, "Mãe!" possui uma forte mitologia, mas não se trata de monstros ou elementos sobrenaturais. O horror é feito pelas nossas próprias mãos, e poucas obras são capazes de fomentar o pavor que é a sessão servida por "Mãe!". Bebendo largamente da fonte bíblica, Aronofsky consolida seu nome na arte e realiza mais um imperdível - e sim, pretensioso - capítulo de sua cinematografia, que, apesar de não ser um filme para todos os públicos, é inesquecível pelas imagens e discussões, com a exclamação do título sendo um pequeno aviso para o que está por vir. Não senta na piaaaaa!
3. Suspiria (2018)
Dirigido por Luca Guadagnino, EUA/Itália. Sub-gênero: terror sobrenatural.Remake do clássico de Dario Argento, lançado em 1977, Guadagnino abandona o compromisso com a trama do original e cria uma película prórpia, seguindo apenas a premissa: uma dançarina americana chega à uma escola de balé em Berlim que é controlada por bruxas. As atuações, os diálogos e todos os aspectos visuais de "Suspiria" são irretocáveis, todavia, o melhor é sua atmosfera. Há imagens de beleza estonteante ao lado de cenas perturbadoras, emolduradas por uma narrativa onírica que, a partir de sua técnica, tem a capacidade de transformar o mundo físico em algo etéreo. Dotado de pretensão para dar e vender, "Suspiria" é um pesadelo filmado que consegue ser traduzido por um diálogo proferido aos berros: "Isso não é vaidade, é arte!".
2. A Bruxa (2015)
Dirigido por Robert Eggers, EUA/Canadá. Sub-gênero: terror sobrenatural.“A Bruxa” trata de muitos subtextos, mas é, acima de tudo, uma celebração do caos. É a regurgitação fidedigna de todos os maiores medos que nós temos: medo da solidão, perda, dor, morte, do mal em si. O filme não é de fato assustador no modo convencional da palavra, é macabro pelas suas metáforas, com algumas passagens perturbadoras que chocam pela crueza e vivacidade do mal. Ainda por cima, é pilar fundamental para a indústria do terror, colocando nos grandes postos um estilo marginalizado aos cinemas de arte e mudando os rumos do gênero.
1. Hereditário (2018)
Dirigido por Ari Aster, EUA. Sub-gênero: terror sobrenatural.Em boa parte da duração, parece que "Hereditário" se contentará em ser um filme que, ao invés de produzir medo, vai explanar acerca do seu impacto sobre o ser humano, o que é concreto até chegarmos ao clímax, um pesadelo assustador na tela que não mede limites para catapultar o espectador no meio do pandemônio instaurado. Tudo é milimetricamente justificável, e, por isso, ainda mais aterrador e impactante, parindo diante dos nossos olhos um dos melhores finais da história do cinema de terror – soando ainda mais delicioso quando percebemos que “Hereditário” é o trabalho de estreia de Ari Aster, logo num gênero tão difícil. Daqueles filmes fundamentais não só para o terror como também para o Cinema. "O Exorcista" finalmente encontrou seu filhote no novo século.