Indicado aos Oscars de:
- Melhor Filme
- Melhor Ator (Timothée Chalamet)
- Melhor Roteiro Adaptado *favorito*
- Melhor Canção Original
Pode ser prematuro afirmar, mas parece que estamos vivendo o apogeu do cinema LGBT. Filmes com a temática são produzidos há tempos, mesmo que de forma não tão explícita - "Festim Diabólico" (1948), clássico do Hitchcock, é um exemplo com personagens gays sem possuir o tema desenvolvido -, porém estamos encontrando cada vez mais destaques anuais que embarquem nos dramas e vidas dessa população.
Pelo terceiro ano consecutivo, temos um filme LGBT recebendo aclamação e figurando entre os melhores do ano: "Carol" em 2015, "Moonlight: Sob a Luz do Luar" em 2016 e "Me Chame Pelo Seu Nome" (Call Me By Your Name) em 2017, todos premiados e importantíssimos para as discussões que envolvem sexualidade e gênero. Se "Moonlight" venceu o Oscar de "Melhor Filme" na edição de 2017, "Me Chame Pelo Seu Nome" já figura como um dos favoritos, podendo ser o segundo filme gay a ter a maior honraria da Academia.
"Me Chame Pelo Seu Nome" tem causado frisson desde sua estreia no Festival de Sundance, em janeiro deste ano, quando já era cotado para o Oscar de 2018. Dirigido por Luca Guadagnino, a obra segue Elio (Timothée Chalamet), jovem de 17 anos que passa seus dias preguiçosos no interior da Itália. Essa preguiça será abalada com a chegada de Oliver (Armie Hammer), estudante norte-americano convidado pelo pai do garoto a passar as férias em sua casa. A locação, em união com a fotografia e os figurinos, é responsável pelo clima edílico da fita, um filme solar, veraneio e que evoca a liberdade.
Em um legítimo coming-of-age, "Me Chame Pelo Seu Nome" visa desbravar o autoconhecimento de Elio na fase mais turbulenta da vida. Em meio ao marasmo da sua cidade, ele tenta se encontrar como pessoa, sendo obrigado a pegar um grande desvio quando Oliver entra na sua casa. Charmoso, bastante inteligente e facilmente apegável, Elio vê no rapaz o oposto de si mesmo, que passa a vida lendo ou ouvindo música, recolhido na sua própria introspectividade.
O longa acerta em já começar com a chegada de Oliver, logo na primeira cena. Os olhares dados por Elio sobre o cara são imediatamente de curiosidade, um exemplar atrativo para a descoberta de sua sexualidade. Então passamos a seguir os passos de ambos até o florescer do relacionamento.
Aqui esbarramos no primeiro problema: demora uma hora para o relacionamento de fato começar. Até lá, somos obrigados a enfrentar as mais diversas e clichês burocracias do gênero: se de um lado temos a dúvida de Elio sobre seus próprios sentimentos, o filme nos dá aquele velho lenga-lenga do personagem (no caso, Oliver) ficando com uma menina, para o ciúme velado do protagonista, que vai tentando chamar a atenção do outro. Daí para frente, tudo é altamente previsível.
Até que a atenção seja concretamente alcançada, a primeira hora é maçante, sem emoção e recheada de momentos em que nada acrescentam à narrativa. Arqueólogo como o pai de Elio, Oliver vai desde explicações sobre origens linguísticas até visitas arqueológicas. E tome recitais de poemas, e sequências no piano e leituras de autores franceses do século XVIII.
Tudo isso ajuda a compor a persona de Elio, que vive submerso num mundo de cultura, todavia, todos os personagens ao seu redor não recebem grandes estudos. Oliver é um personagem que serve quase exclusivamente para colocar os pés de Elio na sua sexualidade, já que não possui desenvolvimento. Todos ali gravitam ao redor do protagonista e não têm relações tão bem feitas. É tudo no piloto automático, funcionando por um background formado pelo próprio espectador.
E sem tais desenvolvimentos, o nascimento do romance entre o casal não chega a convencer de maneira assertiva. Há pinceladas de composição romântica, como o momento em que Oliver massageia as costas de Elio, para o aborrecimento (forçado) do garoto, que continua ficando com uma garota, seja por desejo fidedigno ou para expulsar Oliver da sua mente.
Porém, quando o relacionamento começa a tomar forma, o filme decola. O primeiro beijo dos dois é feito com uma veracidade rara: é palpável o desejo de ambos, a vontade animalesca de se devorarem, e é curioso ver como é Elio, aquele sem tanta experiência, que dá o primeiro passo, abrindo caminho para Oliver entrar no jogo - e ele entra, mesmo saindo rapidamente.
Se "Me Chame Pelo Seu Nome" acerta na mosca em algo é na relação física do casal: extremamente sensual, a química sexual exala da tela. Os atores conseguem se jogar de cabeça nos personagens, e entregam performances dignas de aplausos pelo comprometimento em momentos tão difíceis como as cenas de intimidade e sexo (nada explícitas). A obra explora bastante os corpos desnudos dos dois, que passam boa parte da metragem sem camisa, molhados, expelindo feromônios. Vemos suas peles, suas ânsias, seus fluidos (e seus pêssegos), e viramos cúmplices do relacionamento, visto de maneira próxima e naturalista.
Obras com temática LGBT quase sempre caem nos chavões de: mostrar os conflitos do personagem com sua família (que não aceita a sexualidade do mesmo); ou lincar com doenças, geralmente as sexualmente transmissíveis; ou enfrentar a morte de algum personagem. "Me Chame Pelo Seu Nome" faz nada disso - não que obras que tragam esses prismas sejam ruins, ainda necessita-se que se debata essas mazelas da vida LGBT, como o recente e ótimo "Viva" (2015), em especial quando esses prismas refletem também as realidades de países menos desenvolvidos.
Os pais de Elio têm ciência da "mais-que-amizade" do garoto com o pupilo, e estão bem com isso. De fato, infelizmente é exceção ter pais que aceitam com a naturalidade devida a relação homossexual do filho, porém o longa não está interessado em discutir a relação do jovem gay com sua família, e sim sua relação consigo mesmo e com Oliver. O namoro dos dois é mostrado como um romance de verão como qualquer outro - leia-se: a forma correta de ser retratada. Claro, há as dificuldades que a população LGBT ainda enfrenta - principalmente quando levamos em conta que a história se passa nos anos 80 -, entretanto, tirando isso, não há diferenças do amor dos dois com um amor hétero.
Um grande exemplo da falta de desenvolvimento do roteiro, atrapalhado pela montagem, é o período de "férias" que o casal tira do universo em que se conheceram. Eles viajam e passam três dias sozinhos, contudo quase nada é mostrado ali. Depois da viagem, Oliver terá que voltar para os Estados Unidos, o que fomentaria a angústia de qualquer um, no entanto, nem mesmo na despedida há a dose de emoção correta para o momento. Elio fica sim devastado, não havia como não ficar, mas tudo é feito letargicamente, apenas na superfície, ao invés de se aprofundar na separação dos dois, no ponto final daquele bucólico amor.
- Melhor Filme
- Melhor Ator (Timothée Chalamet)
- Melhor Roteiro Adaptado *favorito*
- Melhor Canção Original
Crítica editada após os indicados ao Oscar 2018
Pode ser prematuro afirmar, mas parece que estamos vivendo o apogeu do cinema LGBT. Filmes com a temática são produzidos há tempos, mesmo que de forma não tão explícita - "Festim Diabólico" (1948), clássico do Hitchcock, é um exemplo com personagens gays sem possuir o tema desenvolvido -, porém estamos encontrando cada vez mais destaques anuais que embarquem nos dramas e vidas dessa população.
Pelo terceiro ano consecutivo, temos um filme LGBT recebendo aclamação e figurando entre os melhores do ano: "Carol" em 2015, "Moonlight: Sob a Luz do Luar" em 2016 e "Me Chame Pelo Seu Nome" (Call Me By Your Name) em 2017, todos premiados e importantíssimos para as discussões que envolvem sexualidade e gênero. Se "Moonlight" venceu o Oscar de "Melhor Filme" na edição de 2017, "Me Chame Pelo Seu Nome" já figura como um dos favoritos, podendo ser o segundo filme gay a ter a maior honraria da Academia.
"Me Chame Pelo Seu Nome" tem causado frisson desde sua estreia no Festival de Sundance, em janeiro deste ano, quando já era cotado para o Oscar de 2018. Dirigido por Luca Guadagnino, a obra segue Elio (Timothée Chalamet), jovem de 17 anos que passa seus dias preguiçosos no interior da Itália. Essa preguiça será abalada com a chegada de Oliver (Armie Hammer), estudante norte-americano convidado pelo pai do garoto a passar as férias em sua casa. A locação, em união com a fotografia e os figurinos, é responsável pelo clima edílico da fita, um filme solar, veraneio e que evoca a liberdade.
Em um legítimo coming-of-age, "Me Chame Pelo Seu Nome" visa desbravar o autoconhecimento de Elio na fase mais turbulenta da vida. Em meio ao marasmo da sua cidade, ele tenta se encontrar como pessoa, sendo obrigado a pegar um grande desvio quando Oliver entra na sua casa. Charmoso, bastante inteligente e facilmente apegável, Elio vê no rapaz o oposto de si mesmo, que passa a vida lendo ou ouvindo música, recolhido na sua própria introspectividade.
O longa acerta em já começar com a chegada de Oliver, logo na primeira cena. Os olhares dados por Elio sobre o cara são imediatamente de curiosidade, um exemplar atrativo para a descoberta de sua sexualidade. Então passamos a seguir os passos de ambos até o florescer do relacionamento.
Aqui esbarramos no primeiro problema: demora uma hora para o relacionamento de fato começar. Até lá, somos obrigados a enfrentar as mais diversas e clichês burocracias do gênero: se de um lado temos a dúvida de Elio sobre seus próprios sentimentos, o filme nos dá aquele velho lenga-lenga do personagem (no caso, Oliver) ficando com uma menina, para o ciúme velado do protagonista, que vai tentando chamar a atenção do outro. Daí para frente, tudo é altamente previsível.
Até que a atenção seja concretamente alcançada, a primeira hora é maçante, sem emoção e recheada de momentos em que nada acrescentam à narrativa. Arqueólogo como o pai de Elio, Oliver vai desde explicações sobre origens linguísticas até visitas arqueológicas. E tome recitais de poemas, e sequências no piano e leituras de autores franceses do século XVIII.
Tudo isso ajuda a compor a persona de Elio, que vive submerso num mundo de cultura, todavia, todos os personagens ao seu redor não recebem grandes estudos. Oliver é um personagem que serve quase exclusivamente para colocar os pés de Elio na sua sexualidade, já que não possui desenvolvimento. Todos ali gravitam ao redor do protagonista e não têm relações tão bem feitas. É tudo no piloto automático, funcionando por um background formado pelo próprio espectador.
E sem tais desenvolvimentos, o nascimento do romance entre o casal não chega a convencer de maneira assertiva. Há pinceladas de composição romântica, como o momento em que Oliver massageia as costas de Elio, para o aborrecimento (forçado) do garoto, que continua ficando com uma garota, seja por desejo fidedigno ou para expulsar Oliver da sua mente.
Porém, quando o relacionamento começa a tomar forma, o filme decola. O primeiro beijo dos dois é feito com uma veracidade rara: é palpável o desejo de ambos, a vontade animalesca de se devorarem, e é curioso ver como é Elio, aquele sem tanta experiência, que dá o primeiro passo, abrindo caminho para Oliver entrar no jogo - e ele entra, mesmo saindo rapidamente.
Se "Me Chame Pelo Seu Nome" acerta na mosca em algo é na relação física do casal: extremamente sensual, a química sexual exala da tela. Os atores conseguem se jogar de cabeça nos personagens, e entregam performances dignas de aplausos pelo comprometimento em momentos tão difíceis como as cenas de intimidade e sexo (nada explícitas). A obra explora bastante os corpos desnudos dos dois, que passam boa parte da metragem sem camisa, molhados, expelindo feromônios. Vemos suas peles, suas ânsias, seus fluidos (e seus pêssegos), e viramos cúmplices do relacionamento, visto de maneira próxima e naturalista.
Obras com temática LGBT quase sempre caem nos chavões de: mostrar os conflitos do personagem com sua família (que não aceita a sexualidade do mesmo); ou lincar com doenças, geralmente as sexualmente transmissíveis; ou enfrentar a morte de algum personagem. "Me Chame Pelo Seu Nome" faz nada disso - não que obras que tragam esses prismas sejam ruins, ainda necessita-se que se debata essas mazelas da vida LGBT, como o recente e ótimo "Viva" (2015), em especial quando esses prismas refletem também as realidades de países menos desenvolvidos.
Os pais de Elio têm ciência da "mais-que-amizade" do garoto com o pupilo, e estão bem com isso. De fato, infelizmente é exceção ter pais que aceitam com a naturalidade devida a relação homossexual do filho, porém o longa não está interessado em discutir a relação do jovem gay com sua família, e sim sua relação consigo mesmo e com Oliver. O namoro dos dois é mostrado como um romance de verão como qualquer outro - leia-se: a forma correta de ser retratada. Claro, há as dificuldades que a população LGBT ainda enfrenta - principalmente quando levamos em conta que a história se passa nos anos 80 -, entretanto, tirando isso, não há diferenças do amor dos dois com um amor hétero.
Um grande exemplo da falta de desenvolvimento do roteiro, atrapalhado pela montagem, é o período de "férias" que o casal tira do universo em que se conheceram. Eles viajam e passam três dias sozinhos, contudo quase nada é mostrado ali. Depois da viagem, Oliver terá que voltar para os Estados Unidos, o que fomentaria a angústia de qualquer um, no entanto, nem mesmo na despedida há a dose de emoção correta para o momento. Elio fica sim devastado, não havia como não ficar, mas tudo é feito letargicamente, apenas na superfície, ao invés de se aprofundar na separação dos dois, no ponto final daquele bucólico amor.
E essa impressão permanece pela maior parte da duração: desejamos nos entregar à emoção, entrarmos com força na história, mas soa como se a produção não se preocupasse tanto com isso. O amor dos dois não extrapola o ecrã e chega até o público - algo que o sexo consegue fazer sem percalços. Quando conseguimos alcançar o coração do filme, no diálogo final entre pai e filho, já estamos nos 45 minutos do segundo tempo de uma longa partida, porém, ainda assim, vislumbramos um belíssimo coração, quando o pai dá uma aula sobre o quão complexo é o nada simples ato de viver.
O filme tem sido recebido com entusiasmo generalizado, mas não dá para fugir: ele entrega quase nada de novo ou que não já tenhamos visto. Tirando o final da película e a excepcional atuação de Timothée Chalamet, que pode lhe render um Oscar de "Melhor Ator" aos 22 anos, há nada realmente fora do comum ou triunfal em "Me Chame Pelo Seu Nome". Não se engane, temos em mãos um bom filme, feito com bastante competência, porém sem alcançar os feitos fora-de-série de obras similares.
"Me Chame Pelo Seu Nome" é uma corretíssima representação da vida gay, um importante acréscimo no debate sobre o assunto e um marco para essa população ao levar o tema à mais alta forma de entretenimento para as massas. A forma como a produção soa tão contemporânea, mesmo revisitando os anos 80, prova como o trato à vida gay foi exemplar. Só é inegável perceber como ele não tem o desenvolvimento de "O Segredo de Brokeback Mountain", a delicadeza de "Carol", a crueza de "Tangerine", a importância de "Moonlight" ou a devastação de "Azul é a Cor Mais Quente", primos no cinema LGBT realizados com muito mais expertise - e muitas vezes sem metade do reconhecimento recebido de "Me Chame Pelo Seu Nome".