Mostrando postagens com marcador Aquarius. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Aquarius. Mostrar todas as postagens

“Enterramos muito mais que um filme”, diz Anna Muylaert sobre o boicote à “Aquarius” no Oscar

Foi revelada hoje a escolha do Ministério da Cultura de filme representante do Brasil ao Oscar de ‘Melhor Filme Estrangeiro’ e, embora a grande aposta do público e crítica fosse “Aquarius”, recém-estreado em circuito nacional e rodeado de polêmicas por conta do posicionamento político de sua equipe contra o governo ilegítimo de Michel Temer, o longa escolhido foi “Pequeno Segredo”, dirigido por David Schurmann.

Baseado na história de Kat Schurmann, que também inspirou o livro homônimo de Heloisa Schurmann, “Pequeno Segredo” concorrerá na primeira fase contra filmes como “Negasaki: Memories of my Son”, do Japão, e “Julieta”, da Espanha, e causou uma reação negativa do público e profissionais da área, por conta do óbvio boicote ao trabalho de Kleber Mendonça Filho.

Em seu Facebook, a diretora e roteirista Anna Muylaert afirmou: “o maior prejudicado não foi nem é Kleber e sua equipe e sim o cinema brasileiro”. Grande nome por trás de “Mãe Só Há Uma”, Muylaert abriu mão de indicações ao seu filme, para não se tornar um empecilho quanto ao reconhecimento de “Aquarius”, e prosseguiu de maneira direta e crítica:

“Escolher outro filme para representar o Brasil agora – um filme que ninguém viu – não é apenas uma derrota para Aquarius, é, antes de tudo, uma mudança de rumo nos paradigmas de qualidade que viemos construindo todos nós juntos há anos. O que esperar do futuro? Que os amigos de Michel Temer sejam daqui pra frente os grandes autores do cinema brasileiro – independentemente de sua qualidade ou mesmo de sua representatividade junto ao público? A resposta é triste e é: provavelmente sim”.

Leia seu post completo:

A polêmica de “Aquarius”

Pra quem pegou o bonde andando, “Aquarius” começou a ganhar a antipatia do governo atual desde a sua pré-exibição durante o Festival de Cannes, em maio, na qual seu elenco aproveitou o espaço e exposição para denunciar o golpe no Brasil. No tapete vermelho do grande evento, os atores carregavam cartazes com frases como “Brasil está vivendo um golpe”, antes que fosse concretizado o impeachment contra a presidente eleita, Dilma Rousseff.

Após o protesto, o filme contou com dificuldades dentro do cinema nacional, incluindo a classificação etária para maiores de 18 anos, reduzida para 16 após uma ação judicial, e agora o boicote quanto ao Oscar, por mais que seja o favorito do público.

Ilustrando de maneira tragicômica toda a história envolvendo esse filme no atual contexto do Brasil, o filme protagonizou uma sutil troca de farpas com o jornalista Reinaldo Azevedo, da revista Veja, que escreveu uma crítica a produção, afirmando: “o dever das pessoas de bem é boicotar Aquarius”. E depois ficou emputecido ao ver que a sua frase foi parar no pôster de divulgação do filme pela internet, escrevendo outro texto como resposta, ainda que sequer tenha o assistido.

“Aquarius” estreou no começo desse mês e segue em cartaz por todo o Brasil. Assista ao seu trailer abaixo:

"Aquarius" nos mostra que podemos lutar pelo que é nosso


Após uma estrondosa campanha em festivais internacionais, angariando prêmios, elogios, e claro, muitas polêmicas, chega aos cinemas nacionais (obviamente em circuito limitado) o aguardado “Aquarius”, do diretor Kleber Mendonça Filho.

Logo no início, o burburinho geral foi causado devido ao protesto de todo o elenco no Festival de Cannes contra o impeachment. O elenco inundou o tapete vermelho do festival com cartazes com dizeres como “não há mais democracia no Brasil”, “o mundo não pode aceitar esse governo ilegítimo”, “houve um golpe de estado no Brasil”, entre outros.

Elenco de "Aquarius" protestando no Festival de Cannes. 

Dias antes de estrear no Brasil, outra polêmica aportou no horizonte, a classificação indicativa do filme foi elevada para 18 anos. Segundo o Ministério da Justiça, o filme continha uma “situação sexual complexa”.

Começou a surgir a alegação de retaliação da parte do Governo Temer contra o filme, devido sua relação com a situação política e manifestações contra o impeachment. Basicamente, ficou evidente que havia um ato de censura, já que um filme nacional com essa classificação afastaria boa parte da audiência.

Como forma de protesto, Anna Muylaert retirou “Mãe Só Há Uma” da lista de submissão dos filmes do Oscar, por não concordar com as diretrizes tomadas no processo de seleção dos candidatos. Foi tanto o barulho, que um dia antes da estréia a classificação foi baixada para 16 anos

Curiosamente, a história de “Aquarius” não nos entrega nenhuma referência política direta, mas a situação do filme é tão parecida com o que vivemos que é difícil não assimilar nenhuma analogia.

Vemos em “Aquarius” a vida de Clara, interpretada pela poderosa Sônia Braga em sua maior parte do tempo e pela talentosa Babara Colen no inicio do filme, retratando seu “eu” mais jovem. Duas atrizes que interpretam a mesma personagem com uma diferença de 30 anos, mas com uma sincronia perfeita. 

Aquarius é o nome do edifício em que Clara viveu toda sua vida. Foi ali aonde ela festejou, enfrentou um câncer, criou seus filhos e perdeu um marido. É em Aquarius que Clara reside, não é apenas seu lar, mas a representação física de sua história.

Entretanto, após anos vivendo no mesmo prédio, o avanço da cidade ameaça seu lar quando uma construtora planeja demolir o Aquarius e construir um novo condomínio residencial no mesmo local. Para concluir esse projeto, Diego, vivido por Humberto Carrão, precisa convencer Clara a vender seu apartamento.

Enquanto Clara resiste às investidas da construtora, uma guerra “passiva-agressiva” começa a ser travada dentro do prédio. Vemos Clara mostrar toda sua força e fraqueza em momentos tocantes e bem dirigidos do longa.

Enquanto o prólogo do filme é incrível e mostra na simplicidade das cenas o background da história de Clara, é no segundo ato em que a conhecemos melhor. No capítulo do filme intitulado “O Amor de Clara”, vemos Sônia Braga dar ares mais livres e leves para a personagem, num instante ela se mostra uma mãe frágil e em outro ela nos entrega uma verdadeira felina protetora. Já no capitulo final temos alguns confrontos entre Clara e Diego — aliás, tal personagem, foi até mesmo associado pelo diretor com a persona de Donald Trump.

É nesse ponto que vemos o maior e melhor discurso social do filme, quando Clara diz verdades a respeito dos egocêntricos de classe alta com frases como,  “você não tem caráter, aliás seu caráter é o dinheiro”. Propositalmente, Clara diz essas verdades de frente, como se olhando nos olhos da audiência no cinema, e percebemos que nesse momento a personagem está falando com aqueles sentados na sala assistindo ao filme, não com seu real ouvinte à sua frente.

“Aquarius” possui além de um roteiro excelente, e atuações impecáveis, uma qualidade técnica exemplar e inovadora para o nosso cinema. Indo de enquadramentos sufocantes até zooms exagerados, o diretor busca trabalhar de forma a transformar o filme em toda uma experiência.

Não podemos deixar passar a trilha sonora, que também é excelente e que, inclusive, já está disponível para ouvirmos no Spotify. A música, aliás, faz parte não só da vida da personagem como também é um elemento importante do filme, complementando a experiência visual.


Mas e a política? “Aquarius” não é um filme politico. Não há debate sobre partido, sobre direita ou esquerda. Mas o que temos é uma fábula moderna da nossa situação brasileira.

O Edifício Aquarius no filme é quase um ser vivo. Um personagem extra, com personalidade e que Clara luta para impedir que seja tomado. Clara resiste à ocupação com unhas e dentes, luta contra aqueles que querem tomar ilegitimamente seu lar. Ela se mostra frágil, quando na verdade possui uma voz poderosa.

Apesar da sessão se encerrar ao som de aplausos e gritos de “Fora Temer”, a mensagem que fica no final não é política, é de resistência. Da batalha do dia-a-dia que pode não ser ganha, mas que nunca podemos deixar de travá-la. O apego ao nostálgico é latente na história.

“Aquarius” nos mostra que podemos lutar pelo que é nosso, se apegar ao passado sem necessariamente repelir o futuro. Com tantas boas qualidades, aguardamos com o coração na mão que esse seja o aguardado filme que irá representar o Brasil nas indicações ao Oscar 2017.

NÃO SAIA ANTES DE LER

música, notícias, cinema
© all rights reserved
made with by templateszoo