Tardamos, mas não falhamos. Considerando que estamos prestes a mergulhar no universo de Kanye West, já é de se esperar um tempo mais longo do que de costume para processarmos as ideias propostas, principalmente quando o álbum em questão é o Yeezus, no qual o pai do noroeste americano (piadinha com o nome da filha dele, North West. Ba Dum Tss) claramente pretendeu inovar e dar um enorme e diferenciado "foda-se" para a indústria fonográfica. Lançado inesperadamente e sem grandes propagandas precedendo o anúncio
de um novo álbum, quando tivemos notícias de que um sucessor para My Beautiful Dark Twisted Fantasy
ganharia um sucessor muito em breve, não sabíamos o que esperar por
essa falta de estratégias ~terroristas~ para deixar o público se
acabando em curiosidade que tantos artistas usam. Mas desde a primeira música, começamos a entender os objetivos desse trabalho.
1) On Sight
Logo na primeira faixa do álbum que causou tanto buzz pelo título, podemos ver quase que um menu, com todas as propostas que são trabalhadas conforme a tracklist avança. Com produção do duo Daft Punk (que trabalhou mais no Yeezus do que no Random Access Memories, rs), a surpresa é imediata por uma sonoridade absurdamente caótica, uma letra que tem todos os elementos-chave dessa complexa proposta, como a auto afirmação através do nome Yeezy, apelido do Kanye, tiração de sarro da sociedade num geral, a afirmação do quanto ele não liga para o mundo convencional, ou seja, esse modelo tradicional da indústria fonográfica e a quebra da linearidade musical com um coral colocando Kanye West como um tipo de profeta ao dizer "Eles nos dará o que precisamos/Pode não ser o que queremos".
2) Black Skinhead
Contando também com Daft Punk e Lupe Fiasco entre os produtores/compositores, a segunda faixa começa a nos imergir nesse universo tão crítico e raivoso que está sendo apresentado. Os 3 primeiros segundos da música parecem anunciar que lá vem a realeza. E ela vem. Fazendo referência ao movimento social que surgiu na Inglaterra durante o pós-guerra (e acreditem se quiserem, foi importado da Jamaica) e emplacou na cultura britânica nos anos 60 levando ao consumismo absoluto, as críticas são claras: consumismo e racismo, afinal, não podemos deixar de lado a negatividade do termo "skinhead" hoje, além de Kanye usar "King Kong" para exemplificar a visão da sociedade em relação a negros. Com gritos absurdos e muita bagunça sonora, West criticou desde igrejas até a violência em Chicago (Chiraq) e é nessa desordem que a faixa acaba com a evocação de ninguém mais ninguém menos que Deus.
3) I Am a God (com participação de Deus)
West chamou, e ele veio. Cogitada como possível faixa título do álbum, a música foi prejulgada como pretensiosa e, devo dizer, todos erraram. Kanye West se declara um deus? Não exatamente. Nas músicas anteriores ele parece se ver como um mensageiro da verdade, mas se põe abaixo de Deus. Com uma melodia mais linear, apesar dos intermináveis sintetizadores e batidas, o rapper critica todos brincando de ser deus num sistema onde o que tem valor é seu dinheiro e só. Entre berros demoníacos e a uma letra se declarando Deu$, estaria Kanye confessando que apesar do extremo reconhecimento ainda é atormentado? Por fim, Justin Vernon, vocalista do delicioso Bon Iver, pronuncia que "De forma alguma desistirei. Eu sou um Deus". West pretende ser alguém melhor até se santificar ou isso representa o pensamento dos semideuses que ainda vão brincar com diversas vidas?
4) New Slaves
Foi a primeira faixa com a qual tivemos contato e Kanye a divulgou com maestria: em lugares abertos, diretamente para o grande público, mas a temática é a mesma que, apesar de executada com excelência, só fez se repetir até então. Com um título tão poderoso quanto "Black Skinhead", além da clara referência a acontecimentos da História, West coloca em contraste a cor preta da pele negra com o verde do dinheiro, explicitando que uma pessoa da sua cor tem valor de acordo com seu poder monetário. Mas essa poderosa metáfora não se limita a pessoas de uma só cor, se expandindo para todos materialistas que se tornam escravos da indústria do consumo. Levando sua crítica pra sua própria realidade, o rapper critica as gravadoras e seus contratos colocando um preço no que ele produz. Sampleando a música "Omega" banda húngara Gyöngyhajú lány, a música termina com mais uma quebra total na melodia. Nessa faixa, Kanye também se sai menos pretensioso do que o esperado, pois ao invés de "hipocrisia", como alguns definiram, West admiti também ser um novo escravo.
5) Hold My Liquor (com participação de Justin Vernon e Chief Keef)
O auto-tune surge de forma bem explícita pela primeira vez, lembrando trabalhos do 808s and Heartbreak e os versos mais marcantes ficaram por conta dos convidados, sendo que o trecho de Vernon cria um dilema quando ele canta "I can hold my liquor" e o outro segue com "I can't hold my liquor". Mas ao invés de serem opostos, os versos se completam demonstrando uma confusão e até mesmo insatisfação pessoal do Kanye, acentuada por uma guitarra no decorrer dos 5 minutos e 30 segundos de música. Mais uma vez, ele mostra saber que não é Deus.
6) I'm In It (com participação de Assassin e Juntin Vernon)
Só não passa batida pela participações, afinal não é previsível colocar Assassin junto de Justin Vernon. Nessa Kanye narra o que ele vai fazer com uma mulher asiática na cama, então fica tudo por conta da melodia que tem várias nuances, mas que talvez deixariam a faixa passar batida sem as participações.
7) Blood On the Leaves
Samples + Sample? A sétima faixa desse álbum trabalhado em Cristo e em demônios sampleia a versão da Nina Simone para o clássico "Strange Fruit", da Billie Holiday, e o arranjo é idêntico à "R U Ready" do duo TNGHT, que adivinhem? Trabalharam na produção da música. Com uma letra potente sobre passados relacionamentos e, portanto, lembrando trabalhos do 808s and Heartbreak, por trás da letra se esconde uma canção com momentos club banging.
8) Guilt Trip (com participação de Kid Cudi)
Continuando a busca por um hip hop experimental e nada tradicional, Kanye relembra outro (ou o mesmo da música anterior) relacionamento que não deu certo, mas que ele sente falta, misturando as batidas pesadas presentes em toda a tracklist com violinos. É sensível, triste em algum nível e pelo título, achamos que o fim da relação deve ter algo que faça West se culpar.
9) Send It Up (com participação de King Louie)
Com a intenção clara de criar uma música pronta para ser jogada nas pistas, Kanye West merece o reconhecimento por ter pegado trechos de "Memories" do ícone jamaicano Beenie Man e ter colocado no meio de seu caos urbano algo que em sua versão original é a Jamaica em forma de melodia.
10) Bound 2 (com participação de Charlie Wilson)
Na faixa que fecha o Yeezus com excelência não só optaram por samplear algo mais uma vez, como escolheram samplear três clássicos. Um tanto quanto desconexa entre ela mesma, a faixa ora com base de "Bound" do grupo Ponderosa Twins Plus One, ora com base de "You Can Fly On My Aeroplane" da Wee, conforme vai se desenvolvendo pode ficar bem cansativa pelos "Aha, Honey" da Brenda Lee, extraídos da canção "Sweet Nothin's", mas nos mostra que Kanye sabe fazer um rap, digamos, vintage e ainda soar diferente, colocando na tracklist uma quebra na sonoridade que tivemos até então, artifício usado em muitas faixas.
Desde o anúncio de que um novo álbum viria, todos já sabiam que algo diferente estava a caminho, afinal Kanye pode ter qualquer defeito apontado pelo público, menos "limitado". E o trabalho atinge suas propostas e quase todas nossas expectativas, ou seja, é impecável em termos de qualidade, mas é menos original do que parece na primeira execução. A quantidade de samples incomoda, pois apesar de totalmente transportadas pra outro universo, recriar não é inventar. Mas inventar nem de longe é uma obrigatoriedade e Kanye merece reconhecimento por introduzir tantos elementos em gêneros com fama de extremamente fechados como é o hip hop e principalmente o rap. A atmosfera que esse trabalho cria, apesar de experimental e bem diferente em relação ao que costuma vir dos artistas da terra do tio Sam, nos lembrou muito o Kala, da M.I.A., então nos sentimos confortáveis para dizer que é um M.I.A. vai à cidade hahaha, já que é bem urbano e menos étnico como as produções da artista cingalesa.
Conceitualmente é cheio de conteúdo e como já dito nada radiofônico, o que é legal vindo de um artista recorrente no mercado direcionado ao grande público e, num geral, achamos a escolha da tracklist perfeita, de forma que deixa as músicas com críticas sociais, e que por consequência exigem um empenho bem maior para entendermos essa bagunça Kanye-Westica, no início do álbum. E por que isso é bom? Porque as músicas não avançam por si só, mas junto com a nossa vontade de algo mais descontraído e tão bom quanto. Se os $ingles vão render? Não sabemos, pois Kanye foi totalmente contrário a se render às rádios e à música comercial (até na capa, que muitos não entenderam), mas com a ajuda da internet não sabemos afirmar se vai hitar ou flopar. No entanto, podemos sim dizer que quer cansemos de ouvir faixas do Yeezus por aí ou não, West colocou mais um grande marco em sua carreira.