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Crítica: sem histeria coletiva, “Coringa” não é nem incrível e nem descartável

Atenção: a crítica contém spoilers.

Indicado a 11 Oscars:

- Melhor Filme
- Melhor Direção
- Melhor Roteiro Adaptado
- Melhor Ator (Joaquin Phoenix)
- Melhor Fotografia
- Melhor Trilha Sonora
- Melhor Edição de Som
- Melhor Mixagem de Som
- Melhor Figurino
- Melhor Montagem
- Melhores Maquiagem

* Crítica editada após o anúncio dos indicados ao Oscar 2020

Caso acompanhe o Cinematofagia, já deve ter percebido que eu não escrevo sobre filmes de super-herói. Pelo menos não os mais óbvios, aqueles blockbusters da Marvel e DC - tanto que fiz uma lista de filmes desse subgênero que não caem nos moldes abertamente comerciais que conhecemos. "Coringa" (Joker) nasceu com uma proposta diferente, um comic movie "sério".

A primeira amostra desse discurso veio quando a obra estreou na competição do Festival de Veneza 2019, o que foi uma surpresa. Só que ninguém esperava que o filme não só competiria em um dos maiores festivais do mundo como venceria o Leão de Ouro, o "Melhor Filme" de lá. Nunca antes um filme de super-herói conseguiu isso.

O hype estava instaurado. Desde a vitória, no começo de setembro, a película não saiu da boca do meio, e discussões acerca do prêmio pipocam até hoje - e a discussão ainda vai continuar, afinal, a corrida para o Oscar está só começando e "Coringa" já está na crista da onda. O Leão de Ouro de "Coringa" é controverso e, particularmente, um mal passo para Veneza enquanto vitrine cinematográfica.

Vou explicar: afirmo isso sem pôr na mesa os méritos (e deméritos) da fita, e sim sua produção. "Coringa" é da Warner Bros, uma das maiores produtoras do planeta e conglomerado poderosíssimo, além, é óbvio, de se tratar de um filme baseado em quadrinhos, o mais forte subgênero da cultura contemporânea. A prova? Qual a maior bilheteria de 2019 e uma das maiores de toda a história? "Vingadores: Ultimato". E ainda tem dois outros do mesmo mote no top 5, também com os cofres bilionários. Só nos EUA, "Coringa" teve lançamento simultâneo em mais de 4 mil salas, um número altíssimo, e dá para contar nos dedos quantos conseguem o mesmo luxo - e, não é de se estranhar, mal estreou e já tem $300 milhões em bilheteria.

Como esses fatos conversam com Veneza e o Leão de Ouro? O festival, assim como qualquer outro, é um prêmio da crítica - ao contrário dos Oscars e Globos de Ouro, que são prêmios da indústria. Sendo assim, é para torcer os olhos quando um prêmio da crítica dá a honraria máxima a um filme que não precisa de mais visibilidade e apreço. A produção de "Coringa", por si só, garantiria isso independentemente de qualquer fator, o que só ele, entre os concorrentes, poderia falar o mesmo.


Saber se "Coringa" era realmente o melhor da seleção, só assistindo a todos os indicados, contudo, já pontuei que não é esse o ponto. O ponto é: seria mais interessante festivais darem palco para filmes que nunca estrearão em mais de 4 mil salas, que jamais verão 10% do orçamento milionário de "Coringa" e que não nascerão já com o atestado de sucesso comercial - tendo em vista o número massivo de domínio nas salas de cinema mundo afora. "Coringa" não precisava do Leão de Ouro para ser visto, enquanto vários outros, que podem até ser melhores, serão vistos apenas nos cinemas "de arte" de metrópoles. É para se pensar.

Essa foi apenas a primeira das inúmeras polêmicas que gravitam ao redor de "Coringa" - e toda semana surge uma nova. Do problemático diretor Todd Phillips dando declarações estapafúrdias até o uso de uma música no filme cantada por um pedófilo condenado (e atualmente preso), toda essa publicidade negativa acabou sendo o velho "falem bem ou falem mal, mas falem de mim", e vários recordes de público já foram batidos logo na estreia. Deixei todo esse rolê de lado e sentei na expectativa de finalmente encontrar um longa de super-herói (ou, no caso, de um vilão) tão correto quanto "O Cavaleiro das Trevas" (2008).

Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) é um palhaço de festas em Gothan City, na década de 80. Com inúmeros problemas mentais, incluindo uma risada involuntária nos momentos mais inoportunos possíveis, Arthur se divide entre as idas à terapia e o trabalho, perdido quando ele leva uma arma a um hospital infantil.

Só pela premissa já dá para ter uma ideia de como "Coringa" é um filme dúbio. Arthur é introspectivo, sem um pingo de noção de sociabilidade e cada dia mais soturno, porém, ainda assim, é um palhaço animador de crianças com câncer. A inserção das risadas involuntárias é ainda mais irônica, surgindo em momentos de tensão ou tristeza profunda do personagem; é a desgraça acontecendo e ele rindo descontroladamente.

A Gothan que virá a ser protegida pelo Batman - que aparece aqui com uns 10 anos de idade - é pintada com frieza e escuridão: há um forte tom decrépito, falido e corrupto nos becos e avenidas da cidade, um reflexo não apenas do estado psicológico de seus habitantes, mas também de um EUA em plena era Trump. Há uma guerra fria do povo que tenta sobreviver em meio à miséria e à poluição, como se tudo estivesse prestes a explodir, e essas pressões são fundamentais para o entendimento da cabeça de seu protagonista.


"Coringa" é uma viagem direto ao precipício que jogou Arthur na insanidade completa que é o Joker. Em termos binários, é bem mais complexo o nascimento de um vilão do que de um herói - aliás, a jornada do herói é tão batida que é um macete narrativo com regras detalhadas e copiadas há tempos. E essa dificuldade reside na questão: o que aconteceu que pode, cinematograficamente, justificar a maldade de um vilão? O que o levou até ali?

Indo contra a história clássica, o Joker de Phoenix não surgiu após cair num tanque de resíduo químico - hoje não, "Esquadrão Suicida" (2016). "Coringa" tira todo e qualquer aspecto fantasioso de seu texto e destrói a mente do protagonista das maneiras mais críveis possíveis: é o meio que o torna quem é. Da infância cheia de abusos à uma atualidade renegada, Arthur sofreu desde antes de se entender como gente - e aqui reside o prisma mais preocupante da fita, o vitimismo de Joker.

No clímax, quando a loucura já tá espalhada por todos os poros de Arthur, ele justifica seus atos pelo desprezo social que cai em cima dele, e isso é um traço fundamental da cultura "incel", a bandeira mais levantada pelos detratores do filme. Entretanto, a coisa não é tão sensacionalista como o circo montado pela crítica (sem trocadilhos).

É sempre bom lembrar que estamos falando sobre um vilão, ou seja, não existe justificativa realmente aceitável para entendermos (e acharmos correto) crimes como assassinato - então, a "solidão social" de Arthur é tão comparável quanto a de Travis de "Taxi Driver" (1976), influença gigantesca para "Coringa", ou a de Alex de "Laranja Mecânica" (1971). E também não existe um extremismo perigoso do lado "incel" que tanto pintaram: Arthur é incapaz de se relacionar com uma mulher - a ideia básica do "incel", que literalmente significa "celibatário involuntário" -, porém, isso, em momento nenhum, é o maior peso na personalidade de Arthur - ele até tem um romance imaginário, que logo é esquecido.


Toda a raiva do protagonista não está engatilhada com misoginia, racismo ou homofobia - os gatilhos comuns envolvendo crimes de "incels" -, e sim engatilhada contra o capitalismo e o abuso de poder. Arthur se rebela contra aqueles que possuem força para estagnar injustamente a sua vida, e se torna um símbolo contra Thomas Wayne, o magnata da cidade e pai do futuro Batman - é, inclusive e indiretamente, graças ao Joker que Bruce perde os pais no assassinato no beco, o que desencadeará no surgimento do herói.

Mas não posso fugir da sensação preocupante de glamorizarão ao redor do Joker. Em uma das últimas cenas, ele é ovacionado após dar um tiro na cabeça de um apresentador ao vivo na tevê aberta. Enquanto dialogava internamente sobre o quão controverso é o momento, lembrei de "Relatos Selvagens" (2014); em um dos segmentos, um homem comum explode uma repartição do governo em um surto contra a burocracia do Estado, e, assim como o Joker, vira ícone da resistência. Só que há dois fatores imprescindíveis: em "Relatos", não há vidas tiradas e o ar crítico jamais se distancia da tela, o que não podemos dizer o mesmo de "Coringa".

Joaquin Phoenix, um dos mais interessantes e versáteis atores do nosso tempo, está bem na pele do vilão, mas nem é preciso comparar com Heath Ledger, que fez a mais incrível versão do personagem em "O Cavaleiro das Trevas", para perceber que seu Joker é bom, mas não sensacional. Todd Phillips pesa a mão nas cenas que gritam "vejam como ele atua!" sem necessariamente ter uma atuação tão genial na tela; há cenas que não dosam corretamente a caricaturização natural do personagem, que beira a forçação - fiquei satisfeito, no entanto, em ver que deixaram um ar flamboyant e debochado ali. O próprio Phoenix tem atuações melhores na sua filmografia - em "Ela" (2013) e "Você Nunca Esteve Realmente Aqui" (2017), por exemplo.

O que há de melhor em "Coringa" é a veia niilista e misantropa de seus caminhos. Dentro de uma sociedade tão enferma, desigual e que retira a dignidade de suas pessoas, é árduo não ceder ao cinismo - e Arthur não apenas cede como graciosamente se afoga na falta absoluta de sentido quando afirma que sua vida não é mais uma tragédia, e sim uma comédia. O que mais choca no filme é como ele é tão próximo da realidade, como tantas cidades são réplicas de Gothan e seu sistema enferrujado, e quanto mais próximo, mais palpável e assustador. Não por acaso, é polêmico e complexo seu conteúdo, condizente com uma realidade à par.

Só que, a partir da segunda metade, o zoológico de exposição da atuação de Joaquin Phoenix rouba o palco em detrimento do aparato sócio-psicológico - o filme o entrega como o melhor na tela, e esse brilho não é proporcional ao espaço dado, com vários desenvolvimentos de contextos (esses sim, os protagonistas da trama) sendo deixados de lado. No momento que ele se torna o Joker, há uma queda na qualidade da fita, que se espetaculariza ao máximo para tentar atingir voos épicos e grandiosos, sem conseguir efetivamente. "Coringa" é como Arthur contando piadas: gargalha o mais alto possível no intuito de fazer a plateia rir junto, e, mesmo sendo divertido, não há tanta graça assim.

Alerta de filmão: saiu o trailer final de Coringa. Confira!


Os fãs do maior vilão das histórias em quadrinhos podem respirar aliviados. "Coringa" promete ser um filmaço que entrará para a história. A Warner Bros lançou nesta quarta-feira (28) o trailer final de Coringa,  e é de dar arrepio, fazer pensar e deixar ansioso.

O filme contará a trajetória do famoso vilão da DC Comics e o personagem icônico será interpretado por Joaquin Phoenix, conhecido por filmes como "Ela" e "Gladiador". O nome foi muito bem recebido pelos fãs que ficaram animados com o anúncio.

Coringa, a história de um palhaço que no lugar de piadas cômicas tem em sua história muita maldade envolvida, dá início a nova fase da DC, com filmes mais maduros e pesados.




Curtiram? Nós seguimos impactados e ansiosos para a estreia que acontece no Brasil no dia 3 de outubro de 2019.

Filme do Coringa com Joaquin Phoenix deve começar a ser rodado em setembro

A DC está investindo em um novo selo de filmes — separado do atual — e Joaquin Phoenix é o novo contratado da DC para viver uma nova versão do Coringa nos cinemas; a produção começa a ser rodada em setembro, em Nova York. As informações são do The Hollywood Reporter.

O filme que conta com a produção de Martin Scorsese faz parte do novo solo da quadrinista, a DC Dark ou Black — ainda não foi decidido seu nome. A ideia é fazer filmes extremamente contidos e com orçamentos baixos. O previsto para o filme é um orçamento de US$ 55 milhões. O roteiro é escrito por Todd Phillips e a direção fica por conta de Scott Silver.

O novo filme do Coringa está previsto para 2019, mas ainda está sem data exata. O anúncio oficial deve acontecer durante a San Diego Comic-Con nas próximas semanas.

Crítica: se apaixonar é uma insanidade socialmente aceita no melancólico "Ela"

Você está assistindo àquela sua série favorita - quem é fã de "Game of Thrones" vai entender bem. Num determinado momento o seu personagem do coração morre. Você entra em depressão, fica inconsolável, até chororô rola. Por causa de algo que não existe. Se não existe, por que você se apega tanto, chegando ao ponto de sofrer pelo destino de um ser inexistente e irreal? 

Essa é a indagação fundamental gerada pelo filme "Ela", de Spike Jonze. No longa, Theodore (Joaquin Phoenix, em delicada atuação), escritor solitário, compra um novo e moderno sistema operacional de múltiplas plataformas que foi desenvolvido para interagir da forma mais complexa com o proprietário. O tal sistema é completamente auto-suficiente, feito para atender a todas as necessidades do usuário, tendo praticamente "vontade própria". Autonomeando-se "Samantha" (voz de Scarlett Johansson), o OS começa a fazer parte integral da vida de Theodore, e este se pega apaixonado por ele. Ou, no caso, por ela.

A premissa pode parecer absurda, mas possui colunas de fundamento fortíssimas. "Ela" se passa num futuro não tão distante, porém olhando para nosso atual redor, vivemos numa época em que eletrônicos são verdadeiros apêndices dos nossos corpos. Estamos 24 horas por dia conectados com outros e com nós mesmos, e você já deve ter achado o fim do mundo o wifi não estar funcionando por meia hora.


No caso de relacionamentos, já está mais que batida a ideia de que interagimos mais pelo computador/celular do que "ao vivo e à cores". E nem precisamos falar de relacionamento à distância. Mesmo os laços que mantemos com pessoas geograficamente próximas são mais explorados pela telinha touch. Aquilo que servia para unir, desune.

Jonze pega então essa ideia e eleva ao máximo, com uma pessoa se apaixonando pela máquina - algo que vemos num outro contexto no fabuloso "Ex Machina: Instinto Artificial". Voltemos para a pergunta inicial desse texto. Por que amamos algo que não existe (no mundo físico/real)? Afinal, o que diabos é o amor? Ao contrário do que pensamos, "amor" não está no "corpo" do outro, está nas nossas cabeças. Química cerebral, hormônios, uma porrada de ligações elétricas dentro dos nossos crânios são transformados nesse sentimento avassalador. Então por que não amar algo que foi desenvolvido - no caso do filme, literalmente - para você? Como resistir a isso?


Na situação de Theodore, tudo é ainda mais tentador. Ele tenta superar o divórcio com sua ex-esposa e paixão de infância, buscando alguém para ser sua "válvula de escape". Encontros casuais, sexo virtual, enfim, qualquer coisa que tire da sua cabeça a ex (interpretada por Rooney Mara) e o arranque da constante solidão é meio válido para a fuga do vácuo deixado pelo término. E quantos de nós não já passamos por isso?

Então aparece Samantha, a criatura (se é que podemos chamá-la assim) perfeita. Engraçada, atenciosa, carinhosa, afável... E Samantha, durante conversas, suspira. A máquina suspira. Uma ato puramente humano, mas já desenvolvido para assim parecer, como todos os questionamentos feitos por ela, que a tornam ainda mais humana. A junção de ferro e corrente elétrica soa mais humana que muita gente. Até mesmos nós, espectadores, nos esquecemos em alguns momentos que a personagem não "existe". Como isso é possível?


Se isso ainda parecer ilógico para você, pensemos: quantas pessoas ao seu redor não se relacionam virtualmente? Namorar pela internet é prática comum nos dias de hoje, e nada mais é do que amar uma imagem virtual, uma voz transformada em sinais, um ser humano visto em pixels. Não tão diferente de Samantha, se pensarmos dessa forma. Estamos tão desesperados por uma fatia de afeto que nos apegamos àquele que nos der essas famigeradas migalhas. Não que namorar com alguém a centenas (ou até milhares) de quilômetros seja sinal de desespero, todavia, somos todos seres solitários querendo fugir disso sem medir o preço.

Se o conteúdo de "Ela" já é suficiente para fazer um grande filme, ainda temos a atuação excepcional de Phoenix, que passa a obra inteira praticamente sozinho, já que "contracena" com uma voz. Johansson fez um trabalho louvável ao conseguir transformar Samantha numa personagem tridimensional sem nem aparecer em cena. Também temos uma singela Amy Adams, queridinha de Hollywood e, aqui, melhor amiga de Theodore, num pequeno e notável papel. Ela está no fim de um relacionamento (humano mesmo), e é interessante notar que, quanto mais o relacionamento (novamente, humano) de Amy vai afundando, mais o de Theodore (virtual) vai crescendo. Há uma áurea pessimista aqui, como se a acensão cada vez maior da tecnologia nos tornasse frios, e esse advento seria nossa única saída.


Em ficções-científicas, geralmente encontramos dilemas sociais ou batalhas com robôs e alienígenas, então a abordagem de Jonze é uma criativa empreitada dentro do gênero. Discutindo o amor de forma até desesperançosa, o filme possui reflexivos diálogos sobre o sentimento mais insano que existe, como "Eu acho que quem se apaixona é uma aberração. É uma loucura socialmente aceita", o que conversa, através dessa estranheza espirituosa, com outros filmes do diretor, como "Quero Ser John Malkovich" (1999) e "Adaptação" (2002), sendo "Ela" seu primeiro roteiro solo.

Nada recomendado para quem está passando por dramas de relacionamento ou aquela velha dor de cotovelo, "Ela" possui bela trilha sonora, uma maravilhosa direção de arte (a cor rosa está por toda parte, casando com o lirismo melancólico do protagonista) e o merecidíssimo Oscar de "Melhor Roteiro Original" na estante. De forma bem singela, Jonze cria o melhor filme de 2014, uma obra absolutamente moderna, criativa, instigante, empolgante, apaixonante e, acima de tudo, linda. Muito linda.


Oscar Review: o amor segundo Spike Jonze no belíssimo "Ela"!


FILME: Ela (Her)
DIREÇÃO: Spike Jonze
ROTEIRO: Spike Jonze
PAÍS: Estados Unidos
ELENCO: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson (voz), Rooney Mara, Amy Adams, Olivia Wilde, Chris Pratt.
CATEGORIAS NO OSCAR: Melhor Filme, Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Sonora, Melhor Canção Original ("The Moon Song"), Melhor Design de Produção.

Você está assistindo àquela sua série favorita. Num determinado momento o seu personagem do coração morre. Você entra em depressão, até chororô rola. Por causa de algo que não existe. Se não existe por que você se apega tanto chegando ao ponto de sofrer pelo destino de um ser inexistente e irreal? 

Essa é a indagação gerada pelo filme "Ela", de Spike Jonze. No filme, Theodore (Joaquin Phoenix), um escritor solitário, compra um novo e moderno sistema operacional de múltiplas plataformas que foi desenvolvido para interagir da forma mais complexa com o dono. O tal sistema é completamente auto-suficiente, feito para atender a todas as necessidades do usuário, tendo praticamente "vontade própria". Autonomeando-se "Samantha" (voz de Scarlett Johansson), o OS começa a fazer parte integral da vida de Theodore, e este se pega apaixonado por ele. Ou, no caso, ela.

A premissa pode parecer absurda, mas tem colunas de fundamento fortíssimas. Vivemos uma época onde eletrônicos são verdadeiros apêndices dos nossos corpos, estamos 24 horas por dia conectados com outros e com nós mesmos. No caso de relacionamentos, já está mais que batida a ideia de que interagimos mais pelo computador/celular do que "ao vivo e à cores". Aquilo que servia para unir, desune.

Jonze pega então essa ideia e eleva ao máximo, com uma pessoa se apaixonando pela máquina. Voltemos para a pergunta inicial desse texto. Por que nos apegamos a algo que não existe? O que diabos é o amor? Ao contrário do que pensamos, "amor" não está no "corpo" do outro. Está nas nossas cabeças. Química cerebral, hormônios, uma porrada de ligações elétricas dentro dos nossos crânios são transformados nesse sentimento avassalador. Então por que não amar algo que foi desenvolvido - no caso do filme, literalmente - para você? Como resistir a isso?

Na situação de Theodore, tudo é ainda mais tentador. Ele tenta superar o divórcio com sua ex-esposa e paixão de infância, buscando alguém para ser sua "válvula de escape". Encontros casuais, sexo virtual, qualquer coisa que tire da sua cabeça a ex (interpretada por Rooney Mara) e o arranque da constante solidão. Então aparece Samantha, a criatura (se é que podemos chamá-la assim) perfeita. Engraçada, atenciosa, carinhosa, afável... E Samantha suspira. A máquina suspira. Uma ato puramente humano, mas já desenvolvido para assim parecer, como todos os questionamentos feitos por ela que a tornam ainda mais humana.

Se isso ainda parecer ilógico para você: quantas pessoas ao seu redor não se relacionam virtualmente? Namorar pela internet é prática comum nos dias de hoje, e nada mais é do que amar uma imagem virtual, uma voz transformada em sinais. Nada diferente de Samantha. Estamos tão desesperados por uma fatia de afeto que nos apegamos àquele que nos der essas famigeradas migalhas. Somos seres solitários querendo fugir disso sem medir o preço.

Se o conteúdo de "Ela" já é suficiente para fazer um grande filme, ainda temos as atuações excepcionais de Phoenix, que passa o filme inteiro praticamente sozinho, já que "contracena" com uma voz. Johansson fez um trabalho louvável por conseguir transformar Samantha numa personagem tridimensional sem nem aparecer em cena. Também temos uma singela Amy Adams, melhor amiga de Theodore, que está no fim de um relacionamento (humano mesmo). É interessante notar que, quanto mais o relacionamento (novamente, humano) de Amy vai afundando, mais o de Theodore (virtual) vai crescendo.

Com trilha sonora bela, direção de arte maravilhosa (a cor rosa está por toda parte, casando com o lirismo melancólico do protagonista) e praticamente com as mãos no Oscar de "Melhor Roteiro Original", Jonze cria um filme absolutamente moderno, criativo, instigante, empolgante, apaixonante e, acima de tudo, lindo. Muito lindo.


ÚLTIMA OSCAR REVIEW:
"Gravidade", de Alfonso Cuarón.

PRÓXIMA OSCAR REVIEW: "Trapaça", de David O. Russell, domingo, 16 de fevereiro.

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