Atenção: a crítica contém detalhes da trama.
Durante meu tempo de faculdade, um dos filmes que mais ovacionei dentro da Academia foi "O Abutre" (2014), que fala exatamente do meu curso, Comunicação e Jornalismo. A saga de um freelancer que vê sua humanidade indo para o lixo enquanto busca um furo bombástico fez um dos melhores filmes da década, e sempre que via a oportunidade, metia a discussão sobre o longa em sala de aula. Sou desses, divulgando e enaltecendo sempre que posso.
Durante meu tempo de faculdade, um dos filmes que mais ovacionei dentro da Academia foi "O Abutre" (2014), que fala exatamente do meu curso, Comunicação e Jornalismo. A saga de um freelancer que vê sua humanidade indo para o lixo enquanto busca um furo bombástico fez um dos melhores filmes da década, e sempre que via a oportunidade, metia a discussão sobre o longa em sala de aula. Sou desses, divulgando e enaltecendo sempre que posso.
Então não havia como conter o entusiasmo após o anúncio de "Velvet Buzzsaw", novo filme de Dan Gilroy, diretor/roteirista de "O Abutre". Para melhorar, Jake Gyllenhaal e Rene Russo, protagonistas do longa anterior, voltam na nova empreitada, que soava incrível: uma ambiciosa agente, Josephina (Zawe Ashton), rouba pinturas de um artista recém falecido. Ao mostrar para o crítico Morf (Gyllenhaal) e a dona da galeria em que trabalha, Rhodora (Russo), os três logo percebem que estão diante de uma mina de ouro. Só que há algo de sobrenatural ao redor das pinturas, e quem as possuir vai logo se arrepender.
O trio de "O Abutre", terror e arte? Sim, senhor! Os elementos que garantiam a atenção sobre "Velvet Buzzsaw" eram abundantes, e corri para assistir quando saiu na Netflix, produtora do filme. Não demorou muito para perceber que o entusiasmo não seria recompensado. A película começa com uma grande sequência dentro de uma galeria, enquanto Morf passeia de obra a obra. A sequência é um amplo panorama de demonstração da elite artística: fria, cínica e arrogante.
O filme gira quase inteiramente ao redor de Morf, e não consigo deixar de achar que sua posição é estratégica, da mesma forma feita em "A Dama na Água" (2006). No filme de M. Night Shyamalan também há um personagem de um crítico - interpretado por ele mesmo - que funciona como blindagem do diretor contra o meio (que àquela altura já o considerava em declínio). O roteiro coloca Morf em posição de egocentrismo e discute seu papel diante da arte.
Após criticar negativamente uma exposição, o artista, num surto graças à crítica, sofre um acidente. A comunidade passa a culpar Morf pelo ocorrido, o primeiro passo do personagem rumo à loucura. Apesar de trazer um debate bastante interessante aqui - até onde a crítica da arte pode ser maléfica -, senti como se tal posição fosse uma resposta antecipada do texto contra as possíveis críticas que viria a receber - e nem estou sendo prepotente, afinal, todo e qualquer trabalho artístico está sujeito a críticas negativas, é inevitável.
Mas tudo bem, podemos seguir. Logo no primeiro ato, peguei-me quase "justificando" certas derrapagens da obra, numa ânsia de gostar do filme. Um efeito automático, tive que parar para poder analisar o que estava vendo, e a tela me mostrava afetações visuais aos baldes. Desde uma nuvem amedrontadora feita com pobre CGI pairando a cidade - um óbvio prelúdio de problemas - até as várias inconsistências do roteiro - há tramas que surgem e somem sem respaldo -, a maior gratuidade é o desfile de homens nus. Basicamente todos os personagens masculinos da fita vão tirar a roupa em algum momento do filme, mesmo quando não há real sentido para tal: Gyllenhal, que exibe seus músculos inúmeras vezes, analisa quadros descamisado - quando não aparece realmente nu.
Então entra o arco narrativo do terror. "Velvet Buzzsaw" é puramente sobrenatural, e se há uma vertente do horror saturada, é essa. Dificilmente encontramos longas que se esforcem a sair do feijão-com-arroz, o que faz sucessos como "Hereditário" (2018) ainda melhores. Não é o caso de "Velvet"; todos os aspectos do gênero dentro da obra são batidíssimos. Desde o momento que Josephina entra no apartamento do falecido Ventril Dease - achei curioso como seu sobrenome lembra "disease" e "decease", "doença" e "morte" em inglês -, tudo que é composto não se livra do clichê.
Romper a barreira do clichê é realmente laborioso, e conseguimos até darmos um desconto quanto a película usa o chavão de maneira minimamente competente. Só que "Velvet" vai muito além do clichê e cai no pastelão sem piedade. Logo na primeira morte - de um personagem que serve unicamente para ser morto -, é impossível não lembrar da franquia "Todo Mundo em Pânico" (2000-13) e suas mortes estapafúrdias. O cara - sim, sem camisa - desaparece quando macacos de um quadro o atacam. Essa é a "maldição" de quem põe as mãos em um quadro de Dease: tudo que for arte - pinturas, esculturas, tatuagens - vai tentar matá-lo.
Como é de se esperar, depois de macacos feitos de tinta virarem assassinos, é ladeira abaixo. O mistério ao redor de "quem era Dease?" põe em cheque o quão sem criatividade é o trato dado à construção: é uma repetição de todo filme de terror do mundo em que o passado sombrio do vilão é a chave para entender o que está acontecendo. Só que, no caso de "Velvet", nem entendemos. Dease e seu pai abusivo, passagem por clínica psiquiatra e blá blá blá acrescentam em coisa nenhuma ao todo. Se o roteiro não pincelasse um mínimo contexto, poderia ser até melhor do que essa emulação preguiçosa.
Entre diálogos vergonhosos e personagens sem razão de existir - há uma garota que, literalmente, está no filme unicamente para encontrar os outros personagens mortos -, fica claro que havia um rumo concreto para a produção: a crítica do que chamamos de "arte". Afinal, o que é ela? Há especialmente duas cenas em que o filme sarcasticamente explora o quão volátil é esse conceito - quando um cara chega em um ateliê e fica impressionando com uma obra, para logo ser corrigido: era apenas lixo; e quando uma personagem morre e todos acham que o cadáver fazia parte da exposição. Logo surge à memória "The Square: A Arte da Discórdia" (2017), que tem como motor exatamente esse levantamento.
Só que comparar "Velvet" com "Square" é injusto. Absolutamente todos os porquês e comos dos dois filmes são diferentes, mesmo partilhando da mesma discussão. "The Square" possui alto requinte de produção, e não cede à perfumaria enquanto desce a lenha na mesma elite de "Velvet", aquela que vende uma bola metálica por sete milhões de dólares. A monetização da arte acaba diminuindo-a? O valor da etiqueta não seria um parâmetro errôneo de classificação da arte?
Muito me impressiona ver atores tão consagrados aceitando papéis que os fazem parecer medíocres. Essa é a segunda parceira de Jake Gyllenhaal com a Netflix, ambas desastrosas: a primeira foi com o terrível "Okja" (2017), talvez a pior atuação de sua carreira. Até Toni Collette, que merecia um Oscar pelo brilhantismo em "Hereditário", entrou aqui com uma peruca à la Sia. Netflix segue sendo um selo de maculação na carreira de bons atores.
Não exagero quando dou o rótulo de "péssimo" a "Velvet Buzzsaw" - a crítica à "alta arte", mesmo com toda a pertinência, é diluída em meio a tanta babaquice com nome de "sátira". No meio da duração, tive que dar uma pausa para ver na ficha técnica se a "comédia" era listada como gênero, afinal, não fica claro se a palhaçada é proposital ou não. Sim, é proposital, mas vir como um "Todo Mundo em Pânico" gourmet não salva a sessão desse não-assumido filme B. Longe de mim querer ser Morf Vandewalt, mas "Velvet" termina soando como uma das obras que o roteiro critica: no alto da indústria do cinema sem trazer um mísero minuto de inventividade.
O filme gira quase inteiramente ao redor de Morf, e não consigo deixar de achar que sua posição é estratégica, da mesma forma feita em "A Dama na Água" (2006). No filme de M. Night Shyamalan também há um personagem de um crítico - interpretado por ele mesmo - que funciona como blindagem do diretor contra o meio (que àquela altura já o considerava em declínio). O roteiro coloca Morf em posição de egocentrismo e discute seu papel diante da arte.
Após criticar negativamente uma exposição, o artista, num surto graças à crítica, sofre um acidente. A comunidade passa a culpar Morf pelo ocorrido, o primeiro passo do personagem rumo à loucura. Apesar de trazer um debate bastante interessante aqui - até onde a crítica da arte pode ser maléfica -, senti como se tal posição fosse uma resposta antecipada do texto contra as possíveis críticas que viria a receber - e nem estou sendo prepotente, afinal, todo e qualquer trabalho artístico está sujeito a críticas negativas, é inevitável.
Mas tudo bem, podemos seguir. Logo no primeiro ato, peguei-me quase "justificando" certas derrapagens da obra, numa ânsia de gostar do filme. Um efeito automático, tive que parar para poder analisar o que estava vendo, e a tela me mostrava afetações visuais aos baldes. Desde uma nuvem amedrontadora feita com pobre CGI pairando a cidade - um óbvio prelúdio de problemas - até as várias inconsistências do roteiro - há tramas que surgem e somem sem respaldo -, a maior gratuidade é o desfile de homens nus. Basicamente todos os personagens masculinos da fita vão tirar a roupa em algum momento do filme, mesmo quando não há real sentido para tal: Gyllenhal, que exibe seus músculos inúmeras vezes, analisa quadros descamisado - quando não aparece realmente nu.
Então entra o arco narrativo do terror. "Velvet Buzzsaw" é puramente sobrenatural, e se há uma vertente do horror saturada, é essa. Dificilmente encontramos longas que se esforcem a sair do feijão-com-arroz, o que faz sucessos como "Hereditário" (2018) ainda melhores. Não é o caso de "Velvet"; todos os aspectos do gênero dentro da obra são batidíssimos. Desde o momento que Josephina entra no apartamento do falecido Ventril Dease - achei curioso como seu sobrenome lembra "disease" e "decease", "doença" e "morte" em inglês -, tudo que é composto não se livra do clichê.
Romper a barreira do clichê é realmente laborioso, e conseguimos até darmos um desconto quanto a película usa o chavão de maneira minimamente competente. Só que "Velvet" vai muito além do clichê e cai no pastelão sem piedade. Logo na primeira morte - de um personagem que serve unicamente para ser morto -, é impossível não lembrar da franquia "Todo Mundo em Pânico" (2000-13) e suas mortes estapafúrdias. O cara - sim, sem camisa - desaparece quando macacos de um quadro o atacam. Essa é a "maldição" de quem põe as mãos em um quadro de Dease: tudo que for arte - pinturas, esculturas, tatuagens - vai tentar matá-lo.
Pausa para assimilarmos essa informação.
Como é de se esperar, depois de macacos feitos de tinta virarem assassinos, é ladeira abaixo. O mistério ao redor de "quem era Dease?" põe em cheque o quão sem criatividade é o trato dado à construção: é uma repetição de todo filme de terror do mundo em que o passado sombrio do vilão é a chave para entender o que está acontecendo. Só que, no caso de "Velvet", nem entendemos. Dease e seu pai abusivo, passagem por clínica psiquiatra e blá blá blá acrescentam em coisa nenhuma ao todo. Se o roteiro não pincelasse um mínimo contexto, poderia ser até melhor do que essa emulação preguiçosa.
Entre diálogos vergonhosos e personagens sem razão de existir - há uma garota que, literalmente, está no filme unicamente para encontrar os outros personagens mortos -, fica claro que havia um rumo concreto para a produção: a crítica do que chamamos de "arte". Afinal, o que é ela? Há especialmente duas cenas em que o filme sarcasticamente explora o quão volátil é esse conceito - quando um cara chega em um ateliê e fica impressionando com uma obra, para logo ser corrigido: era apenas lixo; e quando uma personagem morre e todos acham que o cadáver fazia parte da exposição. Logo surge à memória "The Square: A Arte da Discórdia" (2017), que tem como motor exatamente esse levantamento.
Só que comparar "Velvet" com "Square" é injusto. Absolutamente todos os porquês e comos dos dois filmes são diferentes, mesmo partilhando da mesma discussão. "The Square" possui alto requinte de produção, e não cede à perfumaria enquanto desce a lenha na mesma elite de "Velvet", aquela que vende uma bola metálica por sete milhões de dólares. A monetização da arte acaba diminuindo-a? O valor da etiqueta não seria um parâmetro errôneo de classificação da arte?
Muito me impressiona ver atores tão consagrados aceitando papéis que os fazem parecer medíocres. Essa é a segunda parceira de Jake Gyllenhaal com a Netflix, ambas desastrosas: a primeira foi com o terrível "Okja" (2017), talvez a pior atuação de sua carreira. Até Toni Collette, que merecia um Oscar pelo brilhantismo em "Hereditário", entrou aqui com uma peruca à la Sia. Netflix segue sendo um selo de maculação na carreira de bons atores.
Não exagero quando dou o rótulo de "péssimo" a "Velvet Buzzsaw" - a crítica à "alta arte", mesmo com toda a pertinência, é diluída em meio a tanta babaquice com nome de "sátira". No meio da duração, tive que dar uma pausa para ver na ficha técnica se a "comédia" era listada como gênero, afinal, não fica claro se a palhaçada é proposital ou não. Sim, é proposital, mas vir como um "Todo Mundo em Pânico" gourmet não salva a sessão desse não-assumido filme B. Longe de mim querer ser Morf Vandewalt, mas "Velvet" termina soando como uma das obras que o roteiro critica: no alto da indústria do cinema sem trazer um mísero minuto de inventividade.