Na última semana, surgiu na rede mundial de computadores que Scarlett Johansson estará interpretando um homem transsexual no cinema. A atriz se une novamente ao diretor de “Ghost In The Shell”, Rupert Sanders, para “Rub & Tub”, a cinebiografia de Dante “Tex” Gill, um cafetão transgênero dos anos 70. Famosa pela franquia “Vingadores”, é a segunda vez que a atriz se apropria de uma minoria na sétima arte.
Os traços ocidentais da personagem originalmente asiática de “Ghost In The Shell” são facilmente justificados pela própria trama adaptada. Com sua morte, a Major é totalmente redesenhada. O próprio filme aposta na proposta quando dispõe inúmeras etnias na produção, onde no futuro, todo mundo viveria junto, mas peca ao manter tradições hollywoodianas, fazendo com que figuras não ocidentais sejam colocadas em papéis secundários.
O whitewashing é constante em Hollywood. Assim como a falta de representatividade do público LGBT nas telonas, outras etnias também sofrem desde Elizabeth Taylor em “Cleópatra” em 1963, por exemplo. Em adaptações de quadrinhos no cinema, temos o árabe Ra's Al Ghul sendo interpretado pelo branco Liam Neeson em “Batman: Begins”, do Christopher Nolan.
Na época da escalação de Scartett para "Ghost In The Shell", a atriz foi fortemente criticada por aceitar o papel; e as críticas se repetem com a nova escalação. Em resposta, Johansoon soltou em entrevista o seguinte: “diga a eles que podem se dirigir diretamente a Jeffrey Tambor, Jared Leto e Felicity Huffman”, numa tentativa quase falha de apontar os problemas nos outros atores por firmarem e serem aclamados por estes papéis “desafiadores”, rendendo grandes prêmios, e assim tornando a prática comum.
Eddie Redmayne em "A Garota Dinamarquesa"
Neste ponto, Scarlett não fez nada de errado. Em um caso mais recente, Eddie Redmayne, o Newt Scamander de “Animais Fantásticos”, ganhou ainda mais os holofotes após interpretar uma mulher trans em “A Garota Dinamarquesa”. Foi duramente criticado, mas aclamado na mesma intensidade pela Academia, ganhando uma indicação, e outras premiações. O mesmo deve acontecer com Johansson caso escolha permanecer com o papel.
O preconceito da indústria nunca será quebrado por pessoas cisgêneros como Scarlett que tem a opção de recusar papéis que representam minorias.
O problema real está enraizado dentro da indústria. Atores trans dificilmente conseguem papéis hollywoodianos. A justificativa de que o papel do ator é ser desafiado interpretando alguém que ele não é só mascara um preconceito da indústria que nunca será quebrado por pessoas cisgêneros como Scarlett que tem a opção de recusar papéis que representam minorias.
Outra questão que deve ser ressaltada é que os atores trans, quando chamados, são escolhidos justamente para representar o público trans, como uma espécie de “categoria”, nunca é oferecido algo além. “Atores que são transexuais sequer ganham audições para nada além de personagens trans. Esse é o real problema. Escale atores que são trans para personagens não trans. Eu te desafio”, desabafou Jamie Clayton (“Sense8”) em seu Twitter em meio à polêmica.
Actors who are trans never even get to audition FOR ANYTHING OTHER THAN ROLES OF TRANS CHARACTERS. THATS THE REAL ISSUE. WE CANT EVEN GET IN THE ROOM. Cast actors WHO ARE TRANS as NON TRANS CHARACTERS. I DARE YOU #RupertSanders @NewRegency #ScarlettJohansson https://t.co/RkrW8MeGcG— Jamie Clayton (@MsJamieClayton) 4 de julho de 2018
Muitos em defesa daquela que já foi até um pendrive nos cinemas alegaram que não há atores e atrizes transexuais competentes porque para eles se houvessem com certeza seriam escalados. Um caso similar de representatividade que aconteceu aqui no Brasil nos últimos meses nos ajuda a entender que atores que representam minorias nunca são escalados até mesmo em papéis que, em teoria, são escritos para eles.
Para “Segundo Sol”, novela global do horário nobre que se passa na Bahia, foram escalados vários brancos para interpretar personagens que, em teoria, deveriam ser negros. Uma das justificativas dadas é de que “não há negros”, mas será que realmente não temos atores negros capazes por aqui?
Daniela Vega em "Uma Mulher Fantástica".
Os atores – e atrizes – estão aí, o que falta são as oportunidades pra que possamos vê-los.
O número de atores trans em Hollywood ainda é bem pequeno, mas há uma caralhada de gente talentosa pra caramba que clama por papéis grandiosos. A própria Jamie Clayton é uma delas, e não podemos esquecer de Laverne Cox, que dá um show em “Orange Is The New Black” e até mesmo tentou uma série protagonizada por ela na TV aberta. Sem contar aquelas atrizes que ainda não chegaram de fato aos holofotes como Mya Taylor de “Tangerine” e Daniela Vega no recente "Uma Mulher Fantástica". Os atores – e atrizes – estão aí, o que falta são as oportunidades pra que possamos vê-los.