Atenção: a crítica contém spoilers.
Após 27 anos do primeiro encontro com Pennywise (Bill Skarsgård), ou A Coisa, o Clube dos Perdedores é obrigado a voltar para a cidade de Derry e confortar de uma vez por todas o palhaço demoníaco que está disposto a continuar com sua matança. "It: Capítulo 2" (It Chapter Two) continua a saga iniciada em "It: A Coisa" (2017) dois anos após o lançamento deste que é a maior bilheteria de um terror em toda a história (sem o ajuste inflacionário) - foram $700 milhões ao redor do globo.
Após 27 anos do primeiro encontro com Pennywise (Bill Skarsgård), ou A Coisa, o Clube dos Perdedores é obrigado a voltar para a cidade de Derry e confortar de uma vez por todas o palhaço demoníaco que está disposto a continuar com sua matança. "It: Capítulo 2" (It Chapter Two) continua a saga iniciada em "It: A Coisa" (2017) dois anos após o lançamento deste que é a maior bilheteria de um terror em toda a história (sem o ajuste inflacionário) - foram $700 milhões ao redor do globo.
Desde o início da produção da sequência, um fato me chamava muita atenção: como os atores escolhidos para interpretarem as versões adultas eram bizarramente parecidos com as crianças do primeiro filme. Não vou nem citar a lista dos nomes, porém eles parecem ter sido escolhidos a dedo - e até coadjuvantes são iguais aos atores mirins. Mais sorte ainda quando nomes tão grandes como Jessica Chastain, James McAvoy e Bill Harder aparecem no casting.
O filme é aberto, assim como o anterior, com um assassinato pelas mãos do Pennywise, para avisar que o palhaço já está na ativa. Contudo, o caso do "Capítulo 2" já chegou envolto de controversas: um casal gay é brutalmente espancado por um grupo homofóbico, e um deles é morto pelo Pennywise. Já adianto: não li ao livro de Stephen King. Lendo comentários acerca, soube que a passagem em específica contém no material original, porém, na tela, a cena é preocupantemente descontextualizada.
A ideia, imagino, era fomentar a áurea de violência da cidade, quase exalada a partir da presença de Pennywise - um dos criminosos inclusive fala "Bem-vindo à Derry" quando espanca um dos gays. Todavia, é muito diferente da morte de Charlie no primeiro filme, já que foi inteiramente feita a partir de um monstro sanguinário e não-humano. Ver corpos homossexuais sendo violentados por puro ódio e que não acrescentam na narrativa só tem um nome: gratuidade.
Quando os pedaços do cadáver deste personagem - interpretado pelo reizinho Xavier Dolan, já acostumado a sofrer quando atua em filmes - são encontrados, é o alerta de que os Losers devem voltar e impedir que as mortes continuem se espalhando. O primeiro ato começa com Mike (Isaiah Mustafa), o único do grupo original a nunca ter saído de Derry, ligando para todos os outros amigos de infância e informando para eles correrem até a cidade.
Pois bem, esse início é deveras confuso. Não fica muito claro qual a dinâmica que está acontecendo entre os personagens que foram embora: eles parecem não se lembrar dos eventos da infância. Após a sessão, fui ler sobre e descobri que sim, no livro é isso que acontece, no entanto, o filme presume esse conhecimento prévio (e indevido) e não se preocupa em desenvolver o que é a base para o pontapé inteiro da trama. Ora parece que os personagens lembram de nada, ora que lembram de alguma coisa, é uma desordem sem tamanho.
O único que lembra de tudo é Mike, exatamente por não ter saído da cidade. Essa dinâmica é tão contraditória que, fundamentalmente, quem saiu da cidade se recorda de nada, entretanto, Ben (Jay Ryan), o ex-gordinho e agora malhadíssimo que eventualmente vai mostrar sua nova barriga de tanque, ainda nutre um amor por Bervely (Chastain) vinte e sete anos depois. Supera.
Mesmo sendo os mesmos personagens do primeiro longa, os protagonistas são pessoas diferentes, afinal, quase três décadas se passaram. O roteiro é corrido demais ao abordar suas vidas presentes, o que apresentaria ao espectador quem eles são no agora - há pontuações interessantes, principalmente no caso de Bervely, presa em uma repetição da relação extremamente abusiva com seu pai; seu atual marido é um psicopata que a trata como objeto. Um deles até comete suicídio e nem aparece por dois minutos inteiros, um peso narrativo irrisório.
Aí começa o segundo passo do plot. Mike explica os acontecimentos e diz já ter um plano para matar A Coisa, um ritual indígena que também ilustra como o palhaço chegou em Derry: pegando carona em um meteorito. Sim, Pennywise é um alienígena. Enquanto essa mitologia é muito boa, o lado do ritual é apresentado de maneira incongruentemente pronta. É como uma receita que magicamente brotou do chão, sem preparação ou background algum para o público.
E falando em receita, "Capítulo 2" é uma cópia da estrutura do filme antecessor. Podemos pensar, "bem, é uma decisão lógica, afinal, é a continuação", mas não, não é. No "Capítulo 1", nós acompanhamos cada um dos personagens enfrentando Pennywise particularmente, e a mesma coisa acontece aqui. Uma enorme parte da duração - que é bem robusta, quase 3h - é dedicada à separação de seus peões e cada um deles esbarrando com os terrores d'A Coisa.
Mesmo havendo momentos inspirados - a sequência da Bervely com a idosa é ótima -, é uma repetição gigantesca e previsível. Sabemos cada passo, cada susto, cada desdobramento, o que não engrossa uma atmosfera, afinal, uma das premissas básicas do terror é o medo do inesperado. Andando passo a passo atrás do molde original, surpresas quase não estão à vista.
Mesmo havendo momentos inspirados - a sequência da Bervely com a idosa é ótima -, é uma repetição gigantesca e previsível. Sabemos cada passo, cada susto, cada desdobramento, o que não engrossa uma atmosfera, afinal, uma das premissas básicas do terror é o medo do inesperado. Andando passo a passo atrás do molde original, surpresas quase não estão à vista.
Algo que me chamou atenção é como a película não é.........adulta. Não esperava algo cerebral ou cult, mas "Capítulo 2" não amadurece sua narrativa em momento algum, além de empalidecer quando posto lado a lado com o elenco infantil. Soa estranho quando temos atores consagrados não dando conta de superarem um bando de crianças, e fica cristalino quando o filme embarca em flashbacks e coloca protagonistas originais na tela. Eles possuem muito mais química e um tom mais correto.
Se o primeiro é uma aventura macabra, o segundo não alcança uma coesão de estilo, afinal, aquele grupo de quarentões caindo em trapalhadas é desconcertante. O que deveria ser mais sério e atmosférico é apenas uma emulação do que deu certo antes - e que, obviamente, não funciona de modo igual. "Capítulo 2" é, sim, mais "assustador" - não chega a dar medo, todavia, possui uma gama bem legal de ideias de terror (a cabeça com pernas de aranha é uma delícia) - só que são tantos tiros para todos os lados que se torna uma bagunça com supérfluos - subtramas, como a do garotinho na sala de espelhos, podiam ser descartadas.
Depois de horas de sustos (alguns bem baratos), chegamos no "vamo-vê", o embate com Pennywise. O clímax já começa errado quando o tal ritual que caiu dos céus serve para coisa nenhuma e é esquecido rapidamente - o que também joga fora a relevância narrativa do momento em que os personagens se separam. Quando cara a cara com A Coisa, agora em forma de uma aranha enorme, a montagem ruim vai derrubando o que já estava fraco.
A solução do problema é a última pá de terra no enterro do filme: os Losers começam a xingar e menosprezar Pennywise, que vai (fisicamente) diminuindo até chegar a um ponto que seu coração fica exposto, a peça chave de sua existência. Em um primeiro estalo, achei curioso o conceito da derrocada do vilão: Pennywise é a personificação do bullying - ele ataca as inseguranças e medos de suas vítimas, como qualquer "valentão" -, e só é derrotado quando o bullying se volta contra ele. No campo das ideias, o gosto desta solução é doce, porém, na tela, é cinematograficamente preguiçosa.
E de preguiça o terror comercial e hollywoodiano entende. Forças sobrenaturais, demônios imbatíveis, entidades sanguinárias são, geralmente dentro desse nicho, derrotados por uma artimanha patética. Quer exemplos? A maior franquia de terror moderna é "Invocação do Mal", que já rendeu vários spin-offs e dinheiro aos baldes, e os dois filmes principais da saga possuem a mesma preguiça: em "Invocação do Mal" (2013), o satanás vai embora com pensamentos felizes; e Valak, o demônio em forma de freira em "Invocação do Mal 2" (2016), cai por terra ao ouvir seu nome. Simples assim.
Vendo por um lado positivo, além de ser uma sessão que não cansa tanto para a longa duração, "Capítulo 2" abraça uma metanarrativa criativa quando coloca o Stephen King em pessoa falando mal dos finais de suas próprias histórias - uma ideia pra lá de disseminada entre os leitores -, além de gerar referências bem divertidas do universo kinguiano, como para "O Iluminado" (1980) - tem um "Heeere's Johnny!" - e "Carrie: A Estranha" (1976) com a inundação de sangue.
A impressão que "It: Capítulo 2" desenha à plateia é que parece ser um filme andando com muletas: está preste a cair a qualquer momento, mesmo não indo ao chão de fato. A vivacidade que residia na obra anterior abre espaço para uma irregularidade colateral - o roteiro formulaico e efeitos visuais ruins explicam. Sempre será um prazer ver Bill Skarsgård encarnando um dos vilões mais icônicos da contemporaneidade cinematográfica, mas nosso retorno à Derry não é o prazer que foi a primeira vez que chegamos nessa cidadezinha infernal. Talvez, na próxima, o balão vermelho não estará tão murcho (Skarsgård já afirmou que voltaria para um terceiro).
Se o primeiro é uma aventura macabra, o segundo não alcança uma coesão de estilo, afinal, aquele grupo de quarentões caindo em trapalhadas é desconcertante. O que deveria ser mais sério e atmosférico é apenas uma emulação do que deu certo antes - e que, obviamente, não funciona de modo igual. "Capítulo 2" é, sim, mais "assustador" - não chega a dar medo, todavia, possui uma gama bem legal de ideias de terror (a cabeça com pernas de aranha é uma delícia) - só que são tantos tiros para todos os lados que se torna uma bagunça com supérfluos - subtramas, como a do garotinho na sala de espelhos, podiam ser descartadas.
Depois de horas de sustos (alguns bem baratos), chegamos no "vamo-vê", o embate com Pennywise. O clímax já começa errado quando o tal ritual que caiu dos céus serve para coisa nenhuma e é esquecido rapidamente - o que também joga fora a relevância narrativa do momento em que os personagens se separam. Quando cara a cara com A Coisa, agora em forma de uma aranha enorme, a montagem ruim vai derrubando o que já estava fraco.
A solução do problema é a última pá de terra no enterro do filme: os Losers começam a xingar e menosprezar Pennywise, que vai (fisicamente) diminuindo até chegar a um ponto que seu coração fica exposto, a peça chave de sua existência. Em um primeiro estalo, achei curioso o conceito da derrocada do vilão: Pennywise é a personificação do bullying - ele ataca as inseguranças e medos de suas vítimas, como qualquer "valentão" -, e só é derrotado quando o bullying se volta contra ele. No campo das ideias, o gosto desta solução é doce, porém, na tela, é cinematograficamente preguiçosa.
E de preguiça o terror comercial e hollywoodiano entende. Forças sobrenaturais, demônios imbatíveis, entidades sanguinárias são, geralmente dentro desse nicho, derrotados por uma artimanha patética. Quer exemplos? A maior franquia de terror moderna é "Invocação do Mal", que já rendeu vários spin-offs e dinheiro aos baldes, e os dois filmes principais da saga possuem a mesma preguiça: em "Invocação do Mal" (2013), o satanás vai embora com pensamentos felizes; e Valak, o demônio em forma de freira em "Invocação do Mal 2" (2016), cai por terra ao ouvir seu nome. Simples assim.
Vendo por um lado positivo, além de ser uma sessão que não cansa tanto para a longa duração, "Capítulo 2" abraça uma metanarrativa criativa quando coloca o Stephen King em pessoa falando mal dos finais de suas próprias histórias - uma ideia pra lá de disseminada entre os leitores -, além de gerar referências bem divertidas do universo kinguiano, como para "O Iluminado" (1980) - tem um "Heeere's Johnny!" - e "Carrie: A Estranha" (1976) com a inundação de sangue.
A impressão que "It: Capítulo 2" desenha à plateia é que parece ser um filme andando com muletas: está preste a cair a qualquer momento, mesmo não indo ao chão de fato. A vivacidade que residia na obra anterior abre espaço para uma irregularidade colateral - o roteiro formulaico e efeitos visuais ruins explicam. Sempre será um prazer ver Bill Skarsgård encarnando um dos vilões mais icônicos da contemporaneidade cinematográfica, mas nosso retorno à Derry não é o prazer que foi a primeira vez que chegamos nessa cidadezinha infernal. Talvez, na próxima, o balão vermelho não estará tão murcho (Skarsgård já afirmou que voltaria para um terceiro).