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Os 10 melhores filmes de 2020 (até agora)

Mesmo um ano difícil para o Cinema, 2020 já entregou filmes que entrarão para a história
A melhor época do ano para o escritor que cá se encontra é a época de fazer as listas de melhores do mundinho cinematográfico no ano. Gasto horas catalogando tudo o que assisti até a marca temporal que quero fechar (seja a de metade do ano, ano inteiro ou da década), a fim de trazer a você, leitor, o que considero o suprassumo dos lançamentos (dentro da enorme cerquinha da subjetividade, é claro). Mas 2020 está sendo um ano diferente.

Com a pandemia, a indústria cinematográfica parou. Não há filmes em produção no momento, e os já finalizados foram adiados até que as salas de cinemas possam ser reabertas. O mercado brasileiro - ironicamente - acabou sofrendo menos com isso por receber filmes que já rodaram em outros países meses antes - vários do Oscar 2020, por exemplo, que estrearam internacionalmente em novembro e dezembro, só chegaram aqui após a virada da década. No entanto, mesmo com o fluxo de obras sendo drasticamente reduzido, ainda conseguimos assistir a filmes imperdíveis que salvaram nosso ano (e nossa quarentena). Aqui estão meus 10 longas favoritos de 2020 (até agora).

De indicados e vencedores do Oscar a pérolas de todos os cantos do mundo, os critérios de inclusão da lista são os mesmos de todo ano: filmes com estreias em solo brasileiro em 2020 - seja cinema, Netflix e afins - ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente. E, também de praxe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência - mas caso você já tenha visto todos os 10, meu amor por você é real. Preparado para uma maratona do que há de melhor no cinema mundial até agora?


10. Queen & Slim (idem)

Direção de Melina Matsoukas, EUA.
"Queen & Slim" é um daqueles filmes corretos lançados no momento correto. Seguindo o casal protagonista, a vida dos dois é permanentemente afetada quando são parados com um policial branco, que - por basicamente nada - quase os mata. Em legítima defesa, Slim atira no policial, desencadeando uma fuga nacional enquanto protestos contra abusos raciais rolam pelo país. Estreia no Cinema de Melina Matsoukas, diretora de vários videoclipes, como "Formation" da Beyoncé, é bastante intrigante - e também triste - que "Queen & Slim" tenha sido lançado poucos meses antes de George Floyd perder a vida. Floyd não foi o primeiro (e, infelizmente, não deve ser o último) a passar pelo o que passou sob o poder de um sistema que não encontrou falhas ao longo do caminho, e sim foi construído para ser assim, o que faz de "Queen & Slim" um quadro e um aviso de uma sociedade claramente doente.

9. Nunca Raramente Às Vezes Sempre (Never Rarely Sometimes Always)

Direção de Eliza Hittman, EUA/Reino Unido.
O aborto é um dos temas mais controversos da nossa sociedade atual, encontrando discussões muito calorosas sobre os dois extremos do debate. "Nunca Raramente Às Vezes Sempre" é a carta-aberta de Eliza Hittman sobre a temática. Uma garota de 17 anos está grávida e, com a ajuda da melhor amiga, vai até Nova Iorque para realizar um aborto. A superfície do longa carrega características que, de maneira previsível, nos dará a ideia de irresponsabilidade por parte da garota, contudo, o roteiro nos empurra para um mergulho muito complexo que explica tudo o que ocasionou a protagonista estar ali. A cena que dá título ao filme já é uma das mais incríveis do ano pela veracidade e dor que o corpo feminino está sujeito nas mãos do patriarcado.

8. O Poço (El Hoyo)

Direção de Galder Gaztelu-Urrutia, Espanha.
"O Poço" talvez seja o filme mais badalado de 2020. Não por ser o mais assistido ou o melhor, mas por ter sido lançado em um terreno absurdamente fértil para fomentar suas discussões - e foram inúmeras ao longo das semanas após a Netflix jogar a obra em seu catálogo. Conhecemos uma prisão vertical que tem uma curiosa (e cruel) forma de alimentar seus detentos: através de um poço, onde o andar de baixo comerá o que sobrou do andar de cima. As discussões de “O Poço” soam óbvias – é só você ler a sinopse que a fundamentação central da fita estará presente. Sim, esse é um filme que quer mostrar como a estruturação do Capitalismo é falha, desumana e cruel – e provavelmente você, proletariado, já sabe disso. “O Poço” é uma alegoria brilhantemente terrível da natureza humana que gera indagações ao mesmo tempo que executa um trabalho de gênero delicioso.

7. E Então Nós Dançamos (And Then We Danced)

Direção de Levan Akin, Geórgia/Suíça.
A melhor fita LGBT do ano até o momento, "E Então Nós Dançamos" vem de um país que você talvez nem saiba onde se encontra: a Geórgia, um pequeno país na divisa entre a Europa e a Ásia. Com um cinema ainda proporcional ao tamanho do país, não se engane, a Geórgia é dona de filmes fantásticos, e "E Então Nós Dançamos" foi o selecionado ao Oscar 2020. Um dançarino vai ter que escolher entre aceitar sua sexualidade em um país sufocantemente homofóbico ou viver uma mentira assim que outro dançarino chega em sua escola. A dança georgiana, presente em todo o filme, é usada como catalizador desse amor proibido que termina, também, como um belíssimo documento cultural - e, sem surpresa, foi recebido com protestos pedindo o cancelamento das sessões. No entanto, o filme foi lançado, uma vitória para a resistência LGBT.

6. Devorar (Swallow)

Direção de Carlo Mirabella-Davis, EUA.
Esse pequeno horror indie causou desde a estreia no Festival de Tribeca ano passado, e, ainda bem, não ficou apenas no shock value: uma jovem e recém-casada mulher tem dificuldade em manter o casamento e a vida doméstica. Afogada em tédio e distanciamento emocional, ela descobre que está grávida, fato que desencadeia um transtorno que a faz engolir os mais diferentes objetos. "Devorar" recebeu uma embalagem colorida, harmônica e deliciosa, um contraste perfeito para toda a carga obscura de sua trama. Carregado pela atuação exemplar de Haley Bennett, o filme é uma mistura de "Grave" (2016) com "O Bebê de Rosemary" (1968), transformando o drama de sua protagonista em potência do horror. Bon appétit, baby.

5. Viveiro (Vivarium)

Direção de Lorcan Finnegan, Irlanda.
Todo ano precisamos de pelo menos um longa que seja a definição de "amei, mas não entendi", e "Viveiro" é o nome perfeito para isso. Quando um casal visita um conjunto habitacional em busca de um imóvel e fica preso nas ruas com casas totalmente iguais, rapidamente percebem que foi sua última decisão na vida. Estamos vivenciando uma fase interessante na mistura de horror e ficção científica, casando criatividade com as colunas dos dois gêneros: atmosfera e reflexão. "Viveiro" sem dúvidas não é um longa para qualquer paladar: é uma fita lenta, estranha, sufocante e que não vai entregar seus segredos de mão beijada. Sua beleza imagética esconde toda sua bizarrice com uma estética que passeia por "Edward Mãos de Tesoura" (1990) e "O Show de Truman" (1998), e transforma a casa própria, uma das mais desejadas paisagens, em um verdadeiro labirinto em que cada esquina é um pesadelo.

4. Joias Brutas (Uncut Gems)

Direção de Josh Safdie & Benny Safdie, EUA.
Adam Sandler é um ícone do cinema norte-americano, mas pelos motivos errados. Ele já possui nada mais nada menos que NOVE Framboesas de Ouro (que premia o que há de pior no Cinema), inclusive sendo o detentor do recorde de maior número de prêmios em uma noite: "Cada Um Tem a Gêmea Que Merece" (2011) foi indicado a sete Framboesas e ganhou todas. Todavia, Hollywood adora ver um nome falido encontrando o Olimpo com alguma fita, e Sandler encontrou com "Joias Brutas". Os diretores, os irmãos Josh e Benny Safdie, adoram pegar atores considerados ruins e transformarem em donos de prêmios - como Robert Pattinson com "Bom Comportamento" (2017) -, e o Olimpo de Sandler foi fabuloso: dono de uma joalheria, ele é viciado em jogos de azar e vai levar a vida de todo mundo ao redor numa montanha-russa eletrizante, marca dos irmãos Safdie. "Joias Brutas" é um estudo de personagem raro e imperdível que entrega muito mais que um ator ruim conseguindo quebrar o estigma.

3. O Chalé (The Lodge)

Direção de Veronika Franz & Severin Fiala, Reino Unido/EUA.
O segundo filme da dupla austríaca que nos presenteou o clássico moderno "Boa Noite Mamãe" (2014), "O Chalé" satisfará o paladar de quem gosta do tipo de terror do primeiro. Duas crianças perdem a mãe quando ela se suicida depois de um ex-marido começar a namorar uma mulher nova. O pai tenta (com insistência) aproximar os filhos da namorada, que possui um passado macabro e, segundo a prole, possui algo de muito errado. Eles ficam presos em uma cabana, e situações inexplicáveis desafiam a sanidade de todos. "O Chalé" nada contra a maré do modelo atual de cinema de terror, acomodado em berrar sustos, e edifica sua atmosfera com muito cuidado, trabalhando com sugestões e temáticas geralmente tratadas com pobreza. A religião católica já perdeu as contas de quantos filmes a tomam como ethos de maneira preguiçosa, sem agarrar o quão assustador pode ser quando roteirizada da maneira certa, e "O Chalé" é um desses exemplos de sucesso, ainda mais louvável quando não possui uma trama sobrenatural, bengala batida e saturada dentro do gênero.

2. Os Miseráveis (Les Misérables)

Direção de Ladj Ly, França.
O vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2019 ao lado da obra-prima tupiniquim "Bacurau" (2019), "Os Miseráveis" é mais um filme a analisar a brutalidade da polícia (majoritariamente contra pessoas negras), tendo a França depois da vitória na Copa do Mundo 2018 como palco principal. Indicado ao Oscar 2020 de "Melhor Filme Internacional", o filme possui vários polos que se chocarão da mesma forma como os diferentes contextos culturais do caldeirão que é Paris, tendo um policial que atira em uma criança negra como estopim de uma revolta. É um daqueles filmes enormes, que não terminam com o rolar dos créditos, permanecendo com o espectador por muito tempo ao pôr no ecrã tantos debates pertinentes e atuais.

1. 1917 (idem)

Direção de Sam Mendes, Reino Unido.
Filme de guerra chegando em premiações, alguém ainda aguenta isso? "1917" teve o trabalho inicial de conseguir conquistar um público cansado de um molde bélico feito para arrepiar a epiderme de premiações, e o resultado é (quase) irretocável - não por acaso ganhou três Oscars e sete BAFTAs. Com foco na Primeira Guerra Mundial, o trabalho segue dois soldados que são mandados em uma missão a fim de evitar um combate ainda maior e mais trágico. Filmado com a técnica de plano sequência - como se não houvesse cortes -, "1917" possui a consciência de que toda a fotografia, som, direção de arte e qualquer elemento técnico não sustenta uma arte que é, primordialmente, o ato de contar uma história. Os pequenos tropeços são ínfimos em meio à experiência visual e sensorial que imerge o espectador nos horrores e nas glórias desse período, sendo um daqueles filmes que nos recorda o quão impressionante e indispensável é a Sétima Arte. Nenhuma outra mídia seria capaz de causar o mesmo impacto.

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