“Tô Na Rua” foi, sem dúvidas, um dos melhores e mais tristes lançamentos da música pop brasileira no último ano. Melhores porque entregou um dos trabalhos mais interessantes da Banda Uó que, sob a produção de Pedrowl e um de seus integrantes, Davi Sabbag, demonstrou não só muito mais maturidade musical, como também estarem pronta para alçar voos maiores; tristes porque esses voos não acontecerão como um trio, mas, sim, com os três em suas respectivas carreiras solos.
A despedida da banda, que surgiu na internet há seis anos, com uma versão eletrobrega para o hit “Whip My Hair”, de Willow Smith, dá fim a todo um ciclo que abriu as portas para muito do que a música pop brasileira se tornou hoje, incluindo a ascensão de nomes como Pabllo Vittar, Lia Clark e, por que não?, de certa forma, até mesmo Anitta.
Apadrinhados pelo Bonde do Rolê, que na época já tinha a frente de suas produções Rodrigo Gorky, hoje também produtor de Pabllo Vittar, Alice Caymmi, entre outros, a Banda Uó começou a fazer seu nome pela zoeira, todo o sentimento do trash que era legal, mas bastava se aprofundar em seus trabalhos para ver que, apesar das brincadeiras e versões escrachadas para hits gringos, o que tínhamos era a boa música pop sendo produzida e em português e com muitos refrãos chicletes e arranjos que transformavam essas melodias nas propostas mais brasileiras possíveis. E dava certo.
O primeiro disco veio pela Deckdisc. “Motel” (nossa resenha), de 2013, era o primeiro passo ousado da banda, que agora se desvencilhava das versões e covers para abraçar suas próprias canções, e o resultado não poderia ter sido melhor: o álbum rendeu canções como a caricata “Faz Uó”, a maravilhosa “Búzios do Coração”, a homenagem inesperada a Rita Cadillac, “Show da Rita”, e até a participação do produtor Diplo, naquela época ainda no início do hype que se estende até os dias atuais, na faixa “Gringo”.
Dois anos mais tarde, chegou a hora deles descobrirem se podiam ir além e, com seu segundo disco, “Veneno” (nossa resenha), miraram ainda mais alto. O álbum investiu pesado em fórmulas mais comerciais e letras menos explícitas que o anterior, mas sem deixar de lado toda a zoeira que sempre acompanhou a banda, assim como as referências, aqui revividas diretamente dos anos 80 brasileiros.
O grande hit dessa era foi a parceria com Karol Conka, “Dá1Like”, mas o trabalho ainda rendeu releituras para sucessos como “Pretty Fly (For a White Guy)”, do The Offspring, na faixa “É Da Rádio?”, e “U Can’t Touch This”, do MC Hammer, em “Arregaçada”, além de clipes para as canções “Sauna” e “Cremosa”.
Assim como a música pop brasileira se viu entretida, em outrora, por nomes como Mamonas Assassinas e Blitz, a Banda Uó surgia como uma alternativa moderna - e muito bem vinda - de toda essa pegada trash para os dias atuais, dentro de uma era em que as rádios e os programas dominicais de TV eram gradualmente substituídos pelo Youtube, Spotify e tantas outras formas de se oferecer e consumir música, e nessa breve trajetória, não só descobriram e conquistaram seu espaço, como se fizeram ser vistos, curtidos e compartilhados, com um trampo independente e muito bem feito em português. Abrindo as portas para todos os outros que vieram depois.
Mais do que isso, a banda também se tornava um diferencial para os diálogos em torno da sexualidade e diversidade, anos antes do Brasil se ver entre a maior drag queen da música atual e toda essa onda de ódio, desinformação de LGBTQfobia que, enfim, vem sendo amplamente debatida. E se hoje, com tanto acesso à informação e possibilidade de discussões, isso ainda é um problema, quem dirá há anos atrás, para um grupo formado por dois gays e uma mulher trans e negra.
Com “Tô Na Rua”, entretanto, essa despedida tem mais um tom de “até a próxima” do que um adeus propriamente dito, e como os próprios cantam, eles continuarão por aí, sempre saberemos onde os encontrar. Nesta sexta (02) acontece o último show da Banda Uó em São Paulo, no Tropical Butantã, e se fossemos vocês, não perderíamos o fim desse capítulo por nada.