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Os 30 melhores filmes de 2023

2023 foi um ano bastante feliz no que tange o Cinema, com filmes que nasceram como clássicos. Agora que estamos descontando tudo o que perdemos no mundinho da Sétima Arte nos tenebrosos anos de pandemia, estamos recheados de filmes fantásticos chegando nos cinemas, então é claro que teríamos que vir aqui com os filmes favoritos de 2023.

Caso você já conheça o Cinematofagia, o foco aqui sempre foi e sempre será a busca por filmes que não necessariamente estejam no radar na grande indústria - principalmente quando olhamos para a distribuição brasileira, que ainda sofre com atrasos de meses em comparação com estreias internacionais, inclusive de países minúsculos - vários longas já aclamados lá fora chegam aqui com muuuuito atraso, mas tudo bem.

De vencedores do Oscar a pérolas de todos os cantos do mundo, os critérios de inclusão da lista são os mesmos de todo ano: filmes com estreias em solo brasileiro em 2023 - seja cinema, streaming e afins - ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente. E, também de praxe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência - mas caso você já tenha visto todos os 10, meu amor por você é real.

Sem mais delongas, os melhores filmes de 2023:

 

30. Monstro (Monster)

Direção de Hirokazu Kore-eda, Japão.

Contado em três partes, cada uma sob o ponto de vista de um personagem central, "Monstro" é mais uma maravilha de Hirokazu Kore-eda, vencedor da Palma de Ouro pelo ótimo "Assunto de Família" (2018). Seu novo longa começa com a visão da mãe de um garotinho que começa a agir de forma estranha, tendo como suposta causa os maus-tratos do professor. A segunda parte, é a vez do professor dar sua versão dos fatos, que só será amarrada no final, quando finalmente vemos tudo pelos olhos do menino. De uma sensibilidade absurda, "Monstro" é um conto LGBTQIAPN+ que sabe conduzir o "romance" da forma fidedigna com as crianças envolvidas, sem nem entender exatamente o que está acontecendo. Não por acaso, venceu a Queer Palm no Festival de Cannes, que premia o melhor filme queer do ano.


29. Folhas de Outono (Kuolleet Lehdet)

Direção de Aki Kaurismäki, Finlândia.

Aki Kaurismäki é conhecido na Finlândia (e no mundo) por retratar dramas sobre o proletariado do país. "Folhas de Outono" veio para completar a "Saga do Proletariado" do diretor, que havia parado em 1990 com a obra-prima "A Garota da Fábrica de Caixas de Fósforos". Longe da crueza obscura do citado, "Folhas de Outono" tem uma veia engraçada bastante interessante, contrastando com os personagens tragicômicos da repositora de um supermercado que se apaixona por um alcóolatra que não para em um só emprego. A estranheza das situações, diálogos e indivíduos dão um ar autoral incrível para a obra, representante finlandês para o Oscar 2024.


28. O Assassino (The Killer)

Direção de David Fincher, EUA.

Dividido em várias partes com "missões" diferentes, o novo filme do lendário David Fincher começa com uma letargia desanimadora: seguimos a rotina tediosa de um matador de aluguel (Michael Fassbender) esperando sua presa aparecer em sua mira, e Fincher não economiza no destaque desse tédio. Caso você consiga superar as primeiras partes, encontrará uma perseguição deliciosa do assassino em questão buscando vingança para as pessoas que tentaram matar sua esposa (interpretada pela nossa brasileira Sophie Charlotte!). Cheio de personagens divertidos e sequências eletrizantes, é um alívio ver a Netflix investindo em produções de qualidade, e não no amontoado de quantidade descartável que a plataforma é tão conhecida.


27. O Hotel Royal (The Royal Hotel)

Direção de Kitty Green, Austrália.

A australiana Kitty Green largou os documentários para embarcar em dramas femininos que exploram opressões em diferentes ambientes. Depois de sua ótima estreia com "A Assistente" (2019), Green se baseia em uma história real para costurar "O Hotel Real": duas meninas começam a trabalhar no bar de um hotel no meio do mais absoluto nada para juntar dinheiro, mas chegar seria muito mais fácil que ir embora. O microcosmo do hotel é espelho que amplifica as mais diversas camadas de misoginia, que vão de piadinhas infames até violências mais pungentes. O suspense do roteiro vai engalfinhando a plateia, que permanece imóvel e preocupada pelo destino das duas.


26. A Garota das Estrelas (The Starling Girl)

Direção de Laurel Parmet, EUA.

Jem vive em uma comunidade cristã ultraconservadora, se separando do "mundo exterior" e sendo, para seus pais", a filha perfeita que serve de exemplo aos olhos dos irmãos mais novos e, claro, de deus. Quando o filho do pastor da comunidade, 10 anos mais velho que a garota, retorna de uma viagem missionária, os caminhos dos dois vão se cruzar e causar rupturas permanentes no santíssimo grupo. Nesse coming-of-age mais que competente, Laurel Parmet estreia com louvor no Cinema e entrega tudo o que podemos esperar: a forma como a religião aprisiona principalmente mulheres, deturpando a noção da realidade e sociedade de todos os envolvidos. Só podemos esperar o caos.



25. Amor Segundo Dalva (Dalva)

Direção de Emmanuelle Nicot, Bélgica/França.

"Amor Segundo Dalva" entrega uma das premissas mais... desconcertantes do ano. Dalva é uma menina de 12 anos que se veste, age e vive como uma mulher adulta. Todos ao seu redor, ao conhecê-la, ficam confusos com o motivo, criando uma barreira entre ela e as outras crianças. Ao ser entregue para o conselho tutelar, os motivos ficam claros: ela era abusada pelo próprio pai, que a convenceu de que ela era o "amor da sua vida". É um show de horrores que jamais perde a mão, quando a diretora conduz tudo com cuidado e delicadeza - nunca os abusos ficam escancarados, permanecendo implícitos. Emmanuelle Nicot então cria uma epopeia de Dalva em busca de sua inocência ao reaprender a ser criança, e de como a pessoa que mais nos machuca é aquelas que teoricamente mais nos ama.


24. O Cafetã Azul (Le Bleu du Caftan)

Direção de Maryam Touzani, Marrocos/França.

"O Cafetã Azul" vai no seio da vida do casal Halim e Mina, donos de uma loja de cafetãs. Há um latente distanciamento entre os dois, burlado pela doença da esposa. Com isso, eles devem contratar um ajudante para a loja, e Youssef, o ajudante, é um gatilho para o marido, que até então levava uma vida homossexual escondida. A velha história do homem de família que esconde sua sexualidade é ressignificada pela pureza de Maryam Touzani, que conduz um drama tocante ao estudar a maneira que a chegada de Youssef é algo definitivo na vida de todo mundo. O significado do título, quando revelado, é de partir e encher o coração.


23. A Filha Eterna (The Eternal Daughter)

Direção de Joanna Hogg, Reino Unido/EUA.

Depois de "Suspiria" (2018), quando Tilda Swinton interpretou TRÊS papéis ao mesmo tempo, a atriz agora decidiu que um só personagem é besteira. Em "A Filha Eterna", ela interpreta mãe e filha que vão até um hotel, em busca de inspiração para o novo filme da filha, sobre a própria mãe. O hotel em questão, foi moradia da mãe na infância, e está recheado de fantasmas do passado - todavia, esses fantasmas podem ser reais? O drama gótico de Joanna Hogg é um belíssimo (tanto no visual quanto no enredo) estudo sobre a relação das duas mulheres, com absolutamente tudo ao redor sendo efeitos-colaterais dessa relação. O final pode parecer um plot-twist, mas na verdade é um simbolismo cinematográfico que vai muito além de uma surpresa que busca enganar o espectador.


22. A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise)

Direção de Lee Cronin, EUA.

Em 2013, o remake de "A Morte do Demônio" prometeu ser uma das mais assustadoras obras que o Cinema já pôs os olhos. Um sabor como terror, gore e insanidade que é característica da franquia, tivemos que esperar 10 anos para uma continuação, e a espera valeu a pena. "A Morte do Demônio: A Ascensão" consegue ir além e superar o filme de 2013 quando segue uma família arruinada que encontra o último prego no caixão quando o Livro dos Mortos cai em suas mãos. São 97 minutos de puro horror e com personagens fantásticos e uma das melhores atuações do ano: Lily Sullivan como a maestrina do gore.


21. Sem Ursos (Khers Nist)

Direção de Jafar Panahi, Irã.

O iraniano Jafar Panahi ficou famoso com seu estilo de misturar realidade com ficção, se inserindo em seus próprios filmes como um personagem central. Em "Sem Ursos", ele usa sua própria condição política - de ser impedido de deixar o Irã - como condutor do enredo: enquanto tenta dirigir um filme ao lado da fronteira, se mete numa confusão quando vira testemunha de uma briga familiar cunhada à base de religião e tradições conservadoras. "Sem Ursos" é mais um grito contra um país repressor que fez o diretor ir parar atrás das grades por sua "propaganda contra o regime". Cinema político em seu auge. 



20. Carvão (idem)

Direção de Carolina Markowicz, Brasil/Argentina.

Longa-metragem de estreia de Carolina Markowicz (que aparece DUAS vezes na presente lista), "Carvão" encontrou sucesso nacional e internacionalmente pela engenhosidade da diretora e roteirista: no interior de São Paulo, uma mulher aceita a proposta de esconder um traficante argentino em sua casa, tendo que substituir seu pai doente pelo homem sem que ninguém saiba. As entranhas dessa vila são expostas de forma crua e nua pelas lentes do filme, tendo como raiz de todo o horror uma sociedade desigual que faz as pessoas perdem a humanidade em troca de sobrevivência. 


19. Saltburn (idem)

Direção de Emerald Fennell, Reino Unido/EUA.

Recém aclamada logo na sua estreia com "Bela Vingança" (2020), Emerald Fennell retornou com o badalado "Saltburn" e não decepcionou. Seguindo um estudante que fica obcecado por um colega de faculdade, a ponto de adentrar na vida do garoto e arruinar tudo, "Saltburn" viralizou pelas suas cenas polêmicas - principalmente a da banheira e do cemitério -, contudo, o filme vai muito, mas muito além do choque. Sim, o shock value está lá para causar burburinho, porém, são elementos seminais para a exploração da insanidade do protagonista, que não mede esforços para ascender socialmente. 


18. A Sucata (Scrapper)

Direção de Charlotte Regan, Reino Unido.

Mais uma estreia feminina na nossa lista, "A Sucata" conta a história de uma garotinha que mora sozinha após a morte da mãe - ela nunca conheceu o pai e engana o governo dizendo que mora com um tio inexistente. Habitando quase integralmente num mundo de fantasia, ela só volta à realidade quando a falta da mãe bate à porta - e quando seu pai finalmente aparece. Um doce mistura de drama e comédia, o longa é de um charme invejável, e um irmão distante e britânico da obra-prima "Projeto Flória" (2017) ao acompanhar a vida das crianças e seus castelos encantados a fim de fugirem de suas duras vidas.


17. Bom Garoto (Meg, Deg & Frank)

Direção de Viljar Bøe, Noruega.

"Bom Garoto" foi um exemplo benigno das viralizações na internet, ganhando popularidade no Twitter apenas com sua sinopse: uma garota conhece um milionário em um aplicativo de encontros. Tudo parece incrível, até que ela conhece o bichinho de estimação do cara, Frank, um homem vestido de cachorro. Trabalho de conclusão de curso de Viljar Bøe, "Bom Garoto" é tudo o que a premissa coloca na mesa, uma bizarrice absurda que vai entrando em rumos cada vez mais estranhos. Com cenas impactantes e um final perfeitamente chocante, é bem verdade que o clímax cai num tom caricato em demasia (e não é um filme para todos os paladares), porém, tudo é compensado pela direção incrível e as curvas derrapantes do roteiro.


16. Raquel 1:1 (idem)

Direção de Mariana Bastos, Brasil.

Mais um elemento do Novíssimo Cinema Brasileiro ao colocar suas mãos em discussões sociais embaladas em premissas extremamente criativas: Raquel é uma adolescente que, após uma tragédia, se curva à religião. A questão é que, quanto mais Raquel fortalece sua fé, mais ela discorda dos preceitos escritos na Bíblia, principalmente sobre a visão submissa da mulher. Então ela decide fazer algo que chocará toda a cidade: reescrever as escrituras sagradas. "Raquel 1:1" se deita sobre "Carrie: A Estranha" (1976) e "Santa Maud" (2020) nesse conto sacro, feminista e disruptivo que une folclore, cultura e elementos de terror para colocar a plateia para pensar nos símbolos que deixam dúbio o papel de Raquel como messias de uma nova crença.



15. Anatomia de Uma Queda (Anatomie d'une Chute)

Direção de Justine Triet, França/Alemanha.

Talvez o filme internacional mais aclamado desde "Parasita" (2019), "Anatomia de Uma Queda" começou sua premiada carreira ao ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes 2023, e também pudera: a obra trabalha com elementos simples, mas de formas complexas. Um homem é encontrado morto ao lado de sua casa, e a principal suspeita é sua esposa, interpretada brilhantemente por Sandra Hüller. A única testemunha é o filho cego do casal. Afinal, ela matou ou não o marido? O longa passeia pelo "filme de tribunal" e o filme "quem será o culpado?" com um roteiro poderosíssimo, um quebra-cabeças tão cheio de emaranhados que escrever o roteiro deve ter sido um pesadelo. Um pilar fantástico de como nossa percepção muda até mesmo a verdade.


14. Tori & Lokita (idem)

Direção Luc & Jean-Pierre Dardenne, Bélgica/França.

Os irmãos Dardenne estão desde 1987 explanando diversos cosmos sociais da Bélgica, que inesperadamente são universais. Indicados NOVE vezes à Palma de Ouro no Festival de Cannes - com duas vitórias -, os belgas são aclamados pela crueza e coragem de seus filmes, e com "Tori & Lokita" não poderia ser diferente: dois imigrantes africanos tentam sobreviver na Bélgica em meio a racismo, misoginia e um sistema que está empenhado em separá-los. Com um tom documental, o longa é uma jornada dolorosa que discute a crise imigratória na Europa e como esses imigrantes são corpos sujeitos à marginalização - até serem descartáveis.


13. Tár (idem)

Direção de Todd Field, EUA/Alemanha.

Lydia Tár é uma maestrina de absurdo sucesso e conduz uma das melhores orquestras do mundo. Por trás de todo o glamour de sua abarrotada agenda, Lydia deve lidar com o casamento ameaçado, sua carreira em corda bamba e fake news sobre seu caráter. "Tár" tem quase 3h, em um robusto filme que está para a música clássica como "Cisne Negro" (2010) está para o balé e "Demônio de Neon" (2016) está para a moda, estudando as percepções de estrelas na mídia e a ascensão e queda de ídolos. Se o texto consegue carregar tantos temas complexos com maestria (bah dum tss), é a atuação lendária de Cate Blanchett que eleva a sessão a um patamar de obra-prima e que fará "Tár" ser lembrado por toda a história.


12. Propriedade (idem)

Direção de Daniel Bandeira, Brasil.

Uma grande fazenda, com todos seus empregados vivendo na propriedade, tem uma reviravolta quando o rico dono decide vender o terreno, o que expulsará todos os empregados. Ao visitar a casa, a esposa do dono se tranca dentro do carro blindado ao perceber a revolta violenta dos empregados, tendo apenas a lataria reforçada como proteção. "Propriedade" não poderia ir em um ponto mais óbvio na sua crítica do que a propriedade privada, a entidade elementar do Capitalismo que divide e segrega por meio de cercas. É ainda mais criativo ter um carro blindado, item de luxo dos 1% que habitam o topo da sociedade, como fortaleza, e a película brinca sadicamente com a vida dos envolvidos, mais um impulso cinematográfico nacional, que tem encontrado uma nova safra impecável a partir da década passada a fim de criticar nossos arredores. Não dá para esperar humanidade de alguém que foi tratado como animal a vida inteira.


11. Subtração (Tafrigh)

Direção de Mani Haghighi, Irã.

Farzaneh é uma esposa que, num dia qualquer, ver o marido entrando em um apartamento estranho. Ao envolver toda a família no aparente escândalo de infidelidade, ela descobre que existe uma mulher exatamente igual a ela casada com um homem exatamente igual ao marido. Com uma trama que faria Alfred Hitchcock correr para um estúdio, "Subtração" é um neo-noir fabuloso sobre um chavão cinematográfico, as cópias/duplos. Ao conhecerem ainda mais o outro casal, suas semelhanças físicas são chocadas com as diferenças de personalidade, e as duas famílias entrarão em conflitos que mostram que nossos eus ruins sempre podem destruir nossos melhores eus.



10. A Piedade (La Piedad)

Direção de Eduardo Casanova, Espanha/Argentina.

Eduardo Casanova ficou famoso mundialmente logo no seu filme de estreia, "Peles" (2017), que com toda a certeza será uma das obras mais bizarras que você verá na vida (está disponível na Netflix, aproveite). Sua segunda película, "A Piedade", estava envolta de muita curiosidade por parecer seguir os moldes que formavam o cinema "casanovadiano": personagens estranhos, cenas desconcertantes e um design de produção cor-de-rosa. Aqui, uma mãe chamada Piedade é obcecada pelo seu filho, e a relação disfuncional dos dois vai sofrer um baque com o diagnóstico de câncer do filho. É verdade que "A Piedade" não vai até aonde "Peles" vai no quesito "o que diabos é isso", porém, é um capítulo fabuloso na filmografia do espanhol, um pilar chiquérrimo (e excêntrico) do cinema queer.


9. Segredos de Um Escândalo (May December)

Direção de Todd Haynes, EUA.

Uma atriz (Natalie Portman) vai passar um tempo na casa de uma mulher (Julianne Moore) nacionalmente famosa por um relacionamento pedófilo que permanece até hoje, a fim de canalizar a mulher para o filme de sua vida. Todd Haynes, diretor de um dos melhores filmes LGBTQIAPN+ do século, "Carol" (2015), finalmente retorna ao auge emulando Pedro Almodóvar em "Volver" (2006), Ingmar Bergman em "Persona" (1966) e Richard Eyre em "Notas Sobre um Escândalo" (2006) para compor outro drama magistral, estrelado por duas atrizes em performances monstruosas que destroem todas as cenas. "Segredos de Um Escândalo" tem pelo menos duas cenas para os livros de história - o final é insanamente perfeito.


8. Beau Tem Medo (Beau is Afraid)

Direção de Ari Aster, EUA.

Um dos melhores diretores da atualidade, Ari Aster tinha um problemão em mãos: conseguir manter o nível dos seus dois primeiros filmes, "Hereditário" (2018) e "Midsommar: O Mal Não Espera a Noite" (2019). O mais curioso é que, se nos dois citados, o diretor teve que entrar no maquinário da indústria e moldá-los de acordo com o gosto da A24, sua distribuidora parceira, "Beau Tem Medo" recebeu carta branca para Ari despirocar e fazer o que diabos quisesse. O resultado? Um pesadelo satírico como nenhum outro. Sob o comando do vencedor do Oscar Joaquin Phoenix, "Beau Tem Medo" são 3h de insanidade que segue Beau em uma epopeia para chegar na casa da mãe após um acidente. Com sequências alucinógenas, cenas sem o menor sentido aparente e plot-twists incalculáveis, você passará dias tentando montar o quebra-cabeças do "mommy issues" do ano - e olha que acabamos de falar de "A Piedade". 


7. Até Amanhã (Ta Farda)

Direção de Ali Asgari, Irã/Catar.

Fereshteh é uma mãe solteira no coração do Irã, um escândalo por si só. Ela esconde a criança de todo mundo, com apenas duas pessoas sabendo da existência da filha: Atefeh, sua melhor amiga; e Yaser, o pai da criança que não tem o menor interesse em assumir o papel. Fereshteh segue bem com a vida, mediante a situação, mas tudo parece que está por um fio quando sua família informa que fará uma visita surpresa. Ela então corre pela cidade, à procura de alguém que poderá ficar com a menina por apenas uma noite. "Até Amanhã" é um drama impecável que estuda a vulnerabilidade da mulher num país que pinta um filho "ilegítimo" como desonra absoluta. Cada minuto que passa, mais o público se aflige com a situação de Fereshteh, que entrega uma das mais fantásticas cenas do ano - a do táxi. 


6. Como Fazer Sexo (How to Have Sex)

Direção de Molly Manning Walker, Reino Unido/Grécia.

Viajando pela beleza e feiura da juventude, "Como Fazer Sexo" segue uma ideia simples: três garotas, durante as férias da escola, embarcam numa viagem que promete ser o auge de suas vidas até então. Soa como uma comédia norte-americana dos anos 2000, contudo, este é um filme tão profundo quanto o oceano que banha as praias paradisíacas do local, conseguindo ativar gatilhos quando aborda o consentimento sexual feminino. O mundo heterossexual é um fardo para as mulheres (não impressiona que a única relação funcional da fita é entre duas meninas), todavia, mesmo com todas as dores, "Como Fazer Sexo" mostra como essa fase da vida pode nos fortalecer ou destruir se tivermos as pessoas certas ao nosso lado. Você só sabe o que a vida realmente é se já tiver voltado para casa chorando depois de uma festa.



5. Doente de Mim Mesma (Syk Pike)

Direção de Kristoffer Borgli, Noruega/Suécia.

O norueguês Kristoffer Borgli encontrou sucesso no país e, sem impressionar, já caiu nas graças de Hollywood - seu primeiro filme feito nos EUA, "O Homem dos Sonhos", foi produzido pela meca do Cinema contemporâneo, a A24. Mas, colado com sua estreia internacional, ele lançou "Doente de Mim Mesma". Na comédia, uma mulher é patologicamente viciada em atenção. Quando o namorado, um artista que rouba sofás para realizar suas obras, ganha notoriedade, ela vai até o limite para que os olhares recaiam sobre ela. "Doente de Mim Mesma" (tradução mais que perspicaz do título) é uma saga tresloucada que cava um buraco para se enterrar da forma mais divertida possível, afinal, tem nada mais terapêutico que assistir a pessoas malucas sendo malucas.


4. Pedágio (idem)

Direção de Carolina Markowicz, Brasil.

Premiada pelos seus curtas, a paulistana Carolina Markowicz debuta como um dos grandes nomes do cinema tupiniquim com a dobradinha "Carvão" e "Pedágio". No último, uma mãe vai parar nas garras do crime com o intuito de juntar dinheiro para mandar o filho homossexual para uma terapia evangélica de "cura gay". Cinema brasileiro em seu mais cristalino estado, "Pedágio" vai nos becos do país para estudar como a homofobia encontra as mais longínquas esquinas para ter forças, tendo como terreno fértil a hipocrisia gospel. Não se engane, a sinopse pode soar como um drama denso sobre sexualidade, mas não, aqui é uma fita hilária pela condução do absurdo - e, sim, chocante ao notarmos que tudo na tela é reflexo do real, sem jamais deixar as brasilidades de lado para fortalecer a cultura dentro e fora da tela.


3. Piscina Infinita (Infinity Pool)

Direção de Brandon Cronenberg, Canadá/Croácia.

Em 2022, David Cronenberg - um dos pais do horror norte-americano - voltou à velha forma com o incrível "Crimes do Futuro"; em 2023, é a vez do seu filho. Brandon Cronenberg prova que é um pupilo exemplar do Cinema de seu pai ao lançar "Morte Infinita": um rico casal está em luxuoso resort e verá suas férias (e suas vidas) pegarem um caminho monstruoso ao conhecer outro casal veterano. Ao causarem um acidente, os ricaços descobrem uma das leis do país: assassinato é pago com a morte do culpado pelas mãos da família da vítima, todavia, quem tem dinheiro tem uma saída, e no universo fílmico de "Morte Infinita" há um segredo macabro. Alexander Skarsgård e Mia Goth (que diz "SIM!" para qualquer roteiro que a descreve como "personagem psicótica") dão vida (e morte) para um roteiro narcotizante que possui cada vez mais camadas quanto mais você reflete sobre. O último pilar da "Santíssima Trindade do Transhumanismo Contemporâneo", ao lado de "Crimes do Futuro" e "Titânio" (2021). Amém.


2. Fale Comigo (Talk to Me)

Direção de Danny & Michael Philippou, Austrália.

A A24 se tornou o messias dos fãs de terror, provando lançamento após lançamento como realizar fitas nesse que é um gênero tão hercúleo: "A Bruxa" (2015), "Hereditário" (2018), "Clímax" (2018), "Cordeiro" (2021), "Men: Faces do Medo" (2022) e "Pearl" (2022) são apenas alguns exemplos que comprovam essa afirmativa. Então, havia muita expectativa em cima de "Fale Comigo", a grande aposta do estúdio para 2023, e a espera valeu a pena. No longa, uma galera se junta para brincar com uma mão embalsamada que os conecta com o mundo dos mortos. É claro que a brincadeira logo foge do controle e o pandemônio se instaura. "Fale Comigo" tem o ingrediente básico para um horror de sucesso: a falta de esperança. Tudo é posto na tela com um sabor amargo, e recebemos cenas perversas que nos remete aos maiores, como "O Exorcista" (1973). Tem elogio melhor?


1. A Baleia (The Whale)

Direção de Darren Aronofsky, EUA.

Um dos longos mais polêmicos de 2023 - o que não é raridade dentro da carreira de Aronofsky, "A Baleia" conseguiu abocanhar dois Oscars e marcar o retorno triunfal de Brendan Fraser, que levou o careca de "Melhor Ator" ao viver um professor obeso em seus últimos dias de vida. A carga dramática de "A Baleia" engalfinha por um peso emocional raro - curiosamente, mesmo com toda a dor do texto, o filme possui o final mais esperançoso de toda a filmografia de Aronofsky, no entanto, chegar até lá é uma tortuosa viagem que com certeza não agradará a todos. A cereja do bolo que refletiu o status de obra-prima para "A Baleia" veio quando, na cena final, em uma revelação que amarra toda a história, uma pessoa sentada ao meu lado na sessão levou as duas mãos ao rosto em completo frenesi. É a beleza da tristeza e a feiura da alegria em um dos mais arrebatadores finais da década, que arrancaram minhas lágrimas como nunca antes diante da Sétima Arte.

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Os 10 melhores filmes de 2022 (até agora)

 
Absurdo perceber que 2022 já foi pela metade, mas cá estamos. Em um ano de retomada com tudo na Sétima Arte depois de dois anos de pandemia (ainda se cuidem, hein?), finalmente estamos podendo, em grande escala, apreciar o Cinema novamente. Então é claro que eu teria que vir com meus filmes favoritos de 2022 (até agora).

Caso você já conheça o Cinematofagia, o foco aqui sempre foi e sempre será a busca por filmes que não necessariamente estejam no radar na grande indústria - principalmente quando olhamos para a distribuição brasileira, que nesse ano está bastante aquém, com atrasos de meses em comparação com estreias internacionais, inclusive de países minúsculos. Vários longas já aclamados lá fora só chegarão aqui no segundo semestre, mas tudo bem, a lista de fim de ano virá aí.

De indicados ao Oscar a pérolas de todos os cantos do mundo, os critérios de inclusão da lista são os mesmos de todo ano: filmes com estreias em solo brasileiro em 2022 - seja cinema, Netflix e afins - ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente. E, também de praxe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência - mas caso você já tenha visto todos os 10, meu amor por você é real.

Sem mais delongas, meus 10 filmes favoritos do primeiro semestre de 2022:


10. Quanto Mais Cru Melhor (Barbaque)

Direção de Fabrice Eboué, França.

Um casal dono de um açougue enfrenta a recessão e vê seu negócio afundar sem controle - assim como seu casamento. Quando um crime acontece - o assassinato de um homem vegano -, a carne do falecido vai parar na prateleira do açougue, virando sem querer a mais nova iguaria para a clientela que forma filas. É aí que o casal vira caçadores de veganos. Sim, é isso aí. "Quanto Mais Cru Melhor" não tem papas na língua no politicamente incorreto ao abordar discussões hilárias em que rimos com a mão na consciência, numa contraposição de veganos absurdamente insuportáveis e seus protagonistas desprezíveis. O banquete visual é servido com cenas gráficas explícitas que evocam toda a bizarrice de sua premissa.


09. Crimes do Futuro (Crimes of the Future)

Direção de David Cronenberg, Canadá/Reino Unido.

David Cronenberg voltou para a ficção-científica, podemos dormir em paz. 23 anos após seu último sci-fi, Cronenberg retorna com "Crimes do Futuro" ao lado de três enormes nomes: Viggo Mortensen, Léa Seydoux e Kristen Stewart. Um futuro não definido possui humanos com mutações genéticas que afetam dois pilares fundamentais de suas existências: eles não sentem mais dor e infecções deixaram de existir. Soa incrível, não? Só soa. Essa distopia cronenberguiana é tudo o que diretor serviu com "Videodrome" (1983) e "A Mosca" (1986): uma bizarrice estética que tenta apontar o dedo para a forma com que nos relacionamos. De fato, o começo da fita é bastante hermético, sem espaços para grandes aproximações, no entanto, quando a chave do sentido é girada, todo aquele estranho universo onde a cirurgia é o novo sexo encontra lógicas espetaculares.


08. Ao Cair do Sol (Sundown)

Direção de Michel Franco, México/França.

Michel Franco está entre os meus cinco diretores favoritos da atual geração em seu cinema pessimista e misantropo - é dele três dos melhores filmes dos últimos anos: "Depois de Lúcia" (2012), "As Filhas de Abril" (2017), e meu filme #1 de 2020, "Nova Ordem". "Ao Cair do Sol" não fica atrás: uma família passa férias no México, porém, todos devem voltar ao saber que a matriarca morreu. A questão é que Neil (Tim Roth) faz todo e qualquer malabarismo para não sair dali, o que perturba sua irmã, Alice (Charlotte Gainsbourg). O cerne do texto é esse, por que diabos Neil inventa qualquer desculpa para não voltar para casa? Com uma apatia destoante, "Ao Cair do Sol" é um afiado estudo de personagem que não abre mão do seu segredo até os últimos minutos, quando toda a viagem desgraçada de Neil faz sentido.


07. A Morte de Um Cachorro (La Muerte de un Perro)

Direção de Matías Ganz, Uruguai/Argentina.

Há um sub-sub-gênero (vou chamar assim) no Cinema que tenho particular deleite: histórias que possuem um pequeno acontecimento se tornando o caos, uma Lei de Murphy cinematográfica. "A Morte de um Cachorro" se enquadra nesse hall: Mario é um veterinário em Montevideo que, após um descuido no trabalho, acaba matando um cachorro; a partir de então, sua vida tranquila e burguês vira de cabeça para baixo. A cada segundo há mais pessoas envolvidas na bagunça que Mario conduz sem freio, que gera brigas, roubos e mortes, até desbocar em um final genialmente cara de pau. Não dá para acreditar no quão cretinos conseguem ser os personagens para limpar a própria pele, e cabe à plateia se divertir com o desespero de todos os presentes - incluindo o cachorro da família. Ninguém escapa.


06. A Tragédia de Macbeth (The Tragedy of Macbeth)

Direção de Joel Coen, EUA.

Devo confessar que minha animação para "A Tragédia de Macbeth" não era das maiores. Apesar de ser dirigido por Joel Coen (a metade da dupla Joel & Ethan, donos da obra-prima "Onde os Fracos Não Têm Vez", 2007) e com um elenco estrelar, a adaptação do conto de William Shakespeare não soava tão interessante, todavia, o espetáculo que é a película derruba qualquer dúvida. Quando um trio de bruxas proclama o trono para Macbeth, sua saga para a glória e a queda afeta a vida de todos a sua volta. Com um dos melhores designs de produção e cinematografia já feitos na história do Cinema, Denzel Washington e Frances McDormand carregam a história com um poder avassalador, sem jamais tornar desinteressante um roteiro que é falado em inglês arcaico (!).


05. Deserto Particular (idem)

Direção de Aly Muritiba, Brasil.

Um policial afastado do cargo por má conduta mantém um relacionamento virtual com uma misteriosa mulher que desaparece sem deixar rastros. Ele sai do sul do Brasil até o Nordeste a fim de encontrar a amada, só para descobrir que ela não é uma mulher cis, e sim uma pessoa não binária. Aly Muritiba ficou conhecido pelos seus pesados e obscuros filmes - assista a "Ferrugem" (2018) - e decidiu mudar seus ares com "Deserto Particular", um drama com toques de romance que mergulha de cabeça em discussões de gênero e sexualidade com uma delicadeza perspicaz.  Não apenas um dos melhores filmes do Novíssimo Cinema Nacional, uma das mais certeiras escolhas de representantes para o Oscar, como também um exemplar fabuloso do cinema LGBTQIA+.

P.S.: "Deserto Particular" estreou no Brasil no finzinho de 2021 em circuito limitado, chegando na HBO Max em 2022, então vai entrar na lista de 2022 sim, a lista é minha e é isso.


04. O Homem do Norte (The Northman)

Direção de Robert Eggers, EUA.

Em sua terceira excursão para contos do séculos passados (depois das obras-primas "A Bruxa", 2015, e "O Farol", 2019), Robert Eggers entrega mais uma obra-prima que amplia a mitologia de seu cinema, sempre dançando entre o fantástico e o terror com uma assinatura própria espetacular para um autor tão jovem. Pegando a plateia pelo pescoço e forçando-a a embarcar em um barco que está fadado ao sangue, todas as profecias ditas através da boca de bruxas conduzem histórias em que a natureza (seja a do planeta ou a nossa própria) está presa a grossas cordas do destino. Resta a você acompanhar o degringolar dos personagens "eggerianos", pobres vítimas de forças sobrenaturais que turvam as suas missões de descobrirem quem são. "O Homem do Norte" é tudo que você poderia esperar de uma saga viking milionária assinada por Robert Eggers.


03. Red Rocket (idem)

Direção de Sean Baker, EUA.

Na minha casa, nós louvamos Sean Baker. O coração da sua filmografia gira em torno da observação de grupos que, por motivos que sejam, caem no trabalho sexual - as travestis de "Tangerina" (2015), a mãe da protagonista de "Projeto Flórida" (2017), etc. Em "Red Rocket" temos Simon Rex como Saber, um ex-ator pornô cujo sucesso é apenas uma memória. Tendo que retornar para a cidade que prometeu nunca mais por os pés, ele conhece e se apaixona por Raylee (Suzanna Son), uma atendente menor de idade. O trunfo de "Red Rocket" é ver até onde conseguimos detestar o carismático Saber, um poço aparentemente sem fundo de trambicagens, roubos e sim, pedofilia. O questionamento principal é: o Cinema deve ter uma moral intocável e sem espaço para dúvidas? Ou ele pode analisar personagens odiosos sem precisar transformá-lo em exemplo? É uma discussão complexa, e Baker assume o risco de não poupar o caráter tenebroso de seu protagonista em prol de uma punição explícita na ficção.


02. Os Homens (Men)

Direção de Alex Garland, Reino Unido.

Alex Garland já surgiu na indústria com o pé na porta ao lançar "Ex Machina: Instinto Artificial" (2014), e cunhou ao longo dos anos um cinema que mistura ficção científica com discussões sobre nossas vidas e regras. "Os Homens" segue a mesma ideia, com uma mulher que, após o suicídio do marido, se isola em uma vila no meio do nada para superar o luto. A grande questão é: todos os homens da vila são exatamente iguais (e criativamente performados pelo mesmo ator, Rory Kinnear). O título pode ser muito óbvio, mas "Os Homens" é uma odisseia bizarra e claustrofóbica que desfila uma infinidade de agressões que as mulheres encontram todos os dias, sem cair em execuções óbvias - são simbolismos que exigem uma pesquisada ao fim da sessão, principalmente com os 10 minutos finais, uma das sequências mais bizarras do século. E Jessie Buckley está fantástica.


01. Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once)

Direção de Daniel Scheinert & Daniel Kwan, EUA.

A maior bilheteria na história da A24, "Tudo em Todo Lugar" virou um fenômeno sem precedentes; até mesmo a produtora deve ter ficado surpresa. Seguindo uma imigrante coreana em um EUA falido que deve salvar o mundo (ou os mundos), o filme parece pegar carona na temática do momento, os multiversos, porém, com um roteiro concebido em 2010, a fita dos Daniels - que sabem fazer uma obra insanamente contemplativa - é uma aula de qualquer aspecto da Sétima Arte pelo domínio absurdo do material em mãos. Um filme para rir, chorar e contemplar a absurda falta de sentido em nossas pequenas em inúteis vidas, no mais delicioso niilismo cinematográfico possível. Mas é orgânico, viu?


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Quais dos 10 aqui listados você já viu? Faz sua lista também!

Os 20 melhores filmes de 2021


A melhor época do ano para o escritor que cá se encontra é a época de fazer as listas de melhores do mundinho cinematográfico no ano. Gasto horas catalogando tudo o que assisti ao longo do ano a fim de trazer a você, leitor, o que considero o suprassumo dos lançamentos (dentro da enorme cerquinha da subjetividade, é claro).


Com a pandemia que afetou 2020, a indústria cinematográfica teve sua retomada (mesmo que gradual) em 2021. No entanto, mesmo com o fluxo de obras ainda reduzido, conseguimos assistir a filmes imperdíveis que salvaram nosso ano e nos levaram de volta às salas escuras (quem também estava com saudades?). Aqui estão meus 20 longas favoritos de 2021.


De indicados e vencedores do Oscar a pérolas de todos os cantos do mundo, os critérios de inclusão da lista são os mesmos de todo ano: filmes com estreias em solo brasileiro em 2021 - seja cinema, Netflix e afins - ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente. E, também de praxe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência - mas caso você já tenha visto todos os 20, meu amor por você é real.

Uma curiosidade que só percebi ao escrever sobre cada um dos escolhidos, é o montante de filmes vindouros de diretores estreantes. Muito grato em receber tantos nomes novos já colocando banca e demonstrando como a década pode ser um berço de vieses inéditos para a Sétima Arte. Preparado para uma maratona do que há de melhor no cinema mundial de 2021?
 

20. Zola (idem)

Direção de Janicza Bravo, EUA.

Se você também é, assim como eu, um veterano no Twitter, deve se lembrar da saga de Zola, uma stripper que em 2015 fez um thread de 148 tweets sobre uma viagem que terminou com prostituição, assassinato e tentativa de suicídio. Eis o enredo de "Zola", a adaptação dessa thread. Embalado em uma estética ácida e colorida, o filme é uma diversão caótica sobre o fim de semana de Zola (belamente interpretada por Taylour Paige) que ultrapassa o apelo da chamativa premissa e da nossa obsessão por redes socais com uma trilha-sonora elétrica e quebras da quarta parede hilárias, dessa que é a maior saga de uma stripper já contada. "P*ssy is worth thousands, bitch!".


19. Colmeia (Zgjoi)

Direção de Blerta Basholli, Kosovo/Albânia.

O primeiro filme do Kosovo, pequeno país europeu da região dos Balcãs, a conseguir figurar na lista de semifinalistas do Oscar de "Melhor Filme Internacional" na edição de 2022, "Colmeia" realiza um trabalho que particularmente amo: vai a fundo em uma pequena cultura que é influenciada por preconceitos estruturais. Fahrije é uma mulher que, com o desaparecimento do marido graças à guerra, deve assumir a liderança da família em uma cultura sufocantemente misógina. Ela monta um grupo de mulheres, todas viúvas da guerra, para montarem o próprio negócio, um ato de traição contra os costumes e morais do local, e, sem surpresas, enfrentará uma coleção de violências. "Colmeia" venceu o prêmio de "Melhor Filme Internacional" no Festival de Sundance 2021 e é apenas uma fagulha do grande incêndio que é a luta da libertação feminina por autonomia, e um lembrete do quão ainda precisamos avançar nos lugares mais remotos do planeta.


18. Meu Coração Só Vai Bater Se Você Pedir (My Heart Can't Beat Unless You Tell It To)

Direção de Jonathan Cuartas, EUA.

Com a explosão do fenômeno "Crepúsculo" em 2008, vampiros sofreram uma saturação absurda na Sétima Arte, todavia, o tema demandou reinvenção para continuar vivo (mesmo se tratando de criaturas mortas, uau) com nomes como "Amantes Eternos" (2013) e "A Transfiguração" (2016), e "Meu Coração Só Vai Bater Se Você Pedir" senta na mesa dos heróis de vampiros. Dois irmãos devem tomar de conta do irmão mais novo, um vampiro severamente debilitado pela escassez de sangue, afinal, como conseguir sangue humano no mundo que possui uma câmera a cada esquina? Distante da fantasia que a maioria das produções na temática abraçam, "Meu Coração Só Vai Bater Se Você Pedir" decide colocar os pés no drama e fazer um filme que se aproxima da realidade de um vampiro caso a criatura existisse - e a palavra "vampiro" é menciona nenhuma vez. Até onde vale abdicar da sua vida para cuidar da família? 


17. Casa Gucci (House of Gucci)

Direção de Ridley Scott, EUA.

Baseado em um dos casos mais chocantes do mundo da moda - o assassinato de Maurizio Gucci a mando de sua ex-esposa, Patrizia Reggiani Signora Gucci -, "Casa Gucci" é um resgate transloucado da Hollywood de Ouro e seus filmes """estrangeiros""". É até estranho colocar tais palavras juntas, mas "Casa Gucci" é um "O Poderoso Chefão" (1972) gay. Intrigas familiares com carregados sotaques italianos, mas adicionando roupas de luxo, remix de "I Feel Love", e, claro, Lady Gaga em cima de saltos agulha e casacos de pele se vingando do marido infiel? Mais queer impossível. O impacto cultural do longa é comprovado no momento em que quase toda a sala do cinema fez o sinal da cruz durante a já icônica fala "Em nome do pai, do filho e da Casa Gucci", e isso vale muito mais do que qualquer prêmio por aí.


16. Depois do Amor (After Love)

Direção de Aleem Khan, Reino Unido/França.

Mary é uma mulher que se converteu ao islamismo quando se casou com seu marido anos atrás. Vivendo inteiramente dentro da cultura islã, ela é inesperadamente surpreendida com a morte do esposo e o surgimento de um segredo: ele possui outra família a menos de 35km de distância. Sem haver o responsável para confrontar, ela decide ir pessoalmente até a casa da outra família e, fingindo ser uma empregada doméstica, entra na casa da amante e do filho. "Depois do Amor" é conduzido por uma ótima performance de Joanna Scanlan e toca em temas complexos sem julgamentos: o que fazer com a descoberta desse segredo e com a outra família, que não sabe o que aconteceu com o marido? Vencedor de seis prêmios no British Independent Film Awards, incluindo "Melhor Filme", esse é um drama tocante que merece ser descoberto.


15. Reze pelas Mulheres Roubadas (Noche de Fuego)

Direção de Tatiana Huezo, México.

Mais um representante ao Oscar de "Melhor Filme Internacional", dessa vez do México, "Reze pelas Mulheres Roubadas" vai até uma vila no interior do país para contar como é a vida das famílias aprisionadas entre o tráfico de drogas e de pessoas. Assim como "Projeto Flórida" (2017), a narrativa se passa pelos olhos das crianças, ou seja, todo o horror é fantasiado pelos adultos para que os pequenos não sofram o baque daquela terrível realidade. Meninas têm os cabelos cortados para parecerem homens e os pais devem se tornar escravos para tem a mínima proteção antes que suas filhas sejam roubadas. Um filme duro e corajoso de Tatiana Hueza baseado em uma história triste e real.


14. A Nuvem (La Nuée)

Direção de Just Philippot, França.

No interior da França, uma família tenta sobreviver à morte do pai com o trabalho que ele deixou: eles cultivam gafanhotos, vendendo-os em forma de pó rico em proteína. A situação vai piorando quando os gafanhotos começam a morrer, até que a mãe descobre que eles não estão conseguindo o que querem comer: sangue. "A Nuvem" é inspirado no movimento "New French Extremity": obras de terror francesas que focam em elementos extremos, principalmente o body horror (subgênero que vislumbra a destruição do corpo humano), e coloca o corpo de sua protagonista como banquete para executar um simbolismo doentio: aquilo que você precisa para sobreviver é o que vai te matar. Bon appétit, baby.


13. A Morte de Dois Amantes (The Killing of Two Lovers)

Direção de Robert Machoian, EUA.

De "História de um Casamento" (2019) a "La La Land" (2016), a representação do fim de um relacionamento gerará filmes para o resto dos tempos - é incrível como a morte de um amor consegue produzir tanto conteúdo que, em boas mãos, terminará em uma história a ser vista. "A Morte de Dois Amantes" é um desses casos: um casal decide dar "um tempo" e conhecer pessoas novas; para a mulher, o acordo funciona perfeitamente, mas o homem não consegue respirar com a ideia da esposa com outra pessoa. Caminhando perigosamente na linha do extremo, a fita é crua e sem maquiagens na exibição de sentimentos que constantemente queremos esconder: o ciúmes, a inveja, o egoísmo, a posse. Um verdadeiro nocaute.


12. O Cavaleiro Verde (The Green Knight)

Direção de David Lowery, EUA/Canadá.

David Lowery já nos presenteou com a obra-prima "Sombras da Vida" (2017), e não decepciona em seu novo projeto. "O Cavaleiro Verde" fortalece a veia de narrativas não convencionais de Lowery ao dar luz um conto medieval do séc. XIV. Gawain, sobrinho do Rei Arthur, aceita o desafio do Cavaleiro Verde: se ele conseguir atingi-lo com um golpe, ganhará o poder de possuir o machado mágico; porém, deverá ir até a Capela Verde, local onde o Cavaleiro mora, para receber também um golpe um ano depois. A obra de Lowery se questiona: como seria um filme se fosse feito na mesma época que esse conto? Como as pessoas na antiguidade contariam esse filme? O resultado é uma fábula fantástica sobre nobreza, orgulho e honestidade, com imagens deliciosas e uma originalidade inigualável. "Off with your head!".


11. Playground (Un Monde)

Direção de Laura Wandel, Bélgica. O representante da Bélgica ao Oscar de "Melhor Filme Internacional", "Playground" é um pequeno e íntimo filme que decide embarcar em uma empreitada que não é a das mais fáceis: ser inteiramente conduzido por crianças. Mas Laura Wandel escolheu a dedo seus protagonistas, gerando uma película imperdível. Dois pequenos irmãos estão sofrendo uma das maiores dificuldades da vida escolar, o bullying. Filmes sobre o tema estão por aí aos baldes, entretanto, poucas vezes vimos a temática receber um aparato tão sincero e cru. Enquadrado em closes, enclausurando os personagens em um mundo sem escapatória, "Playrground" demonstra a inabilidade dos adultos em cuidar de crianças e como a violência é um ciclo vicioso que pode não ter fim. 


10. A Nuvem Rosa (idem)

Direção de Iuli Gerbase, Brasil.

"A Nuvem Rosa" é um daqueles raros caos de filme certo na hora certa. Escrito em 2017, o longa acompanha um casal que se conhece em uma noite. Indo para a casa da mulher, eles acordam no dia seguinte com a notícia de uma nuvem rosa que mata quem entra em contato com ela, devendo permanecer em quarentena imediatamente. "A Nuvem Rosa" previu nossa pandemia do Covid-19? As similaridades são surpreendentes, nesse estudo que fortalece uma veia grossa do novíssimo cinema nacional, a extrapolação criativa de enredos que hiperbolizam nossa realidade a fim de estudá-la e criticá-la. Essa veia contraposta o estilo mais clássico da nossa indústria, o "cinema verdade", e não quer fincar as unhas no crível, pelo contrário, almejando desenvolvimentos mais fantasiosos que (absurdamente) soam mais do que reais - e a explanação de "A Nuvem Rosa" sobre o "novo normal" é um espelho desconfortável de ser encarado.


9. Ovelha (Dýrið)

Direção de Valdimar Jóhannsson, Islândia/Suécia.

Valdimar Jóhannsson estreou no Cinema com um calibre fenomenal em "Ovelha". Um casal sem filhos é dono de uma fazenda no meio do nada na Islândia, tendo sua vida mudada com o nascimento de uma criatura metade ovelha e metade humana. É bem claro que o longa não será de largo apelo popular por inúmeros motivos - o ritmo lento, a ambientação contemplativa, as alegorias complexas, a falta de explicações diretas e até mesmo a língua acabam afastando -, sendo um daqueles filmes que precisam ser digeridos para não ficarem na superfície do "o que diabos foi isso?". Mais um pilar na nova onda de horrores que focam no drama ao invés da gratuidade que muitos exemplares do gênero acabam caindo, "Ovelha" é um retrato declaradamente estranho sobre a morte, a culpa e como encontramos nas mais diferentes coisas um motivo para nos trazer a felicidade. No fim das contas, a moral é que a natureza é a maior mãe de todas, e com ela é olho por olho e dente por dente.


8. Nomadland (idem)

Direção de Chloé Zhao, EUA.

Desde sua estreia no Festival de Veneza, onde ganhou o Leão de Ouro - o equivalente a "Melhor Filme" do festival italiano -, "Nomadland" basicamente vinha com uma nota de rodapé: o Oscar é dele. Dito e feito. Apesar de ser o terceiro longa da chinesa Chloé Zhao, "Nomadland" a transformou em uma cineasta espetacular, sendo apenas a segunda mulher e abocanhar a estatueta de "Melhor Direção" em sua viagem nos interiores dos Estados Unidos e a vida de nômades que moram em casas com quatro rodas. Repleto de cenas que apertam o coração e o pescoço pelas imagens arrebatadoras e diálogos delicadíssimos, esse road movie encanta e denuncia uma enorme mazela da modernidade com um poder cinematográfico único. "Eu não sou sem teto, sou sem casa. Não é a mesma coisa".


7. Meu Pai (The Father)

Direção de Florian Zeller, Reino Unido/França.

Baseado na peça de mesmo nome de Florian Zeller, "Meu Pai" foi a transição do diretor francês dos palcos para as telas, e chegou com imensa competência. "Meu Pai" já fisga a curiosidade com um elenco estrelar - Anthony Hopkins e Olivia Colman encabeçam como pai e filha: Anne vai mudar de cidade e deve deixar alguém a cargo dos cuidados de Anthony, que se recusa a receber ajuda. Já vimos inúmeros filmes que pincelam em diversos graus os problemas mentais que somos acometidos, muitas vezes sendo completos desserviços, no entanto, não é exagero afirmar que "Meu Pai" seja uma das melhores fitas sobre o tema já feitos na história do Cinema. A atuação do monstro Anthony Hopkins talvez seja a melhor de sua rica carreira, rendendo a cena mais triste e tocante de 2021: "Eu sinto que estou perdendo todas as minhas folhas". Não foi de se espantar que o Oscar de "Melhor Ator" e "Melhor Roteiro Adaptado" tiveram "Meu Pai" como dono.


6. A Filha Perdida (The Lost Daughter)

Direção de Maggie Gyllenhaal, EUA/Grécia.

Estreia de Maggie Gyllenhaal na cadeira de direção, "A Filha Perdida" é o melhor filme já lançado com o selo "Original Netflix", deixo aqui claro. Olivia Colman, dona de um Oscar por "A Favorita" (2018), é Leda, uma professora de meia-idade de férias na Grécia; por lá, ela encontra uma família com uma jovem (e agonizante) mãe (interpretada por uma ótima Dakota Johnson). A partir de então, Leda começa a recordar como foi seu próprio papel de mãe - e como ela falhou miseravelmente. "A Filha Perdida" tem inúmeras glórias - a direção e a adaptação certeira de Gyllenhaal e as atuações magistrais de Colman e Johnson -, entretanto, o que há de mais devastador aqui é a desglamourização da maternidade. O que é considerada a melhor "profissão" que uma mulher pode ter, o filme despe todos os filtros cores-de-rosa para recordar o público do quão passíveis a erros somos. O momento em que Leda diz que "Foi incrível" (você que viu o filme sabe do que estou falando) é de chocar e admirar.


5. Bela Vingança (Promising Young Woman)

Direção de Emerald Fennell, Reino Unido/EUA.

O atual (e merecidíssimo) detentor do Oscar de "Melhor Roteiro Original", "Bela Vingança" tem uma embalagem de filme mainstream norte-americano, contudo, é apenas uma fachada que esconde uma história sombria: Cassie tem 30 anos e abandonou o promissor futuro quando a melhor amiga foi estuprada, resultando em sua morte. Ela dedica suas noites a fingir ser uma garota bêbada na balada, e vê a quantidade de homens se aproveitariam da situação para estuprá-la. A fita é colorida e energética, apenas um contraponto para toda a dor do seu conteúdo, e Cassie se torna uma entidade mística em busca de justiça - tanto dentro quanto fora da tela. Todas as cenas em que ela se vinga das pessoas envolvidas com o caso da amiga são violentamente brilhantes.


4. Aonde Vai, Aida? (Quo Vadis, Aida?)

Direção de Jasmila Žbanić, Bósnia e Herzegovina.

O selecionado (e indicado) da Bósnia para o Oscar 2022, "Aonde Vai, Aida?" tem uma superfície que pode soar enfadonha para uns: Aida é uma tradutora da ONU que intermedia os eventos da Guerra da Bósnia de 1993 - e que historicamente terminou no Massacre de Srebrenica. Não se preocupe, esse não é um daqueles filmes que parecem aula de História na tela: muito mais um drama de suspense, a direção de Jasmila Žbanić é perfeita ao conduzir o dilema avassalador de Aida, que usa seus privilégios dentro da ONU para resgatar sua família, a um ponto em que terá que fazer escolhas que podem ser o ponto final entre a vida e a morte. Todo o amor para "Mais Uma Rodada" (2020), que levou o Oscar de "Melhor Filme Internacional", mas esse era de "Aonde Vai, Ainda?", uma das mais doloridas exibições da guerra.


3. Benedetta (idem)

Direção de Paul Verhoeven, França/Holanda.

De longe, o filme mais polêmico de 2021, o que podemos falar de "Benedetta"? Sucessor do também controverso "Elle" (2016), Paul Verhoeven adapta o livro "Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy" de Judith C. Brown, que narra a história real de Benedetta, uma freira do séc. XVII que foi presa e condenada por ser lésbica. O tema já é complexo por si só, todavia, Verhoeven não vai poupar a plateia nessa viagem desconcertante de descoberta da sexualidade de Benedetta. Tão corajoso quanto blasfemo (é aqui que estão as cena mais desafiadoras de 2021, como a da estátua de Virgem Maria e a visão de Cristo na cruz), "Benedetta" empurra limites para escancarar os meios tortos da Igreja Católica em condenar mulheres por seus corpos e perseguir minorias, em uma enxurrada de hipocrisia e falso moralismo que ainda assombra nossos tempos, 400 anos depois.


2. Titânio (Titane)

Direção de Julia Ducournau, França/Bélgica.

A francesa Julia Ducournau estreou no cinema em 2016 com o apetitoso "Grave", uma fábula pitoresca sobre uma família de canibais. O body horror, característica seminal do cinema ducournauniano (mais um inspirado no "New French Extremity"), é elevado a patamares absurdos com "Titânio", que começa com sua estranha premissa: uma garota, após sofrer um acidente, tem que colocar placas de titânio em seu crânio, o que a faz sexualmente atraída por.........carros. É isso aí. O longa é uma jornada insana que, por trás de sua imagem bizarra, carrega infinitas camadas de reflexão sobre gênero, sexualidade, humanidade e amor, liderado pelas atuações lendárias de Agathe Rousselle e Vincent Lindon. Vencedor de uma das melhores Palmas de Ouro que o Festival de Cannes já viu, "Titânio" é recheado de ousadia, genialidade e sim, pretensão. Os melhores filmes possuem esses três elementos.


1. Santa Maud (Saint Maud)

Direção de Rose Glass, Reino Unido.

A A24 (a melhor distribuidora do planeta em atividade, não me canso de falar) está especialista em terrores com viés religiosos e mitológicos, e "Santa Maud" é mais uma adição à lista. Seguindo a personagem título, uma enfermeira que não almeja apenas salvar o corpo de sua paciente, mas também sua alma, os horrores orquestrados ao seu arredor são castigos da condição humana: a de estarmos constantemente em busca de algo que nos dê sentido, e Maud achou esse sentido, no entanto, era o sentido errado. Um espetáculo fadado ao insucesso, "Santa Maud" é uma estreia irretocável que estuda o impacto do fanatismo religioso na percepção da realidade e questiona o conceito de divindade e a megalomania crente de maneira jamais vista. O corte abrupto de dois segundos na última cena é um daqueles raros casos em que você tem a mais absoluta certeza de estar diante de uma obra-prima.

As 10 melhores atuações do cinema em 2021


O Cinematofagia está cada vez mais próximo de publicar a lista com os melhores filmes de 2021, mas antes vamos celebrar as 10 melhores atuações do ano (todas as listas de melhores de 2021 aqui).

De vencedoras da temporada a estreias inacreditáveis, a lista segue as seguintes regras: não há separação entre papéis protagonistas e coadjuvantes e nem de gênero, tendo como critério de inclusão a estreia do filme em solo tupiniquim dentro do ano ou com o filme chegando à internet sem distribuição no país até o fechamento da lista. Importante pontuar também que, quando são duas performances no mesmo filme, foram colocadas na mesma posição.

Não assistiu a algum dos longas aqui listado? Não se preocupe, pode ler todos os textos que são sem spoilers - e em seguida correr para aclamar essas performances maravilhosas. Quem são os indicados ao Oscar Cinematofagia de "Melhor Atuação" do ano? Você pode conferir abaixo.


#10 Morfydd Clark em "Santa Maud"

A galesa Morfydd Clark ainda está no começo de sua carreira, conseguindo papéis coadjuvantes em "Orgulho e Preconceito e Zumbis" (2016) e "Predadores Assassinos" (2019), finalmente conseguindo o merecido destaque em "Santa Maud". Vivendo uma enfermeira que, após um colapso, se converte para o (ultra) cristianismo, Clark é brilhante em compor a psicótica Maud e sua insana missão de salvar a alma de sua paciente, indo do céu ao inferno num piscar de olhos.

#9 Riley Keough & Taylour Paige em "Zola"

Enquanto Riley Keough já possui uma carreira solidificada - inclusive aparecendo na minha lista de melhores atuações de 2020 com "O Chalé", parabéns pela dobradinha -, Taylour Paige só havia conseguido pequenas pontas na tevê, cinema e videoclipes, e é difícil imaginar alguém melhor para ser Zola, a stripper que quebrou a internet com sua saga de 148 tweets em 2015. A dupla, um yin-yang perfeito, se completa na condução desse épico disfuncional e feminista.

#8 Nicolas Cage em "Pig: A Vingança"

Uma das trends da Hollywood moderna é a ressureição de carreiras que eram dadas como mortas ou nunca levadas à sério. Quer exemplos? Michael Keaton com "Birdman" (2014), Steve Carell com "Foxcatcher" (2014) e Adam Sandler com "Joias Brutas" (2019). Cada um desses filmes catapultaram os respectivos atores para o panteão de nomes a serem seguidos, e "Pig" é a redenção de Nicolas Cage. A diferença é que Cage já viveu o apogeu, vencendo o Oscar por "Despedida em Las Vegas" (1995) e destruindo sua imagem com péssimos filmes e atuações medíocres. Engraçado como ele entrega uma das melhores atuações de sua vida como um homem que só quer resgatar sua porca a todo custo.

#7 Frances McDormand em "Nomadland"

Meryl Streep é sempre consagrada como a melhor atriz da geração, mas Frances McDormand está nada atrás. Ambas, inclusive, venceram a mesma quantidade de Oscars nas categorias de atuação, com McDormand dominando o coração da Academia nos últimos anos. Apesar de não ter sido minha favorita na categoria de "Melhor Atriz" em 2021 (ela aparecerá mais à frente), McDormand continua impecável como Fern, uma nômade que vive em uma van e tenta sobreviver aos EUA em época de recessão. Servindo, também, como produtora do longa (que lhe deu um quarto Oscar), Frances demonstra sua versatilidade e esperteza em escolher mulheres complexas para representar na tela.

#6 Benedict Cumberbatch em "Ataque dos Cães"

Um ator que sempre figura nas listas de queridinhos do público é Benedict Cumberbatch. Alguns, inclusive, acham que ele deveria ter vencido o Oscar em 2014 por "O Jogo da Imitação" (coragem). Ao contrário da maioria, Cumberbatch nunca foi um ato do meu agrado, mas "Ataque dos Cães" me fez entrar no hype. O melhor elemento de todo o filme, Cumberbatch (que é inglês) mastiga um sotaque perfeito norte-americano caipira como um macho-alfa desprezível que esconde segredos para a fachada que emprega.

#5 Lady Gaga & Jared Leto em "Casa Gucci"

Dois Oscars winners juntos fazem magia. Aliás, quase todo o cast principal de "Casa Gucci" é vencedor do careca dourado e não decepciona, porém, Lady Gaga e Jared Leto roubam a cena. "Casa Gucci" é como aqueles filmes hollywoodianos na Era de Ouro que se passam em "terras estrangeiras": caricato e melodramático da melhor forma, com Gaga e Leto encabeçando o exagero. Podem, para alguns, ultrapassar o limite, mas os dois estão imperdíveis nesse universo camp que reúne remixes de clássicos e roupas de luxo, tornando-se um "O Poderoso Chefão" gay.

#4 Olivia Colman em "A Filha Perdida"

Junto com Meryl e McDormand, Olivia Colman também faz parte da elite de atuação moderna. Já tendo vencido o Oscar pela genial (e louca) rainha de "A Favorita" (2018), Colman mira em mais uma performance para arrebatar louvores com "A Filha Perdida". É difícil falar sobre sua personagem sem revelar as inúmeras camadas obscuras que a constroem, todavia, Colman traz uma das mães mais complexas do cinema nos últimos anos sem perder um mísero momento no filme de estreia de Maggie Gyllenhaal, que desglamouriza a maternidade de maneira sincera (até demais).

#3 Carey Mulligan em "Bela Vingança"

Carey Mulligan já habitava no meu radar há uma década, desde seu fantástico 2011 com "Drive" e "Shame", e finalmente teve o reconhecimento que merece com "Bela Vingança". Certo, ela não levou o Oscar (mas deveria), no entanto, sua garçonete que abandona tudo em busca de vingança pela amiga morta é uma viagem sensacional que reflete com maestria as desgraças que toda mulher está suscetível em uma sociedade afogada na cultura do estupro. Nada fácil de ser engolido, mesmo com tanta cor, Mulligan eleva "Bela Vingança" para patamares de excepcional.

#2 Anthony Hopkins em "Meu Pai"

Anthony Hopkins tem seu nome cravado na história do Cinema como um monstro, porém, entregar uma das melhores atuações de todos os tempos com mais de 80 anos é um feito sem precedentes. Levando seu segundo Oscar quase 30 anos depois do primeiro - com "O Silêncio dos Inocentes" (1991) - e se tornando o ator mais velho a receber a estátua de "Melhor Ator", a maior conquista de Hopkins com "Meu Pai" é entregar a melhor performance de uma pessoa que sofre com doenças mentais já feita na Sétima Arte. Tão impressionante quanto dolorido.

#1 Agathe Rousselle & Vincent Lindon em "Titânio"

Se houvesse justiça nesse mundo, Agathe Rousselle e Vincent Lindon estariam sendo celebrados como merecem. "Titânio" é o filme mais complexo e desafiador de 2021, e seus personagens são partes fundamentais da construção daquele mundo tão estranho, carregado por ambos como se não estivesse fazendo esforço. Duas das mais magistrais entregas de todos os tempos, Rousselle e Lindon entregam seus corpos nesse body horror bizarro e são as âncoras que não deixam todo o carnaval de loucuras sair do chão do verossímil. Absurdamente irretocáveis.

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