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Crítica: a natureza é a maior (e mais cruel) mãe no conto de fadas de horror “Ovelha”


Atenção: a crítica contém spoilers.

Existe um quadro na parede do meu quarto que informa bem uma das certezas que possuo; nele há a afirmativa "In A24 we trust", quase um mantra. Se você minimamente acompanha o Cinematofagia, já deve saber que a frase é (quase sempre) lei por aqui. Quando a produtora vai para o terror então, é um dos pilares de sustentação do gênero na modernidade - nem preciso discorrer sobre nomes como "A Bruxa" (2016), "Hereditário" (2018), "Clímax" (2019) e "Midsommar" (2019), certo?

Na corrente década, a A24 já prometeu dois novos terrores para se unirem nessa seleta lista de preciosidades, "Santa Maud" (2020) - que desde janeiro habita na lista de melhores do ano, spoiler alert - e "Ovelha" (Lamb), que acaba de chegar na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. "Ovelha" compartilha várias similaridades entre outras fitas da produtora, que já é elemento fundamental da sua filmografia: é o filme de estreia de Valdimar Jóhannsson, diretor e roteirista islandês. A A24 tem apostado em cineastas estreantes em diversos gêneros, acertando com louvor no terror - "A Bruxa", "Hereditário" e "Santa Maud", por exemplo, foram todos filmes de estreia de seus respectivos diretores, e essa característica diz muito não só na forma como a produtora trabalha (apostando em novos talentos) como também na expertise em selecionar projetos de sucesso.


Ao contrário de todos os citados até agora - e da imensa maioria do portfólio da A24 -, "Ovelha" não é falado em inglês. Inteiramente passado na Islândia, o roteiro abraça a língua do país, e tal ponto faz toda a diferença. Em "Ovelha", María (a ótima Noomi Rapace) e Ingvar (Hilmir Snær Guðnason) são um casal de fazendeiros em uma planície gelada do país. Entre cuidar do plantio e de diversos animais, em especial ovelhas, a vida passa de maneira devagar e pacata, sem grandes acontecimentos. O auge acaba sendo o nascimento de cordeiros, com o parto realizado pelos dois, mas até isso já virou atividade corriqueira. Até que um dia um desses pequenos cordeiros choca o casal.



A produção faz escolhas na primeira parte que, apesar de ""frustrantes"", são corretas: demoramos uma boa parte da duração para ver o que assustou os dois. A primeira cena, inclusive, é rodeada de mistério: a câmera é a visão de alguma criatura, que caminha sem pressa até o celeiro onde se encontram as ovelhas. A fita não entrega as peças na tela, deixando o rápido prólogo como estopim nas sombras. É claro que, enquanto plateia, ficamos sedentos de vermos graficamente o que está acontecendo, todavia, imaginar o que está se desenrolando pode ser muito mais intrigante do que de fato ver.

O cordeiro recém-nascido é, de alguma maneira, um híbrido de ovelha com humano - sua cabeça e metade do tronco, até um dos braços, é composto de anatomia ruminante, enquanto o resto do corpo é humano. María e Ingvar acabam "adotando" a criatura e cuidando como se fosse um filho. A faixa temporal na película não é diretamente delimitada, acompanhando com certa precisão a partir do crescimento de Ada (o nome do bichinho), que dorme em um berço do lado da cama do casal.

A calmaria e felicidade da nova família começa a ser perturbada pela ovelha-mãe de Ada, que passa o dia do lado de fora da casa berrando atrás da cria que foi, de certa forma, roubada. María é a mais afetada pelas perturbações do bicho, até que perde a paciência e mata a ovelha - o que ela não sabia era que o irmão de Ingvar, Pétur (Björn Hlynur Haraldsson), acabara de chegar na fazenda e viu todo o ocorrido.



É claro que Pétur não vai entrar no conto de fadas de bom grado - a presença de Ada é uma aberração para ele, reforçado pela maneira que o casal lida com a situação: como se fosse a coisa mais natural do mundo. Fica ainda mais desconcertante quando descobrirmos que "Ada" não foi um nome sem propósito: esse era o nome da filha de María, que morreu em algum momento e de alguma forma não explanada.

Pétur perfura a bolha de fantasia quase histriônica da obra e traz mais elementos dramáticos que dão mais luz à trama. Ele, sempre que o irmão vira as costas, faz investidas sexuais em cima de María, que, apesar de negar, não parece se surpreender, o que demonstra que há uma história ali. Decidido a dar um ponto final naquele absurdo, Pétur tenta matar Ada, contudo, na hora H, desiste, se transformando em uma figura paterna. Aqui acende uma luz vermelha.

Talvez, e esse é um enorme "talvez", Ada (a filha morta) não era de Ingvar, e sim fruto de uma traição de María com Pétur. Com a chegada de Ada (a pequena ovelha), María a acolhe como sua em uma desesperada tentativa de reparação do passado - ela seria "genuinamente" filha do casal. O encantamento pela resolução e substituição do erro é tão grande que Ada se torna o ímo da felicidade dos dois, que a defendem a qualquer custo. A montagem e fotografia (belíssima, mas isso não é difícil, ligar uma câmera em qualquer lugar da Islândia é garantia de imagens perfeitas), no momento em que Pétur está com a arma apontada para Ada, foca na troca de olhares entre o homem e a criatura, e há uma áurea de ternura ali, comprovada pelo próximo corte em que Ada está dormindo no colo de Pétur. Ele viu ali a representação da filha perdida.



A atmosfera denota uma fixação de todos por Ada, talvez um simbolismo que também fomente uma teoria gerada pelo roteiro. É curioso que o animal escolhido seja um cordeiro - poderia ser facilmente um cavalo ou qualquer outro encontrado no cenário rural, então por que um cordeiro? O animal tem fortíssima referência religiosa, sendo, na mitologia cristã, a representação de Jesus, o Agnus Dei. Ada, de certa forma, é o messias daquela família, sendo a salvação e razão para María e Ingvar - até mesmo o problemático Pétur é arrebatado pela pureza da "criança".

Os nomes escolhidos para os poucos personagens não devem ter sido sem propósito. "Ada", em dialeto do povo Aro, na África, significa "a primeira filha", e "nobreza" em origem alemã. "Ingvar" é um antigo nome escandinavo que significa "protegido por deus". "Pétur" é a derivação islandesa do nome "Pedro", que foi um dos 12 apóstolos de Cristo. E "María" dispensa maiores descrições. Até o nascimento de Ada remonta a vinda do salvador na manjedoura.

No clímax da obra, finalmente vemos quem é o pai verdadeiro de Ada, a criatura que acompanhamos no prólogo: uma mistura de homem com bode, ele mata Ingvar e leva Ada embora, para o desespero de María, que perde o marido e a filha em um só golpe. Se você assistiu "A Bruxa" ou tem conhecimento das escrituras bíblicas, a figura da pai é ligada diretamente com Satanás, em uma mistura alucinada dessa mitologia específica - o diretor ainda afirmou que o enredo não é baseado em algum folclore islandês ou da região. Ada pode ter sido uma redenção para a família, mas ela não era deles. Ao ser roubada, a cordeirinha sai de glória à ruína num piscar de olhos.

É bem claro que um longa como "Ovelha" não será de largo apelo popular por inúmeros motivos - o ritmo lento, a ambientação contemplativa, as alegorias complexas, a falta de explicações diretas e até mesmo a língua acabam afastando -, sendo um daqueles filmes que precisam ser digeridos para não ficarem na superfície do "o que diabos foi isso?". Mais um pilar na nova onda de horrores que focam no drama ao invés da gratuidade que muitos exemplares do gênero acabam caindo, "Ovelha" é um estudo declaradamente estranho sobre a morte, a culpa e como encontramos nas mais diferentes coisas um motivo para nos trazer a felicidade. No fim das contas, a moral é que a natureza é a maior mãe de todas, e com ela é olho por olho e dente por dente.
 

Crítica: “Santa Maud” vai do gênesis ao apocalipse na beatificação do terror

Atenção: a crítica contém spoilers.

O enorme entusiasta do terror que sou, não consigo deixar de apontar um óbvio que, mesmo sendo óbvio, ainda não é óbvio o suficiente: a A24 está salvando o gênero. A distribuidora, que se encontra no apogeu, vem cunhando uma filmografia que, focando no terror, traz os melhores nomes da atualidade. De fato, para cada "Hereditário" (2017) a gente tem 10 "A Freira" (2018), e a A24 é peça primordial no equilíbrio da Sétima Arte.

Então, se a A24 lança um terror, eu assisto. Sim, ela já jogou no mundo alguns nomes que, apesar de longes do patamar de "bomba", podemos fingir que não existiram - "The Monster" (2016) e "The Hole In The Ground" (2019), por exemplo -, porém, estamos diante de mais uma glória da distribuidora: eis "Santa Maud" (Saint Maud).

"Santa Maud", estreia da diretora Rose Glass, orbita ao redor de Maud (Morfydd Clark), uma enfermeira. Após um rápido prólogo, que pincela algum tipo de tragédia, ela parte para um novo capítulo: Maud cuidará de Amanda (Jennifer Ehle, cópia de Meryl Streep), dançarina aposentada que está nos últimos estágios de um câncer. Há uma forte dicotomia entre as duas: Maud é extremamente religiosa, enquanto Amanda não parece andar de mãos dadas com deus.

O longa é um grande diário de Maud. Ouvimos seus mais profundos pensamentos por meio da narração da personagem, que dialoga diretamente com o altíssimo. Ela conta desde acontecimentos corriqueiros - como uma dor que não a abandona - até os desejos de uma vida muito maior do que aquela. Todavia ela permanece ali, crente e paciente de que um grande destino está ao virar na esquina.

Não demora para que outro impedimento surja na epopeia de Maud na salvação de Amanda: ela é lésbica e contrata regulamente uma garota de programa. O espectador mal pisca e Maud não apenas quer salvar o corpo da dançarina, mas principalmente sua alma. Ela joga fora as bebidas, tenta se livrar da acompanhante e costura uma relação cada vez mais íntima, a fim de fincar suas mãos no âmago de Amanda - e com muito bom grado.

"Santa Maud" solidifica uma corrente que parecia perdida no horror: a potencialização do drama. Aqui, é o drama que fomenta o terror, e não o oposto, e essa estrutura é fundamental para o sucesso da fita. Os lampejos de terror existem, contudo, não são o palco principal - pelo menos na maior parte da duração. Um dos primeiros elementos de horror são as cenas em que Maud sente a presença de deus, na tela de maneira física. Ele invade o corpo da enfermeira com uma lentidão e força enorme, quase a desfigurando.

Fica bem claro que a obsessão de Maud para com Amanda terminará, no mínimo, com uma demissão, e isso ocorre quando Amanda confronta a garota sobre a acompanhante, que aparece em uma festa. Ela bate no rosto da patroa após ter sua fé ridicularizada e é sumariamente mandada embora. Isso chacoalha os pilares do mundo de Maud: se foi deus que a colocou ali para salvar Amanda, e ele permitiu que ela a demitisse, então deus a abandonou?


Uma das maiores discussões - e talvez meu aspecto favorito de "Saint Maud" - é a megalomania religiosa. A jovem, a todo o momento, repete que sabe que estava destinada a algo grandioso pelos caminhos traçados por deus. Já presenciei inúmeras vezes pessoas justificando acontecimentos como "obra de deus": se consegui ganhar na loteria, foi porque deus permitiu, amém. Mas por que você conseguiu esse presente dos céus e outros não? O que te faz mais merecedor do que outros? Você orou mais vezes ou deu um dízimo maior nos domingos? Esse pensamento, extrapolado no roteiro de "Santa Maud", é um viés do ego religioso e fundamentalista.

Preciso pausar momentaneamente a narrativa sob a película para adentrar em aspectos particulares: mesmo crescido em um ambiente extremamente religioso, sou ateu. Porém, obras que abordam a religião e seus impactos na vida humana me cativam de maneira exemplar - talvez por ver o contexto sem estar dentro dele. Temos, também, que entender a diferença entre religião e espiritualidade.

Religião é uma instituição que - há mais tempo do que deveria - é alinhada com os interesses da burguesia, enquanto espiritualidade é sua fé, sua crença, e ela não depende de uma instituição para existir. Se essa instituição está aparelhada mediante o interesse da minoria, ela é (em sua base, e falo especificamente da religião presente no filme) ferramenta de adestramento. Maud em algumas cenas entrega seu corpo ao flagelo, um preço pequeno (para ela) quando o retorno é a graça de deus. Só que a relação de Maud com seu deus é mais estreita que a dos meros mortais.

Maud conversa com deus, e ele responde. Em uma das melhores cenas da duração, Maud desesperadamente pede por um sinal do senhor, e ele atende. Literalmente (bem no clima de "A Bruxa", 2017). Ele - falando em galês, escolha interessante de língua - diz que Maud está muito próxima de estar sentada ao seu lado, precisando provar sua adoração uma última vez. Ela precisa salvar a alma de Amanda o mais rápido possível, pois sua morte se aproxima. O que Maud não esperava era que ela se revelaria uma criatura demoníaca - e o momento perfeitamente remete a "O Exorcista" (1973) -, o que leva a Maud a matar Amanda.

Após o assassinato, Maud ganha asas douradas e precisa agora subir aos céus. Ela se encharca em acetona e ateia fogo em si própria. Por ser uma narrativa que se passa simbioticamente por meio dos olhos da protagonista, vemos o fogo sagrado lamber seu corpo e ativar suas asas, enquanto transeuntes se ajoelham diante de tamanho milagre. Maud ri, finalmente conhecendo o amor absoluto do criador. Só que Rose Glass genialmente desliga os olhos de Maud, e vemos em apenas um segundo seu desespero enquanto morre queimada.


Não dá para não pensar "o que foi que eu acabei de assistir??" com o rolar dos créditos, todavia, possuo uma teoria que talvez una todas as peças de "Santa Maud". Maud era uma ferramenta da intervenção sobrenatural, doando seu corpo para as linhas tortas de deus. Porém, Maud não era conduzida por deus, e sim pelo diabo. Na cena em que ele conversa com a protagonista, em momento nenhum se denomina como deus, Maud apenas supõe como verdade. Com poucas dicas do passado da enfermeira, pequenos fragmentos são espalhados pela duração, e vemos que Maud era uma ativadora do caos na terra. No entanto, até mesmo aqui entramos em mais uma discussão. O que é deus?

Nós, inseridos na cultura em que vivemos, temos uma figura bem definida do que é deus. Mas esse é apenas um deus, com culturas diferentes possuindo diferentes representações do que seria essa divindade. No fim das contas, o deus de Maud poderia simplesmente ser o diabo, e não o deus que pensamos à primeira vista. Outro traço que corrobora com esse pensamento é a forma como "deus" interage fisicamente com a protagonista: ela parece está tendo um orgasmo. Se você conhece a história das bruxas, sabe que as mulheres libertárias eram taxadas de demoníacas ao explorarem sua sexualidade - até presente data ainda é um tabu o sexo para a mulher. Não é compatível a imagem do deus bíblico com a forma que ele age no corpo de Maud - o final de "A Bruxa" é um paralelo perfeito para essa ideia.

Quer mais nuances dessa linha de pensamento? Amanda pergunta quem é a santa de devoção de Maud, e ela diz que é Maria Madalena. Caso você não saiba, Maria Madalena era, segundo as escrituras, uma das seguidoras mais próximas de Cristo, e foi pintada como prostituta. Apesar de ser considerada santa por algumas vertentes do catolicismo, ela é figura primordial da mitologia cristã na representação de uma mulher condenada por uma ligação estreita demais com o Messias - alguns apontam que ela era esposa de Jesus (lembra do videoclipe de "Judas", da Lady Gaga?), e essa imagem vai contra o status de imaculado do salvador. Maud, com seu vínculo íntimo com deus, é a Maria Madalena da Inglaterra moderna.

Até mesmo o nome "Maud" não foi gratuito. A protagonista, que na verdade se chama Katie, adota a alcunha depois de se converter. No alemão antigo, "Maud" significa "poderosa guerreira", e é dessa forma que ela se enxerga, um vassalo pronto para entregar a vida na guerra em prol da salvação da humanidade. Maud nada mais foi que uma vítima das enganações de satanás, que, por meio de um enganoso status de "especial", turvou sua mente até que ela se colocasse em posição de messias.

É deveras importante ver como os protagonistas dos terrores da A24 estão todos em uma fuga ferrenha contra a solidão. Os horrores orquestrados ao seus arredores são castigos da condição humana: a de estarmos constantemente em busca de algo que nos dê sentido, e Maud achou esse sentido, no entanto, era o sentido errado. "Santa Maud" é uma estreia impecável que se junta ao seleto panteão de filmes de terror contemporâneos que usam a mitologia religiosa ao seu favor - o último grande nome a conseguir o feito foi "O Chalé" (2019).

Amém, Santa Maud. Louvemos seu nome.

  

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Lista: os 10 melhores filmes da melhor distribuidora do planeta, a A24

Fundada há apenas seis anos, em 2012, a A24 é um produtora e distribuidora de cinema e televisão. Mesmo com poucos anos de existência, a empresa já é queridinha da roda cinéfila por escolher a dedo quais os nomes que vai lançar sob seu selo - aprende, Netflix. É certo que não dá para acertar todas - até porque estamos falando da Sétima Arte e, consequentemente, de subjetividade -, mas é só aparecer a logo da distribuidora que o interesse é instantâneo.

Nesse belo mês de agosto, a A24 completa seu aniversário, então venho aqui eleger meus 10 filmes favoritos desse cristal imaculado do Cinema, que ano após ano ganha mais espaço dentro da indústria e do mercado, sem perder a qualidade e mantendo-se como a melhor distribuidora nesse planetinha - e olha que é tudo independente, longe dos cofres bilionários das gigantescas, como a Warner, Disney e Fox.

Válido pontuar que a lista, sem ordem de preferência, possui o deadline de até julho de 2018 e, óbvio, foi feita mediante a disponibilidade dos filmes, seja por meio de cinemas, streamings e etc, com cerca de 60 nomes aptos para estarem entre os 10 finalistas. Santo é teu nome, A24.


A Gangue de Hollywood (The Bling Ring), 2013

Um dos vários filmes de Sofia Coppola a trazer seu estudo sobre o white gurl problems, "A Gangue de Hollywood" não é levado muito a sério devido o elenco jovem e temática fútil: um grupo de bem nascidos decide formar uma gangue e roubar mansões e celebridades para copiar seus estilos de vida. Encabeçado por Emma Watson, em um dos seus primeiros papéis a tentar se desvencilhar da figura de Hermione, o filme é o resumo da era do TMZ, e, daqui a 30 anos, servirá de estudo para explicar como era nossa sociedade cultural no início do terceiro milênio, com sua ode ao plástico, às marcas, ao dinheiro e à mídia sensacionalista que parasita tudo isso. Isso se não ficarmos piores. Let's go to Paris'. I wanna rob.

O Homem Duplicado (Enemy), 2013

Se um Jake Gyllenhaal é bom, imagine dois? Um professor aborrecido com a monotonia da vida descobre em um filme que existe um ator exatamente igual a ele. O achado vai desencadear numa espiral de obsessão entre ele e seu duplo. Dirigido pelo incrível Denis Villeneuve - da obra-prima "A Chegada" -, o roteiro é baseado num livro de José Saramago e, sem saber o quanto a produção bebe da fonte literária, temos em mãos um dos melhores quebra-cabeças já feitos no século. "O Homem Duplicado" não possui saídas simplistas nem resoluções óbvias, entupindo a plateia com metáforas visuais, composições enigmáticas e peças que parecem não se encaixar. A aranha teceu essa teia à base do caos, e não se culpe caso precise reassistir para entender.

Projeto Flórida (The Florida Project), 2017

Sean Baker, o maior esnobado do Oscar 2018, sem grandes pretensões realizou uma pérola que já nasceu clássico. "Projeto Flórida" vai até à artéria de uma população varrida para debaixo do tapete: os novos sem-teto. Passando-se num hotel - sarcasticamente chamado de Castelo Mágico - às margens do parque da Disney, a ótica narrativa da película foi moldada a partir do que e de que forma as crianças enxergam a precária realidade em que vivem. Com toda a força da crueza e realismo presentes no cinema bakeriano, "Projeto Flórida" é uma agridoce viagem pela busca dos nossos reinos encantados, carregado pela melhor atuação de 2018: Brooklynn Prince, de SEIS anos. A sequência final é desoladoramente pura.

Sombras da Vida (A Ghost Story), 2017

C é casado com M e vivem felizes em sua pequena casa. Só que C morre em um acidente, e, ao invés de priorizar o luto de M, David Lowery explana o que acontece com a (pós)-vida de C, agora um fantasma. "Sombras da Vida" (que título nacional horroroso) vai ao mais elementar da mitologia ao redor do fantasma e o traz com o velho lençol branco, revitalizando não apenas a criatura como também a maneira de retratar o luto no cinema. Negando-se a seguir em frente, C se instala em sua casa e observa os passos da ex-esposa até que o choque acontece: ela continua vivendo. Niilista até arrancar a fé do público, "Sombas da Vida" é um lento estudo acerca do ato de permanecer ou não em uma situação de perda. Vale a pena toda a sofrível tarefa que é viver?

Hereditário (Hereditary), 2018

Para este que vos escreve, "O Exorcista" é o que há de mais refinado e imperdível em toda a história do terror, meu gênero favorito. E ano após ano vejo tentativas de parirem um longa que seja digno de receber o rótulo de "sucessor" do maior. Em 2018 aconteceu. "Hereditário", trabalho de estreia de Ari Aster, nos aprisiona no seio de uma estranha família que não sabe o quão pesada foi a herança deixada pela matriarca, a agora falecida avó. A maior parte da obra contenta-se em explanar o impacto do medo sobre a natureza humana, até deixar qualquer formalidade de lado para abrir todas as portas do inferno em seu clímax, um pesadelo assustador na tela que não mede limites para catapultar o espectador para o meio do pandemônio instaurado. Entreguem logo o Oscar para Toni Collette ou se acertem com Paimon.

O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer), 2017

Yorgos Lanthimos há muito tempo se tornou meu diretor favorito pela união de críticas sociais com histórias estranhas, e seu último trabalho, "O Sacrifício do Cervo Sagrado", não poderia ser diferente. Uma família recebe uma praga de um garoto abandonado pelo patriarca: esse deve matar um dos membros de sua família antes que todos morram, em troca da vida do pai do garoto, morto na mesa de cirurgia do patriarca. Soa um absurdo - e é mesmo -, entretanto, Lanthimos consegue, diante de um oceano de bizarrices, produzir um filme narcotizante que martela a cabeça de quem vê em busca de respostas para o que diabos está acontecendo - e o que faríamos se estivéssemos ali. Temos aqui o maior amor familiar já feito na história do cinema.

O Lagosta (The Lobster), 2015

Olha mais um do Lanthimos. O filme mais famoso do diretor grego - foi indicado ao Oscar de "Melhor Roteiro Original" (e deveria ter vencido) - retrata um mundo em que é proibido ser solteiro. Caso seu relacionamento falhe, você tem 45 dias no Hotel para encontrar a cara-metade, caso contrário será transformado em um animal da sua preferência e solto na Floresta. Mais um dia qualquer no Cinema. "O Lagosta" brilhantemente brinca com nossas noções de romance e o quanto estamos desesperadamente em busca de alguém para nos tirar da solidão, por mais absurda que seja essa busca. A forma como nos sujeitamos às regras impostas é escancarada de maneira hilária (e preocupante) em "O Lagosta", a prova de seu poder como experiência audiovisual.

Sob a Luz do Luar (Moonlight), 2017

Ainda há algo para se falar sobre "Moonlight", o maior vencedor do Oscar de "Melhor Filme" do século e obra-prima absoluta não apenas do cinema LGBT como da Sétima Arte como um todo? Acho que não.

Um Cadáver Para Sobreviver (Swiss Army Man), 2016

Se Emma Watson já está muito bem encaminhada após "Harry Potter", Daniel Radcliffe demorou para se encontrar e deixar um pouco de lado a imagem do bruxo mais famoso do mundo. Seu apogeu foi com "Um Cadáver Para Sobreviver". Não se enganem pelo título nacional e nem pela loucura da premissa: um homem prestes a cometer suicídio em uma ilha deserta encontra um cadáver que vira seu melhor amigo - e esperança de uma vida melhor. Sim. Radcliffe, que vive (risos) o cadáver, é válvula de discussões impagáveis e assustadoramente relevantes sobre como nos relacionamos com outras pessoas, sem, óbvio, deixar de anarquizar todas as regras do bom senso. Um prato não apetitoso para qualquer paladar (mas visualmente estonteante), "Um Cadáver Para Sobreviver" é inegavelmente o melhor filme de zumbi já feito. Sério.

A Bruxa (The Witch), 2015

Terror que movimentou a internet durante o lançamento, tanto por ser aclamado pela crítica como por ser venerado por satanistas, "A Bruxa" supera qualquer expectativa fomentada pela loucura ao redor da divulgação - que não foi pouca. Outro trabalho de estreia - de Robert Eggers, vencedor do prêmio de "Melhor Diretor" no Festival de Sundance -, "A Bruxa" mostra uma família cristã sendo engolida pelas maléficas forças da natureza, a igreja suprema de Satã. Bem ambientado e narrado (A FOTOGRAFIA), cheio de simbolismos e gore pontual a fim de construir um filme deliciosamente lento e atmosférico, eis um legítimo conto macabro de bruxas. Não é assustador no sentido mais óbvio do termo, é uma celebração do caos instaurado pelo fanatismo religioso que tanto oprime - e mata. O mundo é de "A Bruxa", a gente só vive nele.

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Santa é a obra da A24, que nos engrandece, fortalece e nos enche de dádivas, glórias e filmes espetaculares. Já deu para perceber que o mundo funciona assim:

A24: A
Mundo: OBRA-PRIMA

Assista o trailer de “Mid90s”, filme que marca a estreia de Jonah Hill como diretor

Quem curte a sétima arte se tornou um escravinho da A24, a produtora que surgiu nos últimos anos com filmes como “A Bruxa”, “Projeto Flórida” e qualquer produção com fotografia bonitinha que os tumblrs piram. Brincadeiras à parte, A24 é sinônimo de qualidade e até quando temos um comediante estreando como diretor, o filme merece total voto de confiança.

A gente tá falando de “Mid90s”, que pegou todo mundo de surpresa nesta semana com seu primeiro trailer. O filme é dirigido e roteirizado pelo também ator e comediante Jonah Hill. A produção acompanha Steve (Sunny Suljic), um jovem de 12 anos durante o verão americano dos anos 90. É aquele clássico coming age que todo mundo deve amar.



É bem interessante só pelo primeiro trailer ver como estão se preocupando com a ambientação do longa-metragem, apostando numa fotografia totalmente noventista, com resolução 3:4 e uma estética visual um pouco desgastada. O meme “ah, mas a fotografia…” nunca fez tanto sentido como agora, né?

Vale destaque também para Lucas Hedges, que está em mais um filme da A24, chocando em um total de 0 pessoas. Levando em consideração o calendário de lançamentos norte-americanos, Lucas tem três filmes neste ano, mas a gente já tá cansado de ver a cara desse moço porque “Três Anúncios Para um Crime” e “Lady Bird” chegaram aos cinemas brasileiros esse ano. Na verdade, manda mais Lucas que tá pouco!

“Mid90s” chega aos cinemas norte-americanos em outubro de 2018 e deve chegar ao Brasil somente em 2019, principalmente caso se torne um possível favorito do Oscar.

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