2008: Vamos jogar um jogo do amor, você quer amor ou você quer fama?
Depois de todos os tormentos que Lady Gaga passou no final de 2013, onde resultou na demissão de seu empresário e a destruição da divulgação do seu então álbum, “ARTPOP”, tudo o que a cantora mais precisava era dar um tempo de toda a bagunça que se meteu antes de voltar aos palcos.
2009: Eu quero o seu amor e eu quero a sua vingança. Você e eu poderíamos escrever um romance ruim.
Ao invés de sumir de vez dos holofotes, a estratégia da ítalo-americana foi fugir completamente do seu gênero, o pop/dance/EDM, e cair nas graças do jazz. Amado e odiado, o “Cheek To Cheek” rendeu mais um Grammy para a cantora, colocou seu nome na boca de quem só enxergada seus vestidos de carne e saltos de 20 cm, o que, por fim, se mostrou uma limpeza e tanto em sua imagem.
2011: Eu vi todos os sinais do céu, eu serei a pessoa que ele ama, eu fui feita para amá-lo.
Fora a reinvenção de estilo, a hitmaker de “I Can't Give You Anything but Love” embarcou em apresentações memoráveis que fizeram todos soltarem um “Nossa, ela canta MESMO, hein?”, como o medley de “A Noviça Rebelde” no Oscar 2015; a performance da verdadeira dona do Oscar de “Melhor Canção Original”, “Til It Happens To You” na edição deste ano; e a apresentação do hino nacional dos EUA no Super Bowl 2016. Sem perucas extravagantes, sem vestidos vivos, sem parafernálias.
2013: Quando você me toca eu morro um pouquinho por dentro, eu me pergunto se isso pode ser amor.
Além do campo vocal, a atriz-desde-os-13-anos embarcou em filmes, como “Sin City 2: A Dama Fatal” e na tevê, como protagonista da quinta temporada de “American Horror Story: Hotel”, que lhe deu o questionabilíssimo Globo de Ouro de “Melhor Atriz”. O campo esta preparado para um retorno.
2016: Não era amor, era uma ilusão perfeita.
O retorno chegou em 09 de setembro de 2016. “Perfect Illusion”, o carro-chefe do quinto álbum da cantora, finalmente a trouxe de volta para o pop, já que todos estávamos cansados dessa Jazz Ball Tour (mesmo tendo dado mais um Grammy a ela, obrigado). Só que já aqui temos o primeiro baque: o meu conceito de “pop” pode ser diferente do seu. Afinal, o que é “pop”?
“Pop” denomina a música popular, aquela que está na boca do povo. Sertanejo é pop no Brasil? Sim, no sentido real da palavra, é pop. Com o passar do tempo, o “pop” se tornou um gênero próprio com suas configurações, mas sem deixar de ser eclético, afinal, quem não lembra a Adele levando o Grammy de “Melhor Álbum Pop” com o “21” e muita gente falando que ele nem pop era?
O “pop” que a maioria das pessoas esperavam de Gaga é o “pop” à la “The Fame”, porém podemos destrinchar mais esse conceito. O álbum é, mais especificamente, “dancepop”, “eletropop”, “synthpop”. Tudo é pop? Tudo é pop. Essa é uma caixinha que cabe muita coisa.
Mas não, “Perfect Illusion” não é “dancepop”, “eletropop” ou “synthpop”, é “disco-rock”. É pop também isso? É pop também, é muito pop, é pop pra caramba. Não há nem possibilidade de uma expectativa distante disso, afinal, os produtores da faixa são, além de Gaga, Kevin Parker, Mark Ronson e BloodPop. Enquanto Ronson caminha por diversos gêneros (ele é o produtor do álbum do universo, “Back To Black” da Amy Winehouse, tá?), Parker é o líder do Tame Impala, aquela banda de psychedelic rock/pop que canta “Feels Like We Only Go Backwards”, conhece?, com BloodPop sendo o único que poderia cair de vez no “pop” que tanto esperavam, já que ele é dono de “Go” da Grimes, “Sorry” do Justin Bieber e “Devil Pray” da Madonna. Apenas hinos.
Só que estamos falando de Lady Gaga, e a moça possui o dom de fazer os produtores se adaptarem a ela, não o contrário. “Perfect Illusion” soa extremamente compatível com todos os envolvidos – o dedo de Parker é gritante –, no entanto, em momento nenhum deixa de ser uma música Gaga. Fun fact: ela JAMAIS repetiu o mesmo time de produtores em seus lead single.
“Perfect Illusion” é aberta com uma guitarra do Josh Homme, líder do Queens of the Stone Age e o maior homão que a gente respeita, já nos fazendo segurar esse rock, entretanto não temos um exemplar de “Electric Chapel”, pois a guitarra é fundida com as batidas disco infecciosas que dão a embalagem pop perfeita. É só ver os “oh-oh-oh-oh” logo no início, artimanha simplérrima, mas genuinamente pop.
A faixa trata do momento onde a intérprete sente a droga que era o amor cessar. Ainda no meio do topor, ela percebe que toda a adrenalina foi uma ilusão perfeita. “Meu jogo de adivinhação é forte, isso é real demais para estar errado. Eu fui pega no seu show. É, pelo menos agora eu sei que não era amor”.
A letra de “Perfect Illusion” não aborda hinos empodeiradores como “Born This Way”, nem trata de feminismo como “G.U.Y.”. É uma faixa simples e puramente pop de uma cantora que conquistou o mundo pedindo para todo mundo apenas dançar. Mesmo a sonoridade da canção soando distante de trabalhos como o “The Fame”, a composição de “Perfect Illusion” se encaixaria com louvor no álbum de estreia da cantora.
Uma das principais reclamações sobre a faixa é a repetição do título, chamada de “excessiva”. Em primeiro lugar isso é música pop legítima. O título vai ser repetido porque é ele que caracteriza a canção, é ele que vende. Depois de ouvi-la aleatoriamente na rádio, você vai saber que ela se chama “Perfect Illusion” ou algo parecido, e é aí que está a armadilha do pop para fisgar o ouvinte.
E fizemos um levantamento bem de Exatas: a cantora fala “illusion” 24 vezes durante o novo single, exatamente a mesma quantidade de vezes que a palavra “Applause” é repetida na faixa de mesmo título – isso não contando os “pplause-pplause”, que jogariam a repetição nas alturas. O Instituto It Pop agradece.
Muitos de vocês já devem ter ouvido que o Dr. Luke possui uma fórmula secreta que joga na canção um número específico de batidas e instrumentos a cada segundo para conseguir prender – ou algo do tipo. Todos estavam alucinados pela troca de “chave” de “Perfect Illusion”, que acontece em 1:51 (111 segundos). Pois bem, estudiosos fizeram cálculos que qualquer aluno de Humanas choraria por dias (incluindo a gente) e identificaram que a troca da melodia não foi nada acidental: ela é a “Proporção Áurea”, ou “The Golden Ratio” em inglês.
Vamos tentar explicar didaticamente o que se trata (o link original está aqui): a “Proporção Áurea” é basicamente a proporção “perfeita” na álgebra e na arte. Colocando a troca em 111 segundos de 179 no total, "Perfect Illusion" atinge a "Proporção Áurea" da música, que, em números, é o momento da troca vezes o valor de Phi (aproximadamente 1,618). 111 X 1,618 = 179, a duração total da faixa. Uma loucura, sabemos, mas basicamente o que Gaga e seus produtores fizeram foi jogar o molde divino na canção. Pausa para assimilarmos a maior armadilha pop do século que todo mundo caiu e amou cair.
A grande questão de todo lançamento de Gaga habita aqui mesmo: é ela que está lançando. Enquanto todos esperam uma "nova 'Bad Romance'", ela segue não se repetindo e frustrando aqueles que insistem em se prender à uma era que já passou. Ao invés de abrirem a cabeça e experimentar algo diferente, limitam a criatividade da cantora a um patamar de "se não for isso, é ruim". Enquanto seguirmos com esse pensamento quadrado, estamos aniquilando as fronteiras de uma das maiores artistas do nosso tempo - sempre lembrando que não gostar de um novo trabalho dela ou de qualquer um é algo absolutamente normal. Mas privar-se por esperar uma "Poker Face 2.0", não.
Mesmo não voltando da forma que muita gente gostaria, Lady Gaga triunfa com “Perfect Illusion” ao sair do seu próprio óbvio e ainda acompanhar o embalo das paradas atuais, cada vez mais voltadas para sonoridades indies e alternativas. Com seus vocais crus e livres de auto-tune, instrumental agressivo e tóxico e um refrão para gritar nas pistas, “Perfect Illusion” era absolutamente tudo o que precisávamos de Lady Gaga, mais um hino em forma de ecstasy moderno para chamarmos de “essa é minha música” na balada. O pop está salvo, amém.