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Crítica: “Boy Erased” demanda a sessão ao expor as insanidades da terapia de cura gay

"Boy Erased: Uma Verdade Anulada" é um daqueles filmes que chegam com um timing perfeito. Apesar de estarmos na apoteose do Cinema LGBT, com nomes imersos na temática sendo cada vez mais produzidos e indo parar nas maiores premiações do mundo, estamos, também, embarcando em uma era da intolerância. Um dos pontos mais falados do lado conservador é a "cura gay".

Nem precisa ser um PhD em Psicologia para saber que a tal da cura gay é uma balela completa, porém, falar essa obviedade ainda é necessária. "Boy Erased" conta a história real de Jared (Lucas Hedges, indicado ao Oscar por "Manchester À Beira Mar"), um garoto de 18 anos que é mandado pelos pais, Nancy (Nicole Kidman) e Marshall (Russell Crowe), a uma clínica de terapia de reabilitação sexual. Jared é filho de um pastor e já nasceu rodeado pela religião, sem saber como equilibrar seus anseios e sua fé.


Um filme contemporâneo, é irônico como, logo no início, o enquadramento foca numa placa dizendo que os Estados Unidos é a "terra das oportunidades" - mas as oportunidades são só para algumas pessoas. Mas a ironia se torna pavor ao cair a ficha de que tudo o que está na tela é real e está acontecendo agora. A fita se utiliza de uma estrutura não-linear, indo e vindo na linha temporal numa tentativa de fugir do óbvio.

A maior parte da duração é dedicada para o que acontece dentro da clínica. Desde o momento em que Jared põe o pé no local, uma atmosfera de tensão paira quando as incontáveis regras são proferidas. Para resumir, há uma perda absoluta da privacidade, com os jovens não podendo nem ao mesmo ir ao banheiro sozinhos. Não é exagero chamá-los de "internos", afinal, a clínica mais parece uma prisão carcerária. Inclusive, a reabilitação é chamada de "Programa de Refugiados".


É impossível não lembrar de outro filme com a mesmíssima temática e lançado no mesmo ano: "O Mau Exemplo de Cameron Post" (2018), que retrata a vida de uma garota lésbica indo parar em um campo de conversão sexual. Também baseado em uma história real, as comparações entre "Cameron Post" e "Boy Erased" são inevitáveis. A grande diferença além do gênero das produções - "Cameron" é totalmente feminino, dirigido por uma mulher, Desiree Akhavan -, é que "Cameron" foca nos aspectos emocionais de sua protagonista diante da conversão, caindo bem mais no coming of age; "Boy Erased" coloca ênfase em explorar as narrativas construídas pela terapia.

Todo o desenrolar se inicia com o embate de Jared com o pai, um aspecto que aflige qualquer filho: o peso das expectativas dos pais. É fato que "Boy Erased" nunca chega num nível de sutileza ou requinte de um "Pária" (2011), só para citar outro longa LGBT com a mesma discussão, todavia, o filme de Joel Edgerton - que também atua, como Victor, o "líder" da clínica - sabe da importância de pontuar como LGBTs sofrem ainda mais no seio de famílias religiosas. O pai de Jared chega a dizer que, caso o garoto não aceite entrar na terapia, será expulso de casa - e dói saber que a realidade pode chegar a ser bem mais cruel do que isso.

A estratégia básica da terapia é colocar dois pólos que jamais podem entrar em contato: a homossexualidade é o oposto absoluto da religião, um caminho aberto pelo próprio Satanás. Assim como a religião em si, o processo é moldado à base do medo. O próximo passo é construir uma árvore genealógica onde cada indivíduo deve explorar todos os "defeitos" familiares, que vão desde abuso de drogas, aborto e associação ao crime, afinal, na lógica deles, Jared é gay porque um tio era alcoólatra (?).


Essa é uma lógica retirada do próprio livro que rege a vida religiosa extrema. Com um gráfico, Victor fala como a homossexualidade está irremediavelmente ligada aos pecados do estupro, assédio, AIDS e solidão, tudo o que não cabe no antro da heterossexualidade. Escolher o caminho contrário a deus é um beco sem saída, o que nos traz a outra máxima: homossexualidade é uma escolha.

Sempre me assombro quando ainda preciso dar esse discurso sobre a "opção sexual": você, oh hétero, conte-me como foi a emocionante aventura que o levou a escolher gostar do sexo oposto. Sabemos que não existe uma resposta para isso, porém, mesmo se existisse, mesmo se a sexualidade fosse passível de escolha, não seria uma escolha válida e legítima? O ato de escolher não invalida coisa alguma, matando a lógica absurda dos discursos reacionários.

O que é martelado na cabeça de quem se submete à terapia é que eles devem ter vergonha da própria natureza, um crime humano sem tamanho. "Deus não te ama assim", diz Victor para um garoto gay que não aceita a reabilitação, levando a sexualidade para o campo moral. Não satisfeitos, o próximo nível é físico, como um intensivo militar: eles devem manter uma pose de "macho", não podendo nem cruzar as pernas. Qualquer traço feminino é repudiado, nada diferente do que está em todos os lugares da vida real; o machismo sufoca. Para tais terapias, o homem de "verdade" é o homem de deus, afogado em masculinidade tóxica.


O nível extremo das estratégias do local chega quando a violência sai da opressão emocional e parte para a física. Um dos jovens sofre um crime gigante quando a clínica monta um funeral e chama sua família, que o espanca com uma bíblia em cima de um caixão. Até a irmã caçula, se debulhando em lágrimas, é obrigada a bater no irmão com a palavra do altíssimo. Deus deve estar orgulhoso do bom trabalho do homem de bem. Victor, no dia seguinte, fala com um belo sorriso: "Me sinto revigorado".

É interessante a dinâmica que o longa aborda sobre as estratégias de sobrevivência daqueles que estão obrigados ali. Os personagens de Troye Sivan e Xavier Dolan, dois ícones gays da música e cinema, respectivamente, desenvolvem planos particulares e bem diferentes para enfrentar aquele inferno: o de Dolan evita todo e qualquer contato com homens e o de Sivan engole a frase "fake it till you make it", apenas fingindo que tudo está funcionando para ir embora.

Todas essas discussões de "Boy Erased" são postas de maneira competente na tela, entretanto, a fita não vai além de um molde elementar nem gera uma carga emocional acima da média. É tudo legal, mas nada fora de série - nem mesmo as atuações, apesar de Hedges, Kidman e Crowe estarem bem confortáveis nos papéis. A parte técnica segue a "normalidade", sem inovações ou momentos que sejam memoráveis. Não dá para saber se é uma acomodação ou medo de arriscar - com exceção da já citada montagem temporal.

"Boy Erased" demanda a necessidade de sua sessão quando expõe as insanidades das criminosas terapias de conversão sexual. O filme demonstra o quanto a opressão e marginalização da identidade sexual só gera problemas, apesar de não conseguir seu lugar no panteão das obras-primas do Cinema LGBT. Bem mais voltado para os que acreditam que a religião é capaz de curar algo que não é uma doença, a produção mostra sádicos sendo alimentados pelo dinheiro de cristãos e expurgando seus ódios em cima de cabeças fáceis, tudo em nome de deus. A mensagem final é de suma importância: a verdade não pode ser anulada.

#AmarNãoÉDoença | O que cada vencedora de "RuPaul's Drag Race" nos ensinou sobre ser LGBT

A arte drag existe há muito tempo, com o termo surgindo de "Dressed as a girl" ("vestido como uma garota"). Não se limitando a ser apenas a expressão artística do indivíduo, o ato de fazer drag também é uma ruptura das imposições de gênero. Parte bastante celebrada da cultura LGBT, o reality show "RuPaul's Drag Race" é o principal nome moderno para a popularização da arte ao redor do mundo.

Com 11 temporadas (9 normais e 2 "All Stars"), "RuPaul's Drag Race" é a igreja queer da tevê. Comandado por RuPaul, a maior drag queen do mundo, o reality está cada vez mais popular, o que demonstra a conquista do nosso espaço no mainstream. A prova é o número de prêmios do programa, aumentando ano após ano: em 2017 foram três Emmys, o Oscar da televisão, incluindo o segundo prêmio de "Melhor Apresentador" à Mama Ru.

Com uma longividente considerável (já são quase 10 anos no ar), mais de 100 episódios e 100 participantes, "RPDR" nos ensinou bastante sobre a comunidade drag, e, por extensão, todo o mundo LGBT, trazendo positividade e união. Com participantes gays, trans e 11 vencedoras, cada uma agregou uma característica primordial ao o que é ser drag e um indivíduo LGBT na nossa sociedade ainda tão opressora.

Inspirado numa postagem do Reddit, trouxemos o que é ser drag pela ótica de cada uma das coroadas da corrida das loucas da RuPaul.


Bebe: drag é dignidade

A vencedora da primeira temporada trouxe uma característica fundamental: dignidade. Bebe Zahara Benet veio diretamente da África para provar, desde o primeiro episódio, que o ato de ser drag não faz o homem ser menor, e como é uma arte digna que merece todo o respeito e admiração. Madame Cameroon foi a escolha perfeita para encabeçar o time de vitorias e começar um legado ao mundo LGBT.


Tyra: drag é luta

A vencedora mais controversa do show é amada por uns, odiada por outros, porém é incontestável: a gata é um exemplo de luta. Indo ao show com poucas roupas, não tendo lugar para morar e um filho para criar, Tyra Sanchez mostrou, aos 21 anos, como vale a pena brigar pelos seus sonhos e venceu aos trancos e barrancos, sempre impressionando na passarela.


Raja: drag é fashion

Desde o início tivemos participantes que trouxeram peças de moda impressionantes (Nina Flowers não nos deixa mentir), mas foi com Raja que o patamar foi elevado ao máximo. Uma verdadeira fashion model, Raja ainda é icônica pelos seus looks de cair o queixo, demonstrando como ser drag é ser fashion, moderna, desafiadora, vanguardista, artística e imortal. Supermodel of the World: The Sequel.


Sharon: drag é transgressão

Enquanto ser drag estava (e ainda está, na verdade) bastante aliado a ser "feminina", Sharon Needles chegou para bagunçar o jogo. Jamais querendo se enquadrar no molde convencional, a queen chocou pela sua persona assustadora e dia-das-bruxas-é-todo-dia, abrindo novas portas para a visibilidade drag e retirando violentamente a arte de dentro da caixa. O programa nunca mais foi o mesmo.


Chad: drag é profissionalismo

Caso Sharon estivesse fora do jogo, Chad Michaels teria vencido a quarta temporada do programa, tanto que Mama Ru fez o primeiro "All Stars" todinho para Chad vencer. E também pudera: ninguém foi tão profissional, classuda e sabendo como jogar o jogo como Chad. Unindo a seriedade dos anos de carreira com a jovialidade que a arte pede, Chad é o melhor dos dois mundos, envelhecendo como vinho e nos ensinando como é preciso ser profissional para alcançar a linha de chegada.


Jinkx: drag é performance

Depois de vencedoras com visuais fortíssimos, Jinkx Monsoon chegou tímida, com roupas questionáveis e visual que a colocava atrás das concorrentes, todavia, ninguém mostrou um nível de performance maior que o dela. A nossa drag Meryl Streep, Jinkx atua e canta como nenhuma outra, vencendo a temporada mais concorrida quando passou oito semanas seguidas no top dos desafios por destruir em suas performances.


Bianca: drag é intrepidez

No discurso de vitória de Bianca Del Rio, ela falou que nunca foi uma queen de dublagens, característica básica da arte drag, mas ela nem precisou: ela é, até hoje, a única participante a nunca ficar entre as piores do desafio durante toda a temporada. Comediante de insultos, Bianca trouxe um nível de intrepidez absurdo, sendo afiada e venenosa, e, ao mesmo tempo, adorável, ensinando que devemos ter coragem de sermos nós vemos acima de tudo.


Violet: drag é confiança

Com apenas 22 anos durante o programa, Violet Chachki se assemelhava à Raja em termos fashions, porém, o que a drag trouxe de mais forte foi sua confiança. Impressionando até mesmo Mama Ru, Violet jamais deixou que a vissem suar, sendo absolutamente segura de si, sobre sua capacidade e quem ela era enquanto pessoa e drag - repetindo, com 22 anos de idade. É preciso confiar em si mesmo acima de tudo para que outras pessoas também confiem.


Bob: drag é política

Altamente engraçada e preparadíssima para o programa, Bob The Drag Queen sempre falou ser uma "queen para o povo", porque o ato de ser drag é puramente político. Em tempos de conservadorismo contra pessoas negras e gays, Bob é uma verdadeira ativista, colocando discursos políticos na sua arte para nos lembrar que, muito mais que entretenimento, a existência drag vai ao campo da militância enquanto ainda somos segregados.


Alaska: drag é perseverança

De se candidatar quatro vezes antes de entrar no programa, conseguir uma vaga na quinta temporada, ver seu namorado vencer enquanto ela mesma perdia, até voltar para brilhar no "All Stars 2", a caminhada de Alaska foi longa dentro do programa. A maior fã do show, como ela mesmo afirma, Alaska é exemplo de perseverança, de como todos os "nãos" recebidos não podem nos fazer fraquejar. Mesmo sendo controversa na temporada em que venceu, a coroa de Alaska é mais que junta pela sua força de vontade.


Sasha: drag é inteligência

Enquanto umas se gabam por serem bonitas, magras e polidas, Sasha Velour sempre se gabou por ser inteligente, virando um meme ambulante sobre história queer e intelectualismo, mas se engana quem a acha arrogante: inteligência é alma do negócio. Foi com ela que a participante entregou performances geniais e passarelas brilhantes, sempre aliando seu intelecto filosofal com a paixão pela arte.


Não ache, você, leitor, que as queens aqui são exemplos absolutos para o meio LGBT. Elas, humanas, também cometem erros, dão aquele close errado e pisam na bola, no entanto, puseram na mesa valores construtivos que nós, LGBTs, precisamos nesses momentos escuros de ignorância e intolerância.

E só para deixar claro, ser drag é ser fabulosa.


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Essa matéria integra a campanha #AmarNãoÉDoença, que visa celebrar a diversidade sexual e de gênero. Somos apoiados pelos veículos abaixo assinado.

#AmarNãoÉDoença | Pelo terceiro ano seguido, o filme mais aclamado no mundo é LGBT

Em meio ao tsunami de conservadorismo que vem assolando esse planetinha azul, com Donalds Trump excluindo direitos LGBTs de um lado e juízes federais heterossexuais brasileiros dando sinal verde à chamada "cura gay", há motivos para mantermos a fé em meio a tanto caos: pelo terceiro ano consecutivo, o filme mais aclamado pela crítica mundial é um filme com temática LGBT.

Mas o que isso muda na nossa vida?, você pode está se perguntando. Esse feito, jamais alcançado na história, demonstra duas coisas: cineastas estão cada vez mais preocupados com a representação de histórias LGBTs no cinema, a arte mais abrangente (e lucrativa) que existe; e a crítica tem aceitado esses produtos de forma como nunca antes. Não se engane: um filme não é mero entretenimento de uma hora e meia, que, ao acabar, desaparece na tela. Cinema é fomentador de ideologias, ideias, conceitos e gostos, com o cinema LGBT ajudando a naturalizar socialmente essa camada ainda tão marginalizada.
E com milhares de lançamentos anuais, ter filmes LGBTs no topo das listas, recebendo prêmios e reconhecimento internacional, é algo incrível. Usando o site Metacritic como base, os filmes mais aclamados de 2015, 2016 e 2017 (baseados na data de estreia internacional), respectivamente, foram: "Carol", de Todd Haynes; "Moonlight: Sob a Luz do Luar", de Barry Jenkis; e "Me Chame Pelo Seu Nome", de Luca Guadagnino.

O mais aclamado de 2015, "Carol" é baseado no livro "The Price of Salt" de Patricia Highsmith, e conta a história de Therese (Rooney Mara, "Melhor Atriz" em Cannes), uma atendente numa loja de brinquedos que luta para se conectar com o namorado, encontrando sentido no amor ao conhecer Carol (Cate Blanchett).

Em plena América dos anos 50, o casal deve esconder o romance para que Carol não perca a guarda da filha, já que a homossexualidade era considerada "conduta imoral". O longa, com nota 95 no Metacritic, é um primor delicadíssimo, carregado por atuações estonteantes de Mara e Blanchett e indicado a seis Oscars (infelizmente levando nenhum). Venceu, no entanto, a "Queer Palm", mostra no Festival de Cannes exclusiva para filmes com temática LGBT.



Em 2016 tivemos o avassalador "Moonlight: Sob a Luz do Luar", que traz três fases da vida de Chiron, mostrando sua luta para se encaixar enquanto negro e gay. O filme mais premiado do ano, "Moonlight" quebrou o estigma no Oscar e foi o primeiro longa LGBT a vencer o prêmio de "Melhor Filme" - "O Segredo de Brokeback Mountain" perdeu em 2006, para a revolta geral, e "Carol" nem ao menos foi indicado na categoria.

Poderoso, reflexivo e socialmente urgente, a obra é um marco histórico no cinema e merece todos os louvores possíveis, tanto que recebeu nota 99 no Metacritic. Você pode ler nossa crítica completa na coluna Cinematofagia.



E no corrente ano, o topo, com nota 98, é da co-produção Itália/Estados Unidos/França/Brasil (sim!) "Me Chame Pelo Seu Nome". Com estreia em solo brasileiro marcada apenas para janeiro, o filme se passa na Itália durante os anos 80, e contará a história de Elio (a revelação Timothée Chalamet) e Oliver (Armie Hammer). Esse, bem mais velho, levará Elio à uma viagem recheada de música, comida e romance.

Chamado de "triunfal", "emocionante" e "arrasador" pela crítica que já conferiu o longa no Festival de Sundance, a obra é fortíssimo nome ao Oscar 2018, e, aproveitando as portas abertas pela vitória de "Moonlight", pode levar pra casa algumas estatuetas.



Você, LGBT, nem tem a obrigação de gostar de qualquer um desses filmes, mas devemos pelo menos conferir e saber apreciar esse momento histórico, com três anos tendo filmes que dialogam de alguma forma com nossas realidades no topo das listas mundo afora, mostrando nossas pluralidades, lutas e as diversidades dentro do nosso próprio meio. Em 2018 já queremos um filme trans em #1, hein?

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#AmarNãoÉDoença | A tal cura gay e uma reflexão sobre como deixamos isso acontecer

Na série vencedora do Emmy, “The Handmaid’s Tale”, Ofglen (interpretada por Alexis Bledel) é uma aia, classe de mulheres férteis que são obrigadas a engravidar de seus patrões. Certo dia, o governo, autoritário, descobre que ela é uma “traidora de gênero”, como chamam os homossexuais, porque tinha um caso com a esposa do seu chefe.

Culpada por cometer um dos maiores crimes existentes nesta sociedade, Ofglen foi obrigada a assistir sua amante ser enforcada, enquanto recebia uma pena mais “branda” por ser fértil: teve seu clitóris arrancado cirurgicamente.


Caso você ainda não tenha assistido à série, perdão pelo spoiler. Mas não, esse texto não é sobre "The Handmaid's Tale", é sobre algo real e que está acontecendo no nosso quintal: a decisão liminar do juiz federal heterossexual Waldemar Cláudio de Carvalho, favorável aos psicólogos estudarem e oferecerem tratamento de "reorientação sexual" - o que popularmente foi chamado de "cura gay".

O que tem a ver, então, a saga de Ofglen com essa decisão? Basicamente, tudo. A série se passa após um golpe de estado, onde um grupo fundamentalista ultra radical assume o poder e dita suas próprias leis. Conservadores e direitistas, a nova cúpula do poder aniquila quaisquer direitos das minorias sociais - até mesmo as mulheres de elites são absolutamente privadas. A protagonista da série, Offred (interpretada brilhantemente por Elisabeth Moss), se pergunta a todo momento "Como deixamos isso acontecer?".

Todo aquele caos é só um dos assustadores finais da onda conservadora que estamos vivenciando, não só no Brasil como no globo inteiro - a maior potência mundial, os EUA, tem como líder Donald Trump, que dispensa apresentações. E a pergunta que a protagonista tanto se faz demonstra como nós, infelizmente, ainda somos passivos diante a retirada de direitos.



E essa retirada nem sempre é abrupta como em Gilead, novo nome do país em que "The Handmaid's Tale" se passa. Vamos, pouco a pouco, perdendo pequenos direitos, sendo silenciados aqui e acolá, como um sapo dentro de uma panela com água fervendo. A intenção é justamente não nos fazer notar o quanto estamos caminhando rumo à total falta de liberdade - quando notamos, já estamos estamos como Offred, nos questionando como chegamos até ali.

Desde março de 1999, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) determina que "os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados" - nós somos um dos poucos países a conquistarmos uma determinação parecida. A liminar do juiz, heterossexual, não vai contra diretamente à determinação do CFP, porém abre um vasto leque para a volta do estigma de doença na homossexualidade, que até 1973 era considerada um "transtorno antissocial da personalidade".

A base argumentativa do liminar do juiz heterossexual diz que a determinação do CFP é uma censura ao livre estudo da psicologia, afinal, se um psicólogo quiser estudar sobre reorientação sexual, por que não? Esse argumento tem o mesmo fundamento daqueles que pregam a liberdade absoluta de opinião, ou, sendo mais claro, a liberdade de opressão. Mas como eu não posso gostar de gays?, é a minha opinião, você tem que respeitar! A partir do momento em que sua "opinião" oprime uma pessoa ou um grupo, ela deixa de ser "opinião" para virar "opressão".

Se antes a escola era a instituição fomentadora de conhecimento na nossa sociedade, a mídia hoje é quem senta nesse trono. Muito mais que livros e aulas, o imaginário popular dita valores e molda nossos gostos, e são os meios de comunicação que constroem esse imaginário. A liminar do senhor Waldemar de Carvalho, heterossexual, é mais uma peça para colar o rótulo de "doente" na testa de gays, lésbicas e bissexuais, rótulo esse que tanto lutamos para ser extinguido, afinal, de doentes nós temos nada.


"Não há cura para algo que não é uma doença. Não seria uma ideia revolucionária apoiar, celebrar e AMAR pessoas pelo o que elas são ao invés de envergonhá-las e tentar mudá-las? Essa legislação é uma vergonha, e eu mando todo o meu apoio para lutar contra essa decisão medieval e repulsiva", disse Kesha.

Felizmente, há progressos. Diversos artistas, tanto nacionais como internacionais, se pronunciaram sobre a absurda medida. Nomes como Anitta, Pabllo Vittar, Demi Lovato, Tove Lo e Kesha foram às redes sociais manifestarem contra a decisão da justiça. E aqui mesmo, em solo tupiniquim, estamos vivenciando a acensão massiva de artistas LGBT no meio musical: encabeçados por Pabllo, temos drags, gays e trans conseguindo bastante espaço e solidificando seus nomes, como Rico Dalasam, Gloria Groove, Liniker, Aretuza Lovi, Jaloo, Banda Uó e Linn da Quebrada.



Mas se nós "LGB" estamos numa saia justa, acredite, o "T" está ainda pior. Travestis e transexuais ainda enfrentam diversas burocracias para o acesso de direitos básicos: para a mudança do nome social e gênero é preciso um longo processo judicial, que, no fim das contas, nada mais é que uma pessoa cis reconhecendo (ou não) a transexualidade de alguém. A pessoa trans ainda precisa que alguém comprove o que ela própria é.

E o processo em si é massacrante. No Brasil, é necessário apresentar pelo menos dois laudos médicos atentando a transexualidade e que o indivíduo vive "como homem" ou "como mulher" há anos. Se os "LGB" estão retrocedendo para o rótulo de doença, a transexualidade é, até hoje, vista como uma, mais especificamente um "transtorno de identidade". Além dessa papelada, ainda pede-se cartas e fotos de amigos que comprovem o reconhecimento do indivíduo como trans. Ou seja, a voz menos ouvida é a da pessoa trans, que não tem autonomia sobre o próprio corpo.

Muita coisa ainda precisa mudar, mas, ainda mais imperativo, é não permitirmos que o que já conquistamos seja perdido. Nas redes sociais, o barulho dos contrários à regulamentação é alto, porém não podemos deixar que esse eco fique só no mundo digital, e se algo nos é ensinado com "The Handmaid's Tale" é como nossa liberdade é o bem mais precioso que existe. E a liberdade, inclusive, de amarmos quem quisermos.

Que não nos deixemos mais cair no conformismo, nem na esperança de que pior não pode ficar, que não deixemos que eles nos coloquem mais nenhum passo para trás e, o principal, que nos unamos para lutarmos com tudo o que estiver ao nosso alcance.

O nosso amor não é doença. 

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Com novo CD a caminho, Cher fala sobre Marco Feliciano: "Ele se considera um cristão?"


Quem vive neste país, já deve ter ouvido falar sobre o projeto que foi chamado popularmente de "Cura Gay", certo? Mas se você é a Branca de Neve ou a Bela Adormecida, vamos relembrar o que é. A proposta é uma medida que permite o tratamento de homossexuais por psicólogos como se fossem doentes. 

Achou ridículo? Os profissionais da psicologia também. Uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP), de 1999, proibiu os psicólogos de participarem de qualquer terapia para alterar a orientação sexual de um indivíduo, uma vez que, até segundo a Organização Mundial da Saúde, a homossexualidade é uma variação natural da sexualidade humana, e não uma patologia. 

E no meio de tanta bagunça no cenário político brasileiro, o Estado Laico vem sofrendo várias agressões. Maco Feliciano, presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados do Brasil, resolveu votar internamente o tal projeto da "Cura Gay". E sim, foi aprovado. Contradição gritando mais que Christina Aguilera durante o hino nacional americano.

Então, entre os tantos indignados com a situação estão o Gerard Way, como já te contamos aqui no It Pop, e agora mais uma estrela internacional falou sobre o assunto. Defensora dos gays, Cher também está inconformada! No Twitter, um perfil brasileiro mandou a seguinte mensagem para a cantora através de alguns tweets:
Oi Cher :) Você poderia enviar uma mensagem para a comunidade LGBT brasileira? Nós estamos protestando contra a lei da "Cura Gay". Amamos você, diva! Todos nós sabemos que você ama os seus queridos gays, então, por favor, ajude os gays do Brasil. Eles estão tentando "curar" os gays aqui, Cher.
 Cher, então, respondeu com a seguinte declaração:
"EU SEI! MARCO Feliciano é HORRÍVEL, quer transformar Gay em uma "doença"! Ele se considera cristão? Que grande besteira." (Ou se quiserem, que merda.)

Cher ainda disse que os gays são os mais legais! Sem preconceitos! Tá bom assim? Este é mais um motivo para apoiarmos a cantora, que acaba de lançar seu novo single, "Woman's World", do álbum "Closer To The Truth", que tem lançamento marcado para 24 de setembro.

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