Madonna estava de olho no pop do futuro quando, em meados de 2014, escalou o produtor Diplo para arquitetar seu novo disco, “Rebel Heart”. Na época, Diplo estava no hype pelos trabalhos com seu projeto de música eletrônica, Major Lazer, e já detinha o título de visionário por sons que emprestavam elementos do afrobeat ao pop europeu, tendo influenciado artistas como Beyoncé (“Run The World”) e construído novas sonoridades ao lado de M.I.A (“Paper Planes”, “Bucky Done Gun”).
Para esse disco, a dupla trabalhou em faixas como “Living For Love” e “Unapologetic Bitch”, até que a Rainha do Pop quis ir além e pediu pra que o produtor te mostrasse o que houvesse de mais louco na música pop atual. Ele? Chegou com o que se tornou “Bitch I’m Madonna”, com um arranjo que fascinou a artista, não pelas batidas de Diplo, mas, sim, pelo visionismo de uma outra artista que o cara já estava de olho: uma cantora e produtora da Escócia, chamada SOPHIE.
No mesmo ano em que “Bitch I’m Madonna” chegava ao público, SOPHIE lançava também seu primeiro registro, “Product”: uma coleção com os sons, conforme descrito por Madonna, mais doidos que a música pop poderia comportar, com sintetizadores que passeavam entre o industrial e o subgênero que só veio ganhar um nome oficialmente anos depois, a “pc music” ou, de acordo com as tags do Spotify, “hyperpop”.
Desde então, foram muitas as artistas que trabalharam ou foram influenciadas por SOPHIE. Rihanna, quando quis transgredir seu som no disco “Anti”, foi apresentada à produtora, trabalhando em faixas que nunca viram a luz do dia. O mesmo rolou com Lady Gaga, que passava por um processo parecido na busca pelo pop perfeito em “Chromatica”. E, claro, Charli XCX, que viu seu som se transformar da água para o vinho desde que começou a colaborar com a artista no EP “Vroom Vroom” e nunca mais fez música pop à moda antiga.
Mesmo no Brasil, o som da artista atraía a atenção e se tornava referência. Fã de pc music, Pabllo Vittar explorou a influência da musicista escocesa em faixas como “Buzina” e “Ponte Perra”, dos seus dois últimos álbuns. Produtor de música eletrônica, Mulú trouxe os timbres de SOPHIE para o funk em músicas como “Foi bom te encontrar”, com o MC Flavinho, e remixes lançados através do seu Soundcloud alternativo, “Omulu Remisturas Extras Ordinárias LTDA”. E até no 150bpm ela teve vez, como foi o caso desse remix de “Hard”, assinado pelo produtor brasiliense kLap.
Em 2019, a artista se tornou uma das primeiras artistas trans a ser indicada ao Grammy, por seu disco de estreia, “Oil of Every Pearl's Un-Insides”, e para esse ano, com a ascensão do hyperpop e outros artistas influenciados por sua sonoridade, incluindo nomes como 100gecs, Rina Sawayama, Arca, entre tantos outros, se preparava para a estreia do projeto audiovisual “Transnation”, que viria a ser um dos seus maiores trabalhos.
Toda essa jornada, entretanto, foi abruptamente interrompida com o falecimento da artista que, aos 34 anos, se viu vítima de um acidente que chocou seus fãs e artistas na manhã deste sábado, 30, após um anúncio de sua própria gravadora, que pediu por orações e respeito a privacidade de seus amigos e família. Segundo o comunicado, SOPHIE, que escalou a música pop até encontrar fronteiras nunca antes enfrentadas, buscava o ponto mais alto que pudesse alcançar para ver de perto a lua e, tal qual Ismália de Alphonsus de Guimaraens, sofreu uma queda que, com todos os eufemismos possíveis, a permitiu se aproximar do brilhante satélite.
Um dia triste para os fãs de música pop e para a história da cultura recente que, sem o menor exagero, perde uma das maiores e mais relevantes artistas da nossa geração, que nunca esteve fazendo arte para os dias atuais, pois sempre esteve com a mente e ouvidos no futuro. Nos permitindo parafrasear a sua própria obra, “tá tudo bem chorar.” Ou, considerando o legado e influência imaterial que perdurará por tantas outras canções, que seja como “just like we never said goodbye”.
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