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Crítica: “A Vida Invisível”, nosso representante ao Oscar, e o patriarcado tropical do dia a dia

Foi uma agradabilíssima surpresa quando "A Vida Invisível" venceu o prêmio de "Melhor Filme" na mostra "Um Certo Olhar" do Festival de Cannes 2019, acompanhando a vitória de "Bacurau" (2019) na competição principal, que levou o Prêmio do Júri. A vitória de dois filmes brasileiros numa mesma edição é reflexo da fase atual que nosso cinema vive – não por acaso, os dois foram os principais na disputa para a seleção do Oscar 2020 de “Melhor Filme Internacional” (o antigo “Filme Estrangeiro”).

"A Vida Invisível" é o primeiro longa brasileiro a vencer a "Um Certo Olhar", que só nos últimos tempos viu como ganhadores diversas obras-primas, como "Dente Canino" (2009), "Depois de Lúcia" (2012), "A Ovelha Negra" (2015), "Um Homem Íntegro" (2017) e "Fronteira" (2018). Mais uma honraria em seu currículo foi a escolha do filme para nos representar no Oscar, em uma acirrada disputa: “A Vida Invisível” foi o escolhido por um voto de diferença de “Bacurau”.

É necessário compreender que, se tratando do Oscar, as escolhas são feitas como uma campanha política. Vence quem melhor vender seu trabalho, não o melhor trabalho em si. Por isso, “A Vida Invisível” foi uma escolha muito acertada, mesmo não sendo o melhor filme nacional do ano. Os motivos são vários, porém destaco três pontos importantes.

O primeiro é que “Bacurau” possui um plot que coloca norte-americanos em posições bastante controversas para a Academia – imagine os votantes vendo gringos da forma que foram expostos no filme (não darei spoilers acerca). O segundo é que a história de “A Vida Invisível” é de mais fácil digestão por focar no melodrama, à la Pedro Almodóvar – e melodrama faz a Academia tremer na base. O terceiro é que a obra tem Fernanda Montenegro no elenco, a única atriz brasileira a ser indicada ao Oscar em toda a história, ou seja, é figura familiar. Depois da desastrosa escolha de “O Grande Circo Místico” (2018) na última edição, é para respirar aliviado ter um selecionado à altura da qualidade do cinema tupiniquim.

“A Vida Invisível” entra na intimidade de duas irmãs, Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler), no Rio de Janeiro da década de 50 - curiosidade: assisti ao filme em companhia do diretor Karim Aïnouz e ele disse que o título foi alterado de "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", o nome do livro de Martha Batalha que inspirou o filme, para o atual por focar na vida de inúmeras mulheres invisibilizadas, não apenas na de Eurídice (e que seu título internacional favorito é o da Alemanha, "A Saudade das Irmãs Eurídice e Guida"). Filhas de imigrantes portugueses, as garotas são pesadamente reprimidas pelos pais, e desde o início demonstram as dinâmicas diante da repressão: enquanto Guida faz de tudo para burlar as rígidas regras do pai, Manuel (interpretado por Antônio Fonseca), Eurídice se molda de acordo com as leis paternas.


Guida se esgueira para cair na noite com seu namorado grego, e foge com ele sem aviso, para o desespero de Eurídice e a vergonha do pai. O evento é decisivo na vida de todos da família. Sem o apoio da rebelde irmã, Eurídice dança ainda mais conforme a música, aceitando o casamento arranjado com Antenor (Gregorio Duvivier), sem nunca ter visto o homem despido. Ela recebe, de uma amiga, dicas do que seria a noite de núpcias, mas nada a prepararia para um sexo tão brutal de um homem que via a esposa apenas como máquina de prazer particular - a sequência é proposital e corretamente horrível. Ela nem resiste, tão condicionada a obedecer o que viria de qualquer homem.

Enquanto isso, Guida volta da Grécia grávida e sem marido – a relação com o namorado acabara tão rápido como começara. Uma mulher fugida que retorna prenha e descasada era o que havia de mais humilhante para a imagem de uma família, e Manuel expulsa a filha de casa aos berros. Guida só queria saber de uma coisa, onde estava a irmã. O pai mente: Eurídice, exímia pianista, teria ido estudar em Viena. Ir até a Áustria se tornara, então, o objetivo de Guida.

A dinâmica do filme se torna essa: o pai mentindo para as duas irmãs. Eurídice imagina uma vida ensolarada nas praias da Grécia para Guida e Guida escreve sobre como Eurídice deve estar ocupada sendo uma famosa pianista e dando autógrafos aos europeus. A realidade é que ambas estão na mesma cidade. É deprimente ver como as irmãs projetam uma realidade para a outra que, a cada dia, mais impossível fica graças ao patriarcado. A película, maliciosamente, introduz uma cena em que as duas por pouquíssimo não se esbarram, gerando genuína tensão na plateia, ansiosa para o enfim reencontro das duas, que vão embora sem imaginar que a irmã estivera ali momentos antes. É astuto, então, lembrar da primeiríssima cena, onde as irmãs se perdem em uma floresta e, mesmo gritando o nome uma da outra, jamais conseguem se reunir, uma metáfora visual da trama.

Guida inicialmente decide abandonar o bebê recém-nascido, mas muda de ideia e resgata a criança quando conhece Filomena (Bárbara Santos, que também estava conosco na sessão), uma poderosa mulher negra que a acolhe como filha. Há uma forte ligação entre as duas através da sororidade, e Filomena é uma revolucionária em meados do séc. XX quando Guida noite após noite procura o homem da sua vida e ela responde com um esperto "A gente não precisa de homem para nos divertimos!".


Já Eurídice evita veementemente engravidar, pois isso atrapalharia o caminho rumo ao estrelato no piano. Antenor, em contrapartida, não dá a mínima, e a mulher acaba engravidando. O roteiro finca suas garras em um lado feminino até hoje repudiado: quando a mulher deliberadamente não quer ser mãe em prol de sua carreira. Para Eurídice, isso era inapropriado, com a família sendo o que há de mais importante na vida feminina. Rejeitar a maternidade era um crime. Ou ainda é? A personagem sofre um enorme baque ao ver seu sonho escorrer pelos seus dedos com uma criança indesejada por vir e a censura de todos os machos ao seu redor em relação ao seu sonho.

"Você não se importa com seu marido? Com sua família?", questiona Antenor. "Ele está completamente certo", acrescenta Manuel. E assim segue a vida de Eurídice, esbofeteada constantemente pela mão fantasmagórica do machismo. Talvez o viés mais afiado dentro do filme é o lado sexual de sua protagonista: para ela, o sexo é uma ferramenta de adestramento do marido, nunca um ato de prazer. Em uma emblemática cena, Antenor deseja transar em cima do piano da esposa enquanto ela toca, e ela insistentemente sugere o sofá. Ela não faz isso porque anseia a interação, e sim para que o marido não destrua o piano. Ela quer salvar o que lhe é mais caro e usa o sexo para isso.

A obra executa um belíssimo (e preocupante) estudo acerca do matrimônio. As mulheres são, há séculos, ensinadas desde sempre a perseguirem o casamento, a tábula de salvação de suas vidas. Os homens, é claro, não são educados com os mesmos fins. De uma forma bem aberta, o casamento nas lentes do filme é um contrato capitalista, pois estamos falando de relação de posse. O amor romântico existe para aprisionar as pessoas em regras egoístas que as tornam objetos, principalmente em relação a mulher - contudo, o patriarcado não é benéfico nem mesmo para o homem. Como se não bastasse, todas essas obrigações sociais são pintadas como um mar de rosas. Eurídice, no presente, ouve um "Foram 67 anos de casamento, que bonito!" do filho, e ela (e nós) sabemos que houve nada belo vindo dali; a protagonista penou naquele relacionamento infeliz, incapaz de quebrar suas correntes. Quem nunca viu o casamento dos avós com décadas adentro virando o exemplo de relação perfeita, sem saber das agressões que aconteceram por trás dos sorrisos fotográficos?

Majoritariamente passado na década de 50 - apenas as duas últimas cenas ocorrem no presente -, por mais desconfortável que seja a realidade daquelas mulheres, é um alívio ver como a vida feminina conseguiu mais direitos e liberdades 60 anos depois. O roteiro passeia por várias situações que exemplificam como o corpo feminino é subserviente ao homem - Guida não pode tirar o passaporte sem a permissão do marido que não existe -, e dá para ficar esperançoso em relação aos ritmos das conquistas feministas, porém, por outro lado, o homem continua igual mais de meio século depois. Aquele Antenor é o retrato fiel de tantos e tantos homens que fazem o Brasil ser o quinto país no ranking de feminicídios. "A Vida Invisível" não leva os atos às últimas consequências, mas é um filme sutilmente violento.

Aïnouz, após a sessão e os aplausos, falou que a película não se tratava de um filme feminista, mas sim uma obra contra o machismo, e essa é uma boa definição. Aquele microuniverso de classe média, de renegação social, de pobreza e marginalização, emula tantas e tantas histórias de resistência que qualquer um pode se sentir envolvido. Forte quando foca nas intimidações do patriarcado e emocionante quando entra no amor incondicional de duas irmãs que se separam graças à maquiavélica união de homens, "A Vida Invisível" é, além de sensacional exemplo do nosso majestoso cinema nacional no Oscar, um garboso melodrama que se torna um documento da nossa sociedade que deve, e muito, à vida feminina. Ter como uma das últimas cenas o rosto de Fernanda Montenegro afogada em saudade é lindo demais.

Crítica: "Custódia" ratifica que, em briga de marido e mulher, a gente mete a colher sim

Atenção: a crítica contém spoilers.

Nem é preciso uma vasta pesquisa na internet para sabermos o quão perigoso é o ato de ser mulher, e o cinema é arte preponderante para exibir esses perigos. Achei de uma sincronia pertinente a estreia de "Custódia" (Jusqu'à La Garde/Custody) nas salas brasileiras nessa segunda metade de 2018: no mesmo período, repercutiu na mídia o caso da advogada Tatiane Spitzner, que foi encontrada morta em julho após cair do 4º andar de seu apartamento. O acusado pelo assassinato foi o marido de Tatiane, Luís Felipe Manvailer. E esse é só um dos vários casos de agressões contra mulheres apenas no nosso país.

Mas o que isso tem a ver com "Custódia"? Calma, vamos chegar lá. O filme de Xavier Legrand conta a história de Miriam (Léa Drucker), esposa divorciada de Antoine (Denis Ménochet). O longa é aberto dentro de um tribunal, com o casal brigando pela guarda dos filhos: ele deseja ter os finais de semana com o filho mais novo, Julien (Thomas Gioria); ela não quer que o ex-marido se aproxime da prole, sentimento compartilhando pelos filhos.

É notória a divisão em três partes da fita: a primeira, dentro do tribunal, é o chavão para mim já saturado do cinema de tribunal, felizmente justificável dentro da premissa. Não sabemos até onde cada uma das partes estão falando a verdade - o pai, ao se mostrar uma vítima da manipuladora ex-mulher, que afastou seus filhos; ou a mãe, vítima de um insano homem que põe sua vida em perigo. Cabe à juíza a decisão da guarda compartilhada ou não.


O segundo, e maior, momento da película se passa nos corredores das vidas dos protagonistas. A juíza concedeu os finais de semana de Julien ao pai, para o desagrado de toda a família da mãe. Mas Antoine recebe o filho com o maior amor do mundo, mesmo com o garoto claramente não querendo estar ali. Há algo de errado na situação, algo escondido por trás de toda a fachada: resta ao espectador saber quem ali está fingindo.

A narrativa não demora a pontuar que, apesar de não entrarmos de uma vez na complexidade da situação, Miriam tinha fundo de verdade nas colocações que fez à juíza. O pai literalmente usa o menino para saber a quantas anda a nova vida da mãe. Após a separação, Miriam exclui o ex-marido de todo o seu círculo social, mudando-se de apartamento e levando os filhos. Antoine, com seu complexo de posse, anseia desesperadamente saber a quantas anda a vida da ex, e manipula emocionalmente Julien para conseguir informações.

O garotinho, nada ingênuo, mente e distorce informações em defesa da mãe. Todavia, há limites psicológicos que um menino tão novo pode aguentar, e o pai, atingindo a barreira da agressão física, consegue arrancar em qual condomínio a família agora mora, deixando Julien em lágrimas.


O quadro está finalmente completo: a mãe tinha razão o tempo inteiro. O roteiro passeia de formas inteligentes pelos coadjuvantes desse teatro bizarro: os pais de Miriam odeiam o ex-genro, e não o permitem se aproximar de sua casa - local onde o homem pega Julien nos fins de semana; os pais de Antoine não ficam muito distantes: acolhem o filho até o momento em que o tratamento voltado para o neto ultrapassa o aceitável, expulsando Antoine.

Quando inseridos um contexto próprio, tendemos a achar que certos comportamentos são particulares. "Custódia" se passa na França, bem distante do Brasil em diversos termos, entretanto, como se fosse uma história contada aqui do nosso lado, a maior obsessão de Antoine é em saber se a ex-mulher tinha um novo namorado. A ideia o consome, fere sua masculinidade, corrói o seu bom senso. O patriarcado e todas suas leis que dão a posse do corpo feminino ao homem impera em qualquer sociedade em que está presente, levando a destinos familiares.

Ao ser expulso da casa dos pais, saber que Miriam tem um novo namorado e qual é seu novo apartamento, Antoine vai até lá, no meio da noite, com uma arma. A fotografia e direção compõe uma sequência brilhante, feita a passos curtos e sem afobações quando, durante um bom tempo, vemos a mãe e o filho deitados na penumbra, ouvindo desde a campainha até passos se aproximando. A tensão cresce conforme a certeza de que aquele que bate é Antoine, e a visita com certeza não seria para todos tomarem um café.


Todo o drama familiar se transforma num fidedigno filme de terror. Antoine atira na porta - atingindo o filho de raspão - para entrar no apartamento. Trancados no banheiro, Miriam e Julien desesperadamente aguardam seu fatídico destino. A salvação vem pelas mãos da vizinha, que ouve o homem arrombando a porta e liga para a polícia, ágil o suficiente para prendê-lo antes que os corpos da mãe e filho estivessem estirados no chão.

Raras são as vezes que eu conto o final de um filme em uma crítica, contudo, era imperativo discorrer acerca. Além das qualidades técnicas e narrativas, o clímax coloca na mesa debates urgentes: o feminicídio. É só ligar a televisão para vermos casos de mulheres mortas pelos parceiros, muitas vezes em situações de ciúmes, em que ela não o deseja mais. O velho "se não podem ficar comigo, fica com mais ninguém". "Custódia" mostra um casal francês, mas poderia muito bem ser um longa brasileiro, país que é o quinto no trágico ranking de feminicídios no mundo.

Mas há diferenças importantes fomentadas por "Custódia" ser francês: se fosse brasileiro, a chance da repetição do final feliz seriam ínfimas. A polícia no filme se mostra eficaz, ágil e preparada para lidar com uma situação extrema, coisa que não podemos dizer que possuímos. Imagine: uma mulher do interior, da favela, pedindo ajuda no mesmo cenário. Sair com vida seria muita sorte. E acrescentando, foi a vizinha que fez total diferença para o desfecho. Vivemos numa cultura que diz "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher", ditado que reflete diretamente nas conclusões de tantas e tantas brigas.


E é preciso separar um parágrafo para rasgar elogios às atuações dos três protagonistas. Léa Drucker segue sua carreira como atriz de maneira incrível, e, mesmo só aparecendo com completude no final, dá uma aula de atuação. O pequeno Thomas Gioria deve em nada aos parceiros com o triplo de sua idade: seu Julien é crível, palpável e verdadeiro, mais uma prova do mito de atuações infantis, sempre postas como algo de segunda linha. E Denis Ménochet pode estar orgulhoso de ter orquestrado um dos personagens mais odiosos da história do Cinema; apenas seu olhar fixo já gerava arrepios, e todo o pavor que ele exercia sobre Julien é facilmente exalado pela tela.

No entanto, nem tudo são flores. Você pode ter reparado que em momento nenhum eu citei a filha do casal, Joséphine (Mathilde Auneveux). Há várias cenas que tecem uma trama para a personagem, porém ela é, sem exageros, 100% inútil para todo o andar do filme. Há longas cenas de construção de personalidade e situações que servem para coisa nenhuma - como a enorme sequência em que ela faz um teste de gravidez, esquecido com o corte da montagem. É verdade que tudo que está na tela não precise ser peça preponderante para o elo final da obra, mas a gratuidade gritante da existência da filha destoa. Poderia ser muito bem apenas Julien - ele carrega o filme sem muito esforço.

"Custódia" engole com ousadia o suspense pela boca do drama familiar, mas possuiria um saldo final ainda mais positivo num cenário em que o foco estivesse inteiramente em seu eixo central, sem subtramas alegóricas e vazias. Porém não se engane: a obra é um filme necessário e socialmente afiado para o nosso tempo, arremessando violências sofridas por mulheres pelas mãos do patriarcado, do machismo e da misoginia. Mesmo se passando num país mais desenvolvido, impossível não ver a história pelas nossas janelas, nessa produção que serve de comprovação: em briga de marido e mulher, a gente mete a colher sim. Talvez vários finais trágicos pudessem ser evitados se colocássemos uma colher ou duas.

Crítica: "Eu Não Sou um Homem Fácil" garante reflexão sobre igualdade de gênero, mesmo se limitando

Damien (Vincent Elbaz) é um homem que carrega todos os arquétipos do patriarcado: machista, assediador, joga cantadas em qualquer ser humano do gênero feminino que encontra pela frente e é louvado pelos outros machos da espécie pelo alto índice de "pegações" que possui. Damien é o rei de sua selva. Porém, após um acidente, ele acorda num mundo virado às avessas: são as mulheres que mandam e desmandam. Ele vai então provar do universo matriarcal enquanto, claro, aprende uma coisa ou duas.

"Eu Não Sou um Homem Fácil", de Éléonore Pourriat, é uma das novidades da Netflix - e um dos poucos filmes em francês do catálogo original. A obra, derivada de um curta da diretora, não é de difícil conexão, gerando déjà vu rapidamente ao esbarrarmos na premissa. O Cinema já explorou diversas vezes o macete de trocar os personagens de lugar ou situação para que uma epifania moral ou social aterrisse em suas cabeças: desde "Sorte no Amor" (2006) até o nacional "Se Eu Fosse Você" (2006), esse sub-sub-gênero quase sempre, também, abraça a comédia como gênero base.


Das comédias pastelão das matinês da tevê até os legítimos nomes da Sessão da Tarde, esses filmes visam, além de entreter, inserir as mesmas epifanias dos personagens na cabeça do público, o que geralmente é bem vindo. "Homem Fácil" não foge à essa regra. É escancarado o seu objetivo: criticar o patriarcado, o machismo e a misoginia. Resumindo, a desigualdade de gênero.

O que observei em muitos comentários sobre a obra foi a maneira que ela é absorvida a partir do parâmetro de língua. Por ser em francês, o filme automaticamente ganha um status mais "cult" - ou menos "pipoca", como queira. Se fosse exatamente o mesmo roteiro, porém em inglês e com um George Clooney e uma Sandra Bullock como protagonistas, o todo seria degustado de maneira diferente - e eu não estou isento a esse fenômeno. É curioso notarmos esse efeito, como se o nível de acesso da língua ditasse também a percepção do todo - um filme em croata?, uau, que culto. Mas lá na Croácia, os diferentões somos nós falando português. Pequena pontuação cultural que vale a pena ser levantada, voltemos ao filme.


A própria maneira que leva Damien para o "mundo invertido" é um traço de comédia absoluto: ele, ao se distrair com uma mulher na rua, bate com a cabeça num poste, desmaiando. A placa no dito poste, que antes exibia o nome masculino da rua, vira feminino quando o protagonista reacorda. E lá os homens dão dois beijinhos ao encontrar outras pessoas, usam roupas curtíssimas e são "paquerados" pelas mulheres, estas dirigindo carrões luxuosos e sendo as chefes das empresas. Abro um parênteses válido aqui: o filme se limita a mostrar homens heterossexuais nos poucos personagens desenvolvidos para retirar a ideia de "trejeitos" com homossexualidade. Mesmo "afeminados", eles são héteros, uma discussão mais abrangente sobre expressão de gênero, uma construção.

Sutileza não é o forte de "Homem Fácil", já deu para perceber. As situações são as mais gritantes possíveis para a obra não ter dúvidas de que a plateia entenderá o que ela quer dizer, com exceção de pequenos momentos, quando por exemplo, num jogo de poker, a carta mais importante não é o rei, e sim a rainha (!). Esses detalhes diminutos são muito mais eficientes e inteligentes que os mais escancarados, além de dar beleza ao roteiro.


Ao mesmo tempo em que as situações são gritantes, há algumas perdas de oportunidades. Os estudos sobre o gênero humano são vastos e complexos, e um dos principais artefatos de padronização de gênero é o vestuário. A produção poderia ter colocado os extremos: homens de vestidos, salto, maquiagem e afins. Enquanto as mulheres nesse mundo invertido usam ternos, os homens usam roupas masculinas, porém curtas, e possuem trejeitos femininos. A mensagem da construção de gênero não é tão efetiva pelas escolhas curtas do longa, talvez por medo de levar a mensagem longe demais e afastar o público.

Curiosamente, um viés inesperado é que Damien, ao mesmo tempo em que odeia ser subjugado socialmente, ama a libertação sexual feminina. São elas que se gabam da farta quantidade de machos que "pegam", e ele está mais que disposto a entrar para a conta. O homem sempre encontra uma forma de se beneficiar, não importa em qual universo. Porém, seus pelos, comuns aqui, são abomináveis do lado de lá, e uma mulher se nega a transar com ele por causa dos fios, uma crítica certeira para a idealização do corpo feminino: liso.

Outra inversão dos valores bastante simples e criativa é a maneira como os mamilos são vistos de acordo com o gênero. Os mamilos femininos são expostos com louvor, enquanto os masculinos são, até mesmo após o banho, enrolados com a toalha - da maneira como as mulheres do nosso mundo fazem. E as propagandas são com homens desnudos em poses sexualizadas, para satisfazer o apetite feminino.


É então que os homens se reúnem para criar grupos "masculinistas", reivindicando o direito de igualdade entre os gêneros e protestando com mamilos de plástico, o símbolo mor do poder feminino - ao mesmo tempo em que são hostilizados pelas mulheres, que gritam "Vocês não têm uma cozinha para limpar?". No meio de tudo isso, nosso protagonista se apaixona por Alexandra (Marie-Sophie Ferdane), famosa escritora que decide usar o cara como inspiração para seu próximo romance. Porém ela é a mais picareta possível, usando Damien afetiva e sexualmente apenas para escrever sobre esse estranho homem masculinista que, ao mesmo tempo, ama a dominação feminina. Como a boa Sessão da Tarde que a obra é, isso gerará as maiores encrencas.

A produção encontra o Olimpo, mesmo rasamente, quando expõe que o gênero é uma construção imposta. Achamos que todas as características ditas "masculinas" e "femininas" são detalhes inerentes do nascimento humano - de acordo com sua genitália -, entretanto, nossa existência é muito mais complexa que essas caixinhas para rotularmos uns aos outros. Toda essa discussão não consegue encontrar alta voz durante a película, sendo um produto de raciocínio extraído de fontes anteriores. O roteiro de Pourriat e Ariane Fert, no intuito de comercializar o filme, acaba cedendo à superficialidade em nome de um maior alcance de ingressos - ou, já que estamos falando de Netflix, maior número de streamings.

"Eu Não Sou um Homem Fácil" não é lá uma sessão tão memorável, terminando mais como uma reflexiva, porém limitada obra. Seus convencionalismos, didatismos gritantes e críticas fáceis são superadas pela enorme boa vontade de fazer o espectador pensar em como seria o oposto desse nosso espelho. Fazer com que os homens experimentem o que as mulheres passam diariamente - opressão, subjugação, objetificação, silenciamento, sexualização e etc - é cinematograficamente importante. Caso não abraçasse tanto a comédia e fosse um trabalho que se levasse mais a sério, sem dúvidas teria chances de figurar entre os melhores do ano ao mostrar que não importa qual gênero esteja no topo da pirâmide, de qualquer forma a desigualdade prejudicará o corpo social. Apenas uma realidade igualitária será benéfica e, assim, ajudará a essa espécie tão louca a viver de forma melhor.

O problemático cenário das mulheres no mercado cinematográfico

Vamos direto ao ponto: como são as mulheres nos filmes que você assiste? Seja sincero(a) em sua resposta. São mães? Esposas? Namoradas? Estudantes? Heroínas? “Loucas”? Espiãs? Guerreiras? Princesas? “Gostosas”? Independentemente de sua escolha, veja a quantidade de mulheres inseridas nessas “categorias” e a quantidade de homens. A resposta, de qualquer forma, será problemática.

O mundo do showbiz, principalmente para as mulheres (as que têm sorte), não é somente dinheiro, fama, holofotes, entrevistas em talk shows, premiações, capas de revista, vestidos desenhados por estilistas caríssimos e sapatos de 4 dígitos (ou mais!) de dólar. Como reflexo de todo o mundo, as mulheres inseridas no mercado cinematográfico também sofrem com o sexismo, dentro e fora das telas. 

A New York Film Academy, conceituada escola de cinema estadunidense (mas que tem unidades em vários locais do mundo), levantou dados de 2007 ao ano de 2012 e avaliou os “top 500 filmes” sobre a desigualdade de gênero em todas as áreas do cinema, desde o que vemos no produto final ao que diz respeito à produção de um película.

Os dados, como já era de se esperar, são preocupantes – assim como todos os outros que avaliam a desigualdade de gênero. Sobre a objetificação sexual da mulher no cinema, os números apontam, por exemplo, que 28,8% das mulheres vestiram algo revelador, enquanto apenas 7% dos atores homens fizeram o mesmo e, neste período, houve um crescimento de 32,5% de personagens adolescentes que apresentavam alguma nudez. E o problema não para: apenas 30,8% das personagens mulheres possuem alguma fala e em apenas 10,7% dos filmes houve uma divisão na qual metade dos personagens eram mulheres.

A polêmica sobre os salários desiguais também parece estar longe de acabar, mas, por sorte, as atrizes que passaram por esta situação estão começando a soltar a voz sobre o problema. Até Jennifer Lawrence, a queridinha de Hollywood, afirmou ter recebido menos que seus colegas em “A Trapaça”. Segundo ela, 7% dos lucros de bilheteria foram dados a ela e Amy Adams, enquanto Christian Bale, Bradley Cooper e Jeremy Renner receberam 9%. Natalie Portaman também se pronunciou a respeito, quando disse que recebeu três vezes menos que seu colega Ashton Kutcher em “Sexo Sem Compromisso”. Vale lembrar que, assim como J-Law, Natalie também possui um Oscar em sua estante. Voltando às estatísticas da NYFM, mais um problema: Angelina Jolie, a atriz mais bem paga na época ($33 milhões), só ficava na frente de Liam Neeson, o NONO homem mais bem pago de Hollywood ($32 milhões). 

Patricia Arquette, quando foi receber o prêmio da Academia de "Melhor Atriz Coadjuvante" por “Boyhood”, em 2015, aproveitou seu curto tempo de agradecimento para manifestar sua insatisfação com a diferença salarial entre homens e mulheres em todos os âmbitos. "[Dedico] a toda mulher que já deu à luz, todo cidadão que paga impostos, nós lutamos pelos direitos de todo mundo. É nossa vez de ter salários igualitários para todos e direitos iguais para as mulheres nos Estados Unidos”. 

As mulheres que ficam por trás das câmeras também estão em desvantagem (que novidade, não é mesmo?). Afinal de contas, "tecnologia e criatividade não são para elas". Vamos lá! Primeiro: existe uma mulher para cinco homens que trabalham nos bastidores. Tenso, não? Mas agora vamos para as comparações mais esdrúxulas. Do total de diretores ativos no mercado, 9% são mulheres. Roteiristas? 15%. Produtoras executivas? 17%. Produtoras? 7%. Editoras? 20%. Cineastas? DO-IS POR CENTO. Querem mais? Em 89 anos de existência do Oscar, apenas quatro mulheres foram indicadas ao prêmio de "Melhor Diretor" e apenas uma ganhou — Kathryn Bigelow ganhou o prêmio por "Guerra ao Terror". 

Mas como nem tudo são flores despedaçadas, algumas mudanças que vêm acontecendo no cinema são animadoras, principalmente quando falamos do protagonismo feminino nas telas. Nas séries, temos personagens mulheres extremamente fortes, como Jessica Jones, Supergirl e, convenhamos, o elenco feminino inteiro de "Game of Thrones", por exemplo. Nas telonas, as personagens femininas também estão ganhando cada vez mais uma cara nova: Katniss ("Jogos Vorazes"), Hermione ("Harry Potter") e Evelyn Salt ("Salt"). A Disney há algum tempo vem mudando o perfil das princesas: Tiana ("A Princesa e o Sapo"), Elsa ("Frozen"), e a mais recente Moana ("Moana") são bons exemplos a serem seguidos pela geração mais nova. No mundo das heroínas que vieram direto dos quadrinhos, temos a Mulher-Maravilha, sendo seu filme o primeiro live-action dirigido por uma mulher com orçamento de US$100 milhões. Não podemos, entretanto, não fazer as honras às poderosas da velha-guarda, como Leia Organa ("Star Wars") e Sarah Connor ("O Exterminador do Futuro").

Sim, o mundo está mudando, mas, no fim do dia, "it's a men's world". E é por isso que a luta deve ser incessante, em todas as camadas sociais e profissionais. Sigamos na luta, mulheres! Feliz dia para todas nós!

Tá tendo feminismo e batom vermelho sim em “Survivor”, clipe novo e maravilhoso da Clarice Falcão

Beyoncé sintetizou como ninguém a definição de “feminista”, ao adotar o discurso da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie em “Flawless”, presente em seu último álbum, e parece também servir como um símbolo de empoderamento para a brasileira Clarice Falcão e seu clipe de retorno.



A cantora, que despontou como uma das maiores revelações dessa “nova MPB” desde o lançamento do seu disco de estreia, “Monomania” (2013), demorou até que desse um novo sinal de sua carreira musical e, quando o fez, entrou de cabeça nos debates sobre feminismo que seguem sendo amplamente repercutidos no Brasil.

Resenha: Clarice Falcão, um violão e amável obsessão em “Monomania”

Isso porque a volta da moça acontece ao som de uma versão para “Survivor”, das Destiny’s Child, aqui empregada como uma forma de dizer que ela e todas as outras mulheres são sobreviventes, uma vez que diariamente precisam lidar e lutar contra uma sociedade sempre tão disposta a oprimi-las.

Ainda que por meio de elementos simples, o clipe de Clarice para “Survivor” é um belo exemplo daqueles casos onde menos é mais e, com um plano de tela fechado, todo o vídeo se passa com mulheres, aparentemente nuas, usando batom vermelho como elas bem entenderem.

Toda a proposta nos lembra bastante de outros vídeos em que a vulnerabilidade é exposta como uma forma de se mostrar forte, como são os casos de “Nothing Compares 2 U”, da Sinead O’Connor, “Wrecking Ball”, da Miley Cyrus, e “Big Girls Cry”, da Sia, e até o batom vermelho possui um importante significado, visto ter sido motivo para discussões há pouco tempo, após a Youtuber e feminista, Jout Jout, publicar um vídeo em que fala sobre relacionamentos abusivos e exemplifica o problema contando o caso em que o namorado se incomoda ao ver a mulher usando a maquiagem, porque, no seu ponto de vista machista, isso a deixa com “cara de puta”.



Toda essa história voltou a ganhar visibilidade também devido a entrevista da vlogueira ao Jô Soares que, longe de entender a importância dos debates por ela propostos, fez graça da situação em rede nacional.

Assista ao clipe de “Survivor”, da Clarice Falcão, abaixo:



A gente viu muita gente reclamando, mas essa versão ficou uma delícia, hein? Aliás, sempre achamos maravilhoso quando um artista faz um cover e consegue trazer a canção original para um contexto totalmente aplicável à sua própria musicalidade. Ponto pra Clarice. Outra coisa que não podemos deixar passar em branco é o fato de que o vídeo é protagonizado por mulheres de todas as idades e etnias, não se apegando à um padrão específico, além da mensagem final, de que todo o dinheiro arrecadado com as vendas do single será doado para a ONG Think Olga.

Editorial: como Karol Conká tombou com o machismo na música (e no clipe) de 'Tombei'

É evidente que o pop não é o estilo musical predominante no país - é só olharmos para a Brasil Hot 100, parada da Billboard brasileira (sim, ela existe) para notarmos o quão restrito é o pop por lá, com o sertanejo dominando. Mas nós, amantes do estilo, sempre ficamos de olhos nos expoentes do gênero nas terras tupiniquins e sabemos como somos carentes nesse departamento. De vez em quando surge algum fenômeno para termos fé no cenário, mas só de vez em quando.

Feminismo: O curioso caso de Beyoncé Knowles!


A questão não é nada nova. Análises da cultura popular sob um ponto de vista social, num geral, também são tão velhas quanto necessárias, afinal são reflexos do pensamento e normas em vigência na sociedade. Mas Beyoncé vem, aos poucos, elevando o nível dessas discussões e representações femininas e/ou feministas na cultura popular e se fez alvo de mais e mais análises, principalmente, desde "Run the World (Girls)". Seu mais recente, inovador (com destaque para a forma que foi lançado) e homônimo trabalho nos fez parar, mais uma vez, porém com mais profundidade, pra pensar "qual é a ideia de feminismo da Bey? Será que ela tá divulgando os ideais feministas de forma correta ou está distorcendo teorias e discursos?". A resposta é um grande NÃO SEI. Tudo que podemos fazer é levantar os argumentos a favor e os argumentos contra o feminismo apresentado por uma artista popular e chegará a sua própria conclusão com embasamento em diversas  argumentações.

É importante lembrar sempre que, muitas vezes, os problemas sociais ficam de fora do repertório de assuntos de diversos dos maiores ícones do pop, ou são abordados de forma muito superficial, uma vez que vivemos na era do "Essa é minha opinião" (o que não é argumento em nenhum nível de discussão, tá?). A canção de maior destaque no Beyoncé, nesse sentido, é "***Flawless", com sample de um discurso da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, pro TED Talks. Chimamanda é, além de escritora, feminista negra (sim, existem diferenças entre o feminismo negro e o feminismo branco, afinal mulheres negras sofrem opressão em dobro) e seu discurso é um dos mais simples, acessíveis e esclarecedores que já vi. Segue o player abaixo com o discurso da Adichie e abaixo o trecho usado no Beyoncé.


Nós ensinamos garotas a se encolherem, a se diminuírem.
Nós dizemos às garotas: "Você pode ter ambição, mas não muita. Você deve almejar o sucesso, mas não muito sucesso. Caso contrário, você ameaçará o homem"Por eu ser mulher, esperam que eu sonhe com casamento. É esperado que eu tome decisões pra minha vida tendo sempre em mente que o casamento é o mais importante.
Agora, casamento pode ser uma fonte de alegria e amor e apoio mútuo.
Mas por que ensinamos garotas a desejarem o casamento e não ensinamos o mesmo aos garotos?
Nós criamos garotas para verem umas as outras como competição
Não [competição] por trabalho ou sucesso, o que eu acho que poderia ser algo bom
Mas sim [competição] por atenção dos homens
Nós ensinamos que garotas não podem ser seres sexuais do mesmo modo que garotos são
Feminista: uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre sexos.
Os argumentos que vão contra o sample usado pela  Queen B. alegam que ela vende a sexualidade feminina de forma errada. A própria Chimamanda diz em seu discurso completo sobre o bottom power, que é quando as mulheres tentam exercitar o girl power através de sua sexualidade, mas na verdade estão apenas manipulando o poder alheio em troca de sexo ou sensualidade. E, convenhamos, esse erro é, talvez, o mais comum na indústria do pop.

Mas não estaria Beyoncé se mostrando como dona de sua sexualidade? É o mesmo caso da nossa Deusa Valesca Popozuda cantando "A porra da boceta é minha" e sim, toda mulher é dona da própria e dá pra quem quiser, o que demonstra que elas se satisfazem sexualmente, como todos deveriam fazer, sem invadir a intimidade alheia. Mas se elas incentivam a mulher a assumir a própria sexualidade ou usá-la para manipular o poder de outros, configurando um falso poder, é uma questão sem aquela resposta pronta e correta que tantos gostam, já que tudo depende da intenção das mulheres citadas e do entendimento de cada público.


“Pretty Hurts” – dirigido por Melina Matsoukas

A ex-Destiny's Child é casada e usou o nome do marido em sua última turnê, fato que somado a algumas letras em sua carreira podem ser entendidos como submissão ao homem. Mas a função do feminismo não é, nem de longe, ditar regras, ou seja, não se deve definir um comportamento e uma aparência para mulheres, afinal isso já é feito. Bey é casada, mas não foi obrigada a isso, não é submissa ao marido por obrigação, pressão e muito menos falta de opção. As mulheres devem ter direito de escolher serem grandes profissionais, assim como podem escolher serem donas de casa e se definirem como "a esposa de alguém". Tudo isso desde que não julguem e queiram definir que isso é o certo na vida de toda e qualquer mulher.

É importante lembrar que Beyoncé, além de artista, é celebridade. Isso torna tudo muito contraditório a primeira vista, uma vez que acompanhamos o desenvolvimento profissional e pessoal das celebridades. Se tomarmos como exemplo o trabalho do grupo Destiny's Child, poderemos afirmar sem grandes dúvidas que Beyoncé, Rowland e Michelle Wiliams reproduziram o machismo de forma massiva. Mas toda e qualquer pessoa precisa de tempo e muita pesquisa  para enxergar a profundidade das definições de gênero em nossa sociedade e isso significa que Beyoncé é hipócrita? Não, significa que ao longo dos anos ela vem se informando e se empenhando nessa luta, se desenvolvendo. As únicas grandes cobranças que talvez possamos fazer a rainha de vendas de 2013 é em relação a seu embranquecimento (isso não se refere somente a embranquecimento da pele, meus caros leitores. Vale a pesquisada), mas isso fica pra outro texto.

É totalmente errado definirmos um modelo de mulher feminista., de forma que só estaríamos criando um segundo padrão, uma segunda forma de oprimir. E em relação a mulheres de outras culturas, é mais difícil e errado ainda apontar contradições no feminismo de cada um, pois o contexto social americano é um e o brasileiro é outro. O vídeo de Chimamanda Ngozi Adichie ganhou muitas e muitas visualizações, as quais, acredito eu, ainda irão aumentar vendas de seus livros, propagando não apenas o feminismo, mas o feminismo negro de uma nigeriana em constante contato com a cultura mais que branca dos EUA. No fim, entre possíveis erros e acertos, o saldo da coragem de Beyoncé e seu feminismo polido para atingir as massas é totalmente positivo!

“***Flawless” – dirigido por Jake Nava

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